Maria Augusta Kutschera era, em sua juventude, uma
fervorosa adepta do Socialismo e não acreditava na existência de Deus. Nascida
num trem a caminho de Viena, órfã em criança e criada por tios, sonhava ser
professora pública. Num certo Domingo de Ramos, entretanto, entrou numa igreja
crendo que ia assistir a um concerto de músicas de Bach. O que ouviu foi um
discurso do padre local. E isto mudou sua vida. Profundamente impressionada com
a revelação da fé católica que ouvira, e que a convertera, ingressou, logo após
ter-se graduado no Colégio de Educação Progressiva da capital austríaca, na
Abadia Beneditina de Nonnberg, em Salzburgo, como noviça.
MARIA KUTSCHERA EM 1926 |
Às turras com a disciplina do convento, Maria começou a
ter problemas de saúde. Por esta época, um Barão viúvo solicitou à Madre
Superiora que lhe enviasse alguém para cuidar de uma de suas crianças, uma
menina que padecia da mesma moléstia que matara sua mulher, a escarlatina. A
menina chamava-se também Maria e o convento achou que poderia matar vários
coelhos com um só golpe – satisfazer o Barão, ajudar a filha doente e verificar
se a missão melhoraria a saúde e o humor da postulante rebelde.
A esta altura, qualquer pessoa que não tenha passado os
últimos 50 anos incomunicável numa caverna do Afeganistão sabe perfeitamente do
que eu estou falando. O Barão era Georg von Trapp, herói da Primeira Guerra
Mundial como comandante de submarinos e pai de sete filhos. Maria era a noviça
que, ao aceitar o desafio de recuperar a menina doente, conquistou o afeto de
toda a prole e o coração de seu pai.
No espaço de doze meses, entre 1926, quando Maria
ingressou no serviço da família, e 1927, ano de seu casamento com von Trapp, o
romance desenrolou-se, mais por iniciativa do Barão, imediatamente apaixonado
pela nova empregada, do que dela, conquistada inicialmente apenas pela afeição das
crianças, ainda magoadas pela perda da mãe.
Os von Trapp já eram uma família musical, mesmo antes
que Maria chegasse a Salzburgo. Entretanto, como forma de sobrevivência a partir
da depressão mundial começada em 1929, na qual o Barão perdeu quase toda sua
fortuna, só no início dos anos 1930 eles deram início a uma carreira profissional como grupo vocal de
músicas tradicionais austríacas. Eram muito bons e o sucesso foi grande. Em
1938, quando aconteceu o Anschluss, a
anexação da Áustria à Alemanha hitlerista, a Família de Cantores von Trapp
estava no topo das paradas.
Georg von Trapp era, no entanto, um medular antinazista.
E logo percebeu o perigo que ele e a família corriam na progressiva dominação
de seu país pelos alemães. A primeira complicação surgiu quando foram convidados,
e declinaram, a cantar numa comemoração pelo aniversário de Adolf Hitler. A segunda, e definitiva, veio quando ele decidiu recusar um posto na Marinha do Terceiro Reich. Sabendo que era um caminho
sem volta, conseguiram, à última hora, partir para uma turnê musical nos Estados
Unidos. Não foi uma empolgante travessia dos Alpes ao som de Climb Every Mountain, mas teve sua dose
de drama, pois foram vários os percalços até que conseguissem um visto de
permanência na América.
A fama que os precedia abriu-lhes as portas no Novo
Mundo. Com os ganhos obtidos num meio artístico em expansão após o término da
guerra, compraram uma propriedade em Vermont, no seio de uma natureza que em
tudo lembrava a Áustria nativa, e construíram uma pousada e uma escola de
música. O bastante para garantir uma vida estável e tranquila, mesmo após a
morte do Barão em 1947.
A FAMÍLIA VON TRAPP NOS ESTADOS UNIDOS: MARIA E GEORG CERCADOS PELOS SETE FILHOS DELE |
Dois anos depois, um fato novo iria catapultar a saga
privada dos von Trapp para as estrelas. Instada por vários amigos, Maria, que
agora assumia plenamente as funções de matriarca (além dos sete filhos
originais, Georg tivera mais três com ela), decidiu escrever suas memórias num
livro, The Story of the Trapp Family
Singers (A História dos Cantores da Família Trapp).
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Este mês, comemoram-se os cinquenta anos da estreia de The Sound of Music (aqui no Brasil, traduzido
com duvidoso gosto como “A Noviça Rebelde”...). Era a versão cinematográfica do
megassucesso da Broadway, que entre 1959 e 1963 enchera os teatros por 1.443
apresentações. Antes, duas produções do cinema alemão haviam sido baseadas no
livro de Maria von Trapp. Apesar de sofrer severo ataque da crítica, que o
desancou como sendo enjoativamente açucarado
(estamos falando de uma época em que as produções musicais já se pautavam
por West Side Story e a cena pop americana era dominada pela Invasão
Inglesa e pelos Beach Boys), e da própria família Trapp, que não via no filme,
e nem na peça, um justo reconhecimento de sua carreira como cantores
profissionais, The Sound of Music arrebatou
as plateias de todo o mundo e os favores da Academia. Foram dez indicações, cinco
Oscars e, até hoje, a segunda maior
bilheteria da história (só perde para Gone
With the Wind – E o Vento Levou).
A FAMÍLIA VON TRAPP DO CINEMA |
Hoje é quase um cult
para as famílias que, no aconchego de suas salas, se deliciam com as
peripécias de Fräulein Maria e cantam
a mágica trilha sonora dos geniais Richard
Rodgers e Oscar Hammerstein II. E
aplaudem toda vez que Maria e as crianças terminam a sequência musical de Do Re Mi, nas escadas dos jardins de
Mirabell.
Para complementar.
Maria
Franziska von Trapp, a única sobrevivente dos sete filhos e
justamente aquela para quem o Barão solicitou cuidados ao convento e desencadeou
toda a história, morreu em 2014, aos 99 anos. Hoje, só Johaness, filho caçula da noviça com o Barão, está vivo e administra
a propriedade familiar, atualmente um resort
que fabrica até sua própria cerveja, The
Shades of Salzburg. Os atores que protagonizaram o casal e os filhos no filme estão todos vivos.
Uma das últimas canções do filme é Something Good. Algo de muito bom para vermos e ouvirmos mais uma
vez...
Oswaldo
Pereira
Abril
2015
Oswaldo, e a terceira vez que escrevo um comentário e coloco conta Google, clico PUBLICAR e desaparece. Ele deve estar por aí.
ResponderExcluirFalei de minha admiração pela bela família que lutaram cantando!!!!!
Música salva. Isso faz parte da Matemática. Boa lembrança.
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