Os números são parecidos. Cento e quarenta e sete assassinados
numa universidade no Quênia. Cento e quarenta e nove assassinados num vôo da
Germanwings. Em ambas as tragédias, dois desvios de conduta, um coletivo e um
individual, um politico-religioso e um maníaco-depressivo, foram
determinantes. E a parecença acaba aí.
Na mortandade africana, há ódios milenares
envolvidos, perseguições culturais germinadas por séculos, manipulação de
vontades por vozes de credos que pregam a intolerância como caminho, a
violência como instrumento e a exterminação dos infiéis como fim. Tudo em nome
de um deus, tudo na esperança de uma recompensa no além. Tudo em nome de uma
crença.
Na hecatombe germânica, o motivo foi outro tipo de
crença, outro tipo de deus. Na dissimulada mente torturada de Andreas Lubitz, a
“recompensa” foi o ato em si, a fábula trágica que sua psique escreveu para si
mesma, os trinta minutos em que ele foi sua própria fé, seu próprio deus, no
comando absoluto e total do curso da aeronave e da vida de seus companheiros de
vôo.
Instrumentos diferentes, ambos com a mesma
letalidade, o uso da morte como escolha, como objetivo, como solução. Terrorismo
e revolta íntima como ferramentas de uma mesma crueldade, de um desamor tão
intenso ao próximo que reduz o respeito à vida humana a um simples e
desprezível detalhe. Os invasores da faculdade em Garissa conheciam
a escola, alguns a tinham frequentado e convivido com muitos dos alunos que
exterminaram. O copiloto alemão deve ter visto muitos dos passageiros que
embarcaram, olhado para seus rostos, talvez até sorrido para alguns deles.
Uma força maior que estrangula a compaixão. Como
extingui-la? Como explicá-la?
Oswaldo
Pereira
Abril
2015
Talvez haja uma explicação e essa tem a ver com o velho e atual Malthus, o da teoria que previu que não haveria espaço e alimentos para todos na terra. Já cumprida a previsão ele só não previu como isso se daria. Antes da terra ficar pequena pela internet, pela mídia televisiva e pelos vôos internacionais em que vc dorme em Tóquio e acorda em Los Angeles, havia um confortável espaço para as maiorias em que as minorias eram obrigadas a se aninhar. A homosexualidade era excepcional e não invadia ou nos obrigava a aceitá-la como se fosse algo natural equiparável à heterosexualidade, os loucos, cujo número só aumentou em muito porque a população cresceu na mesma proporção que não parou de crescer, a sensação de que a privacidade acabou e que tudo está mais apertado sem cantos nem recantos em que somos expostos sem querer e a desinformação dos faits divers é exceção, num mundo em que o indivíduo é coletivo, tudo empurra o que era maioria para um canto, pressionado pela geração de minorias crescentes vegetativamente que ocupa o mesmo espaço da maioria que capitula que se retrai com medo de achar que aquilo com que não concorda não tem mesmo remédio, sendo empurrada para dentro de um armário.
ResponderExcluirCompletando, daí para ocorrerem as hecatombes descritas não vai uma distância incompreensível.
ResponderExcluirCertíssimo, amigo Lustosa. As "benesses" do mundo moderno acabaram por criar uma cepa de paranóias galopantes. Salve-se quem puder...
ExcluirOswaldo
ResponderExcluirVocê ditingue bem os dois aspectos dessas últimas (??) tragédias. Enquanto na do avião tem-se um problema patológico, na africana predomina o ódio acentuado por um fanatismo religioso que, a meu ver, é um dos piores. Não é de hoje que a religião é usada para justificar barbáries. Isso vem dos tempos antigos. Mesmo as cruzadas escondiam sob esse nome uma fome de poder e conquista. Reconsquistar Jerusalem e preservar a fé eram pretextos. Desta forma, enquanto houver uma força religiosa que empurre o homem para a vingança baixa e não para o sublime, estaremos sujeitos a esses trágicos acontecimentos.
Perfeito. É o que eu já disse em algum texto que escrevi aqui. Em nome da religião (seja ela qual for), matou-se mais do que por qualquer outro motivo na História...
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