segunda-feira, 29 de setembro de 2014

INDIANISTAS


GONÇALVES DIAS. POETA BRASILEIRO (1823/1864)


Meu primeiro livro, como já relatei no texto que deu início a este blog, foi OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES, de Monteiro Lobato. O segundo, por imposição dos meus pais, foi O GUARANI. Achavam que eu precisava de literatura a sério e esta só podia ser encontrada nos grandes clássicos. OS LUSÍADAS talvez fossem um pouco demais para um garoto de treze anos e papai era fã dos indianistas brasileiros como José de Alencar. Dos poetas, tinha especial predileção por Gonçalves Dias e adorava declamar para a plateia familiar os versos de I-Juca-Pirama, especialmente a parte da maldição. 

I-Juca-Pirama, na linguagem tupi, queria dizer “aquele que deve morrer” e o poema contava a história de um guerreiro que, feito prisioneiro dos canibais Timbiras, e tendo deixado seu pai cego abandonado na floresta, suplica por sua vida. Duvidando da desculpa do prisioneiro e considerando sua súplica um ato de extrema covardia, o Cacique o manda libertar, para que sua carne ignóbil não contaminasse a tribo. Mas, ao voltar para a floresta e reencontrar-se com o pai, este, com o tato, percebe o crânio raspado e a pintura do ritual da morte que cobria o rosto do filho, e deduz sua fraqueza diante do destino. Obriga-o a voltar com ele à aldeia inimiga, onde ouve o chefe timbira relatar com desprezo a vilania do jovem tupi. O velho pai, devastado pela vergonha, o amaldiçoa perante todos. Tomado em brios, o filho resolve lutar e, com extrema galhardia, derrota sozinho inúmeros adversários, o que faz o chefe timbira reconhecer sua coragem e declará-lo novamente digno de ser sacrificado. O que faz o velho pai, lavado em sua honra, declarar: “este sim, que é meu filho muito amado”. O poema termina com alguém contando esta história tempos depois e afirmando, para quem duvidasse de sua veracidade, “meninos, eu vi...”

Como na ópera O Rigoletto, em que a maldição do bobo da corte contra o Duque de Mântua é o tema mais dramático da obra, também as estrofes que compõem o anátema lançado pelo velho pai é a parte mais impressionante de I-Juca-Pirama.

 “Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

“Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!

“Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

“Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas como asco e terror!

“Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E o oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.

“Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.”



RODOLFO AMOEDO "MARABÁ"











VICTOR MEIRELLES "MOEMA"
















Produto do ufanismo que varreu as artes brasileiras na segunda metade do século XIX, o indianismo foi o equivalente brasileiro do romantismo europeu e seus temas da Idade Média. Como não tivemos cavaleiros andantes e donzelas na torre na nossa realidade histórica, fomos beber na fonte das florestas, criando a figura do índio altivo e valente. Além da literatura, com os romances de Alencar (O Guarani, Iracema, Ubirajara) e a poesia de Gonçalves Dias e Castro Alves, a pintura, pela mão de Victor Meireles e Rodolfo Amoedo, também exaltou esta visão idealizada do silvícola pátrio, atribuindo-lhe o mesmo status quase santificado que na Europa se galardoou aos heróis medievais. Lá, armaduras e dragões já saíram de cena há muito, mas por aqui, ainda há, encerradas na imensidão e impenetrabilidade da Amazônia, tribos desconhecidas e intocadas pela civilização. Um espanto, neste limiar do terceiro milênio e mote para acordar os indiana joneses que habitam a alma de muito aventureiro.


Oswaldo Pereira

Setembro 2014

domingo, 21 de setembro de 2014

SETEMBRO





Setembro, aqui no hemisfério norte, marca o fim do verão. Isto todo mundo sabe. Mas, é o que todo mundo sente que me fascina.

É como se o mês fosse todo um poente, as notas finais de uma canção alegre, o fim da brincadeira. Os ecos das férias vão-se perdendo no azul de um mar já não tão manso, esfarelando-se no que antes era brisa e agora é vento. As praias se desbotam do colorido de chapéus de sol, salgados de maresia, que agora se recolhem ao escuro de algum armário, à espera do próximo verão.

O dia fica menor. Por uma ordem celestial qualquer, as cores da natureza mudam, trocam de sexo, perdem a alma viril do calor e vestem os tons sutis e femininos de céus rosa e carmim, de estrelas que nascem mais cedo, das bagas de uva que se entregam à colheita, gordas de sumo, de melões tardios mais doces que o mel, dos campos que renascem da secura estival.

Vindimas e vento, fim das miragens das praias douradas, renascimento. Isto é Setembro, da Finlândia até Portugal. Um mês em que as gentes reformulam seu guarda-roupa, sua agenda, seu ritmo. Quem vive nos trópicos, como nós cariocas, sem estações marcadas e num eterno verão, não chega a passar por isto com tanta nitidez.

É um intrigante espetáculo de comunicação e simbiose entre homens e natureza, o vestir simultâneo de cores mais sóbrias, o amaciamento dos sons e das cores, o aguçamento dos sentidos, antes encandeados pela luz do Verão. Fascinante.


Oswaldo Pereira
Setembro 2014


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

DOMÍNIO PÚBLICO




Os eternos Shakespeare, Camões e Cervantes. Os brasileiros Machado, Alencar, Rui Barbosa, Euclides da Cunha, até João do Rio. Há franceses como Verne e Dumas Filho, alemães como Goethe. E muitos portugueses, desde Gil Vicente até Florbela Espanca. E, é claro, Eça e Pessoa.

São muitas, muitas obras, clássicos inteiros, contos, romances, peças, poesias. Uma rica biblioteca com quase 200 títulos, ali, à mão, ou melhor, ao clique, disponíveis. E grátis.

Trata-se do site DOMÍNIOPÚBLICO (www.dominiopublico.gov.br), que regala, para download sem custos, a fina flor da literatura ocidental, num arco de tempo que vem do século XVI até os dias de hoje. Uma bela iniciativa do Governo Brasileiro, uma das poucas flores num jardim estéril de ideias e compromissos em que se transformou a agenda cultural oficial em meu país.

Pois bem. Recebi de um grande amigo português a notícia de que esta pequena jóia está em vias de desaparecimento. Por DESUSO!

E então minha alma de leitor voraz foi ferida pelo desalento. Que o livro físico, aquele meu amigo fiel, aquele companheiro que sempre comigo compartilhou noites vazias, horas intermináveis na cabine escura dos vôos transatlânticos, que me sussurrou palavras e histórias em longas tardes preguiçosas estava em extinção, isto eu já pressentia. Eu mesmo já me decidira pela via digital para divulgar meus modestos escritos.

O presente e infausto aviso (que prontamente repassei para alguns correspondentes meus) é mais do que isto. Pode ser o prenúncio de que se aproxima a vitória final da famigerada literatura em pílulas, o estilo minimalístico gerado nas entranhas dos facebooks, twitters, whatsapps e descendentes que, certamente, irão perpetrar friamente o coup de grâce (golpe de misericórdia) nos textos que tenham mais do que algumas linhas.

Milagres da tecnologia, dirão alguns; maravilhas da indústria da comunicação, outros dirão. Ferramentas de uma nova era, em que gigantescas quantidades de informação têm de ser digeridas pelos neurônios em milissegundos, sob pena de o antenado webbrowser ficar por fora (oh!  anátema cruel...) do último viral, se perder minutos a mais com textos pródigos.

E, assim, frases pacientemente acumuladas por um escriba dedicado e sonhador para compartilhar ideias e histórias nascidas de sua imaginação, que porventura somarem mais do que dois ou três parágrafos, serão sumariamente fuziladas pela ação apressada da tecla delete...Há tempos, pressentindo o momento, escrevi um texto aqui neste blog a que intitulei NEO LITERATURA (http://obpereira.blogspot.pt/2013/11/neo-literatura.html).

Espero estar redondamente enganado. Apreciaria muito que a arte da escrita, e sua vital contrapartida, o prazer da leitura, não desaparecessem após a minha geração despedir-se deste mundo. E que um site tão precioso como DOMÍNIO PÚBLICO não acabasse por desuso...


Oswaldo Pereira
Setembro 2014

domingo, 14 de setembro de 2014

CALEIDOSCÓPIO BALCÂNICO





Uma região marcada pelo conflito. Durante boa parte parte do século passado, e até os primórdios do Terceiro Milênio, os Bálcans foram palco de intermináveis disputas políticas, religiosas e étnicas que sangraram suas belas montanhas, seus férteis campos, suas cidades cheias de história e seu povo. 

Só entre 1912 e 1913, foram duas guerras. Alianças instáveis entre sérvios, búlgaros, albaneses e romenos, sob a influência dos grandes impérios europeus de então, procuravam apropriar-se de pedaços do Império Otomano em vias de desintegração e oferecer proteção aos cristãos da Macedônia turca. Brigaram todos. O Tratado de Bucareste selou uma paz frouxa. Um ano depois, essa instabilidade acendeu o estopim da Primeira Guerra Mundial (mais detalhes, para quem ainda não leu, no meu post "Primeira Guerra Mundial - 100 anos").

Nas duas décadas seguintes, a região continuou fervendo seu caldeirão de discórdias, alimentado pelo inconformismo de expatriados apanhados no lado errado de divisões territoriais contrárias aos seus anseios nacionais, oportunisticamente aproveitado pelas crescentes ambições de comunistas e fascistas. A Segunda Grande Guerra transformou tudo numa enorme fogueira. Das cinzas, nasceu um país. A Iugoslávia, engendrada basicamente pelos partisans sérvios, cuja hegemonia na nova nação seria garantida pela mão férrea de Josep Broz Tito, sob o beneplácito e auspícios da União Soviética. 

Tudo começou a se dissolver em 1990. Com o estilhaçamento da Iugoslávia, a seguir à glasnost russa, abriu-se um baú de horrores. Em 1991, teve início a guerra da independência da Eslovênia; no mesmo ano, a Croácia foi pelo mesmo caminho e, no ano seguinte, a Bósnia. Até 2001, o mundo acompanhou, horrorizado, cenas de bombardeios implacáveis de populações civis, chacinas medonhas rotuladas de limpezas étnicas, o ressurgimento amargo de campos de lento extermínio. Desde 1945, a Europa não testemunhava acontecimentos tão degradantes em seu território. Cem mil mortos, centenas de milhares de refugiados, economias destroçadas, dor. Aos poucos, a ONU e outras agências foram costurando uma convivência possível mas, até agora, ainda se discute o futuro do Kosovo. De qualquer maneira, para quem hoje lá chega em visita, a sensação é de paz e segurança.

CROÁCIA
Segunda a terminar os combates, em 1995 (depois da Eslovênia), a Croácia teve tempo para empreender uma espetacular reconstrução. Endereço obrigatório para que adora praias de água cristalina, boa comida e cenários de sonho desde 1920, o país, depois da sua independência, investiu pesado no turismo, procurando apagar as marcas do passado recente de lutas. E o que se vê, desde a capital Zagreb até a charmosa e praieira Cavtat (mais ou menos 500 quilômetros de estrada, dos quais 300 margeando o Adriático), na ponta sul, é um constante apelo ao visitante para desfrutar suas vilas históricas, sua costa recortada, suas ilhas mágicas, marinas atulhadas de monumentais iates e veleiros, portos acolhendo oceanliners do tamanho de cidades e o verdeazul das águas. Os antigos romanos conheciam isto como Dalmácia e iam para lá no Verão com o mesmo fervor que hoje aportam alemães, austríacos e outros povos sedentos de sol.

ZAGREB: RUA TKALCICEVA (BAIRRO ANTIGO)
A meio caminho entre Zagreb e Zadar, onde se pega a costa, há o Parque Nacional de Plitviče, um conjunto de lagos, montanhas e cascatas, classificado como patrimônio universal pela UNESCO. É boa recomendação, mas não o suficiente para descrever a imensa beleza sagrada do lugar, com suas trilhas, suas corredeiras e remansos, transparentes e musicais.

PLITVICE: PARQUE NACIONAL
Ao chegar-se ao mar, vira-se para o sul, e aí uma sucessão de cidades históricas ameaça confundir o viajante desatento. São muitas. E é preciso anotar na memória, digital de preferência, experiências que atendem pelo nome de Šibenik, Primošten, Trogir, e manter bem guardadas as sensações de mergulho na Idade Média e na Renascença que as vielas estreitas, as igrejas, a pedra calcária das paredes, os campanários e o silêncio nos proporcionam. Em Split, o mergulho nos leva mais para trás, para o Império Romano, vibrante ainda no Palácio de Diocleciano onde, além das colunas e das esculturas, uma representação ao vivo ressuscita centuriões e tribunos.

ZADAR: FORUM ROMANO













TROGIR: TORRE DO RELÓGIO








SPLIT: PALÁCIO DE DIOCLECIANO



























DUBROVNIK

E aí, Dubrovnik. Cantada em prosa e verso por todas as publicações de viagens, esta Pérola do Adriático suplanta todas as expectativas. Tudo converge para a cidadela murada, um núcleo fundado no século VII e que ganhou status como poder naval, sob administração de Veneza, entre 1208 e 1358. Cidade livre, após este período, manteve sua importância até ser quase destruída por um terremoto em 1667. Recompôs-se. Foi bombardeada na guerra de 1991-1995. Recompôs-se de novo. E manteve-se como um dos mais conceituados exemplos de arquitetura de cidades intra-muros da Alta Idade Média. Tudo é para ser visto, em lenta caminhada pelas ruas, pelas escadinhas, pelos átrios, pelas muralhas, pelo cais. À noite, a magia aumenta, principalmente quando uma lua quase cheia prateia as ondas que batem nas pedras ao pé do Forte Lovrinejac. Para os aficionados da série Game of Thrones, só Dubrovnik poderia corporificar a mítica cidade de King’s Landing.

DUBROVNIK E A LUA


BÓSNIA HERZEGOVINA
A Croácia é solar; a Bósnia é sombria. Não no sentido sinistro do termo, mas na imagem de um povo mais introspectivo, cuja simpatia, embora presente, não é tão álacre e bem-humorada como a dos seus vizinhos.

A paisagem humana é marcadamente diversa, com fortes traços muçulmanos, já não tão eslava e nem tão ruidosa. Há silêncio e há minaretes em todas as vilas, cantos de muezins chamando à prece, bazares de arabescos e de memorabilia da guerra. Aqui, as cicatrizes estão mais abertas, senão na alma, pelo menos nas paredes esburacadas pelas balas, nos edifícios em ruínas que aqui e ali, mesmo na capital Sarajevo, ainda esperam pela pátina do esquecimento.
MOSTAR: PONTE VELHA



CEVAPCI
Mas há muito turismo, principalmente em enclaves históricos como a vila de Mostar, cujo nome advém da inversão das palavras stari most, que significam ponte antiga. E esta ponte, construída no século XVI pelos turcos sob as ordens de Suleiman, o Magnífico, é hoje considerada o melhor exemplo existente da engenharia medieval da época e ponto de visita obrigatório para quem vai da costa para o norte. Ao longo do rio Neretva, agradáveis restaurantes, de preços ainda mais agradáveis, oferecem iguarias regionais, como o ćevapci (carne moída prensada em rolinhos com um enorme pedaço de pão macio). E ótima cerveja.


MONTENEGRO


O nome é Crna Gora (literalmente, Negro Monte). E eles são, mesmo, imponentes, às vezes recortados contra o azul do céu, às vezes duplicados ao inverso nas águas mansas de algum lago. São 13 mil km² e cerca de 650 mil habitantes, um terreno montanhoso (et pour cause...) e uma costa salpicada de pequenas praias tranquilas. No século IX, príncipes eslavos reinaram por aqui, sendo absorvidos com o tempo pelo Império Bizantino. Turcos, e depois vênetos, dominaram a região até que sérvios e albaneses entrassem na disputa. Todas essas correntes culturais podem ser observadas em locais preservados, como a vila de Kotor, parada no tempo e na história.

KOTOR: CIDADE VELHA
















Assim são eles, os Bálcans. Cheios de luz, de sombras, de promessas e de lembranças. Um caldo cultural e humano. Um caleidoscópio. 


Oswaldo Pereira
Setembro 2014





domingo, 7 de setembro de 2014

PÁTRIA AMADA








Pátria amada, parabéns pelo teu aniversário.

Estou longe. Estive até mais longe nos passados dias, desbravando terras de civilizações distantes, até mais sofridas que tu, torturadas por dúvidas que, pela graça de Deus, não te afligem, embates de fés que clamaram por sangue, disputas cruéis que exigiram vidas, sonhos, futuros. Hoje, elas reprimem a dor das lembranças num sorriso triste, abrindo seu coração e suas ruas de paredes crivadas de cicatrizes.

Estou longe, mas pelo menos agora de volta ao teu pai, este Portugal meu avô de cujas praias se pode ver a História e a epopeia das aguerridas naus que te foram descobrir. E gerou o príncipe que te deu identidade e bandeira, nas margens de um riacho plácido, hoje sucumbido pela tua desatenção. 

Sempre gostei desta data. Sete de setembro, o meu número cabalístico repetido num prenúncio de Primavera, fanfarras militares, revoadas de pombos, pavilhões verde-amarelos oferecidos ao vento de céus sem nuvens. Desta vez, entretanto, estou inquieto. O Hino ecoa festivo, mas seu som soa pressago.

Acontece, pátria amada, que a encruzilhada se aproxima. Estás a dias de uma eleição que selará teu destino por mais meia década, definirá o semblante com que vais encarar teu povo e o mundo pelos próximos cinco anos. Se escolheres o que aí está, estarás dizendo que te sentes contente e feliz, ou pelo menos, que ninguém pode fazer melhor do que os que hoje te governam. Cautela, porém. Este aval poderá significar a chancela definitiva para o estabelecimento de uma autocracia cujos tentáculos abraçarão por muitos anos os pilares da tua novel democracia.

Se escolheres a alternativa, apostas em alguém que promete desmantelar a máquina, espanar as teias, desinfetar as vielas do poder, redirecionar os meios, redefinir os fins. Como tens o amargo na boca de esperanças que viraram quimeras no passado, será preciso ter fé.

Estive contigo na queda do Estado Novo, no suicídio de Getúlio, no país “bossa nova” de Juscelino, na primeira miragem de Jânio, no Parlamentarismo, na Redentora, nas “diretas já”, na segunda miragem de Collor, no Plano Real, na festa de Lula. Vi muito. Senti, como todos, o sebastianismo de que tudo iria melhorar à frente, na próxima virada da esquina, no futuro que sempre seria nosso.

Foi Geraldo Vandré, arauto dos que hoje te comandam, quem disse. Esperar não é saber. É hora de decidires. Tens a chave do voto nas mãos para abrires uma ou outra porta.

Rezo por ti, pátria amada.


Oswaldo Pereira
Setembro 2014