Na parede da varanda da
casa de meus pais, havia um pequeno quadro. Era diferente de todos os outros,
porque, no lugar de uma pintura ou uma aquarela, tinha a metade de um copo de
couro em alto relevo, do qual dois dados, também em relevo, projetavam-se para
fora, como se tivessem sido arremessados no ato de jogar. Logo abaixo, havia uma inscrição.
La
vida es como los dados. Tiene sus puntos marcados.
Como, durante anos, vi
esta frase praticamente todos os dias, nunca cheguei a me demorar sobre seu
significado. Para mim, que com ela convivi desde criança até deixar a casa
paterna aos vinte e três anos, era uma simples peça de decoração.
Agora que tenho muito
mais passado que futuro, me pego a olhar para trás com frequência. E, acreditem
ou não aqueles que ainda não chegaram neste ponto, com o maravilhoso sentido de
perspectiva que a simples acumulação de várias décadas confere aos mais velhos.
Esta “visão de cima”, talvez o mais precioso componente do que os americanos
chamam de grey power, ou o poder dos
grisalhos, nos dá a acuidade visual de poder entender o que, na vida, é
importante e o que é supérfluo, embora este “presente” só nos seja regalado
quando já pouco podemos fazer para
reparar erros passados. Mas, se aceitarmos que esses erros foram exatamente as
pedras que construíram a “torre” de onde agora contemplamos o mundo, a
perspectiva fica ainda mais nítida.
E aí, surge novamente a
frase do pequeno quadro.
“A
vida é como os dados; tem os seus pontos marcados...”
Será?
Ao primeiro exame, parece uma
afirmativa fatalista. Ou seja, a vida é aquilo que a fortuna (na falta de outro
deus) nos reserva. Maktub. Assim
estava escrito. A linha é traçada antes
de nascermos e dela não podemos fugir. Os pontos dos dados são aqueles e, por
mais que queiramos driblar a sorte, o resultado não muda e o que determinam
será o nosso caminho entre os dois invólucros que marcam os nossos extremos. O
útero e o túmulo.
Mas, se olharmos bem para o quadrinho, ele não torna implícito que o resultado daquela virada do copo é o único. A vida, como os dados, pode ter seus números estampados em cada uma de suas faces mas a combinação que fica na parte virada para cima pode mudar cada vez que o copo os arremessa na mesa do destino. Viver seria então uma sucessão de jogadas, uma série de apostas, um contínuo girar da roleta, um novo embaralhar de cartas a cada momento, no qual, nós, os jogadores, teríamos a oportunidade de mudar o jogo.
O que vi, e posso
contar, é que às vezes parece uma coisa, às vezes outra. Há épocas em que o
inevitável nos torna impotentes, em que tudo parece ter sido engendrado por uma
divindade imutável e imune às nossas esperanças ou ao nosso desespero. Há
outras em que o comando parece estar na nossa mão, em que capitaneamos o barco
com a certeza e a liberdade dos iluminados, dos invencíveis e dos eternos.
Se sei a resposta?
Talvez. Mas é provável que ela sirva só para mim, pois é fruto das minhas
vivências e andanças. E, se a compartilhar, talvez estrague a chance que cada um
tem de decifrar por si só o mistério da vida e dos dados.
Oswaldo Pereira
Abril 2013
Eu fico mais com o NÃO Compartilhar. O desafio é a nossa chance de decifrarmos nossos mistérios da vida e dos dados por nós mesmos. E para isso contamos com a ajuda natural do grey power.
ResponderExcluirEsta ideia que você expõe é um tanto fatalista. Não é possível que o futuro seja imutável. E o livre arbítrio (princípio bíblico) como fica? Para mim, o passado é imutável (não há mais como alterá-lo), o presente às vezes nos atropela, mas o futuro, na maior parte das vezes, depende do que estamos a construir hoje. Há vários futuros possíveis, depende da nossa escolha e de como trabalharmos para realizá-la.
ResponderExcluirPrezado Primo Oswaldo,
ResponderExcluir"Aceitar que os erros foram exatamente as pedras que construiram a torre de onde agora contemplamos o mundo".
Bela oração! Gostei e será mais uma que manterei viva ma memória, para ajudar a espaventar os denômios que são os desatinos cometidos no passado, que tanto insistem em amargar o presente.
Geraldo
Os demônios do passado tem de ser enterrados. Conviva apenas com os anjos...
ExcluirProcuro não pensar que 'estava escrito", isso nos confinaria à paralização, nada mais a fazer. Tento lutar, não muito, para o que meu querer se realize. Mas, não podemos traçar nossa estrada, sempre haverá um impecilho que,devemos tentar tirá-lo da frente.
ResponderExcluirEnfim, o otimismo nos ajuda a viver e muitas vezes conseguimos realizar nossas vontades, penso, graças a ele.
Abraço,
Cleusa.