NOVO MARACANÃ |
O estádio ficou pronto. Custou quase 860 milhões de reais, depois de dois anos e oito meses de obras. A antiga marquise de 30 metros, no século passado orgulho da arquitetura nacional, foi substituída por outra com mais do dobro. Agora, há camarotes suntuosos, 60 bares, 231 banheiros, 16 elevadores, 4 telões de 100 metros quadrados, lugares para quase 79.000 pessoas. É o novo Maracanã.
Maracanã...
MARACANÃ EM 1950 |
Quando entrei nele pela
primeira vez, em 24 de junho de 1950, a capacidade estimada beirava os 200.000
espectadores. Era a abertura da IV Copa do Mundo, sem a pompa e circunstância
dos eventos de agora. Entenda-se. A Segunda Guerra Mundial acabara há apenas
quatro anos. A maioria dos países europeus e várias nações asiáticas ainda
lutavam para sair dos escombros. Por isso mesmo, a FIFA aceitara a proposta
brasileira para sediar o certame, adiado por duas vezes (em 1942 e 1946) devido
ao conflito.
Não houve
eliminatórias. Os países haviam sido convidados, quase convencidos, a
participar e, mesmo assim, muitos tinham declinado. Índia e Turquia desistiram
logo. Seus apontados substitutos, França e Portugal, também. Os ingleses, entretanto, depois de esnobar as Copas anteriores, por se
considerarem os reis do esporte (bretão, como
muitos locutores ainda o chamam) e autossuficientes em sua prática, resolveram
comparecer. E serem protagonistas de um dos maiores vexames da história do
futebol, ao perderem para uma equipe amadora dos Estados Unidos por um a zero. Enfim,
foi uma Copa diferente. Em tudo. Assim,
nenhuma cerimônia precedeu aquela partida inaugural, Brasil e México.
Mas, para o garoto de
nove anos que eu era, a entrada no estádio foi uma das maiores sensações que
vivi. Para começo de conversa, meu pai
comprara duas “cadeiras perpétuas” (gimmick
de venda, que prometia a posse definitiva do lugar) no anel superior, bem
ao lado da Tribuna de Honra. Para mim, que estava acostumado a ver as partidas
quase à beira do gramado, na Gávea, em Álvaro Chaves, a repentina visão do
campo lá em baixo deu-me uma suave
tontura e a impressão de que eu “voava” sobre o gramado. Inesquecível.
O Maracanã estava
“pronto”. Com aspas, é claro, pois a infra estrutura era mínima e o conforto
precário. Mas, quem ligava para isto em 1950? O orgulho de sediar um evento de
prestígio internacional perdoava tudo, numa nação ainda no andar debaixo do
mundo civilizado.
O Brasil venceu, fácil.
Quatro a zero. E dava início à indescritível euforia que envolveu o país inteiro
e culminou na apoteótica vitória sobre a Espanha (considerada o melhor time
europeu), em que 165.000 torcedores acenaram lenços brancos e cantaram a
marchinha de carnaval “Touradas em Madri”. Seis a um! Como, pela única vez na
história do certame, o título seria decidido num torneio quadrangular, a
acachapante vitória dava ao Brasil a vantagem do empate na última partida
contra o Uruguai. Era bom demais.
Quem se lembra, sabe.
Às 16:50 de 16 de julho, o silêncio fantasmagórico de duzentas mil pessoas
deixando o estádio ensurdecia a alma brasileira com a maior de decepção sofrida
por este povo. Quem não estava lá vai achar que eu estou exagerando. “Afinal, é
só um jogo de futebol”, dirão. Não é. Não foi.
Pensem num tempo em que
pouco havia para nos servir de referência como conquistas internacionais. Nossa
pauta de exportações era uma monocultura, nossa indústria apenas nascera em
Volta Redonda, nossa única imagem musical lá fora era uma madeirense que usava
um turbante com bananas. Brazil era
somente um endereço de turismo exótico onde o sol brilhava perene nas calçadas
onduladas de Copacabana. De repente, o futebol nos iria resgatar.
Logo após a derrota, a
caça aos culpados começou. Falou-se em excesso de confiança, celebrações antes
da hora na véspera do jogo que haviam desconcentrado os jogadores, até numa
missa antes da partida que os obrigara a ficar duas horas em pé. Mas, foi
dentro do campo que o povo elegeu seus réus. Um foi João Ferreira, o Bigode, lateral do Fluminense, que
supostamente teria se acovardado perante Obdúlio Varela, o capitão da equipe
uruguaia. O outro foi Moacyr Barbosa, goleiro do Vasco. Afinal, a bola passara
nos dois palmos que estavam entre ele e a trave esquerda, no que se podia
classificar como uma lamentável falha, para não dizer um terrível “frango”.
Sobre este lance, há um
curta metragem maravilhoso, filmado em 1988 e dirigido por Ana Luiza Azevedo e
Jorge Furtado, com roteiro adaptado dos dois e mais Giba Assis Brasil. Naquele
ano, ganhou os prêmios de melhor filme de ficção no Festival de Havana e de
melhor edição em Gramado e tem como ator principal Antonio Fagundes. Vale a
pena ver, para compreender do que estou falando.
Oswaldo Pereira
Abril 2013