terça-feira, 30 de novembro de 2021

PASSEIO NO PASSADO

 




O passado, para quem tem mais de 80 anos, é enorme. À medida que o futuro mingua, os anos se acumulam para trás, com todas as lembranças que, com sorte, conseguimos reter. E nos praz acariciar, no tempo que parece infindável neste dia-a-dia que escorre lânguido (já diziam que, na velhice, os dias passam devagar e os anos voando...), algumas memórias, estórias e momentos vividos.

Às vezes, alguns acontecimentos servem para reaviva-los, retira-los dos baús em que dormem nos sótãos de nossos neurônios, e espana-los. Quando isto acontece, o brilho original de alguma imagem ou de alguma sensação, há muito coberta pela poeira do abandono, renasce colorido e vibrante, quase novinho em folha.

Foi o que ocorreu há dias comigo. Como muitos de vocês já sabem, sou um inveterado leitor. Tenho sempre um livro a ler e, nos raros períodos de entressafra literária, sinto as melancolias da privação, como qualquer viciado afastado de seu vício. Pedindo perdão pela “americanada”, considero-me um juramentado bookaddict.

Assim, nunca passo por uma livraria impunemente. Um poderoso magneto me empurra para dentro, e ali sou capaz de passar largos momentos, a olhar as capas, a manusear as páginas, a sorver com volúpia as promessas dos textos e de suas revelações. E foi numa dessas que me deparei com um livro de Arsène Lupin.

Para os menores de 70 anos, talvez a única referência trazida pelo nome seja a série Lupin, lançada pela Netflix no ano passado. Mas, para os maiores...

Arsène Lupin foi uma criação do escritor francês Maurice Leblanc. Sua primeira aventura (A Detenção de Arsène Lupin) foi publicada na forma conto pela revista Je Sais Tout (o correspondente almanaque brasileiro Eu Sei Tudo foi um ícone de sua época), em julho de 1905. Daí até sua morte em 1941, Leblanc escreveria 18 romances, 39 novelas e 5 peças de teatro sobre o seu personagem.

A coleção dos livros de Maurice Leblanc foi devorada pelos adolescentes do meu tempo. Lupin era o arquétipo do gentleman cabrioleur, o ladrão cavalheiro, e sua insuperável capacidade para disfarces, sua superior inteligência e sagacidade e sua aptidão para resolver enigmas, praticar roubos espetaculares e fazer os delegados da Sûreté, a polícia francesa, de idiotas nos traziam em aguçado deleite.

Em tempo: dizem que Leblanc criou Lupin para espicaçar os ingleses, dentro da velha rivalidade gálico-saxã, que tinham como herói Sherlock Holmes. Um de seus livros, inclusive, trata de um confronto direto entre o ladrão francês e o detetive britânico. O título, dada reação irada de Sir Arthur Conan Doyle ao ver o nome de sua criação usado pelo rival, foi mudado por Leblanc para “Arsène Lupin contra Herlock Sholmes”...

O livro com que me deparei, e que me abriu um portal para o passado, foi La Barre-y-Va, um dos últimos escritos por Maurice Leblanc. Lê-lo foi como voltar a passear pelos caminhos em que trilhei, deslumbrado e aventureiro, os meus anos da adolescência.

Oswaldo Pereira

Novembro 2021

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

BOND 60: À PROCURA DE BOND

 


Tudo ou Nada.

Este foi o nome dado (Everything Or Nothing - EON) por dois pequenos produtores cinematográficos, em 1961, à empresa que haviam acabado de formar. Tanto o canadense Harry Saltzman como o americano Albert Broccoli tinham uma ideia comum – adquirir os direitos de filmagem dos livros do inglês Ian Fleming, cujo sucesso como autor fora catapultado às estrelas após a revista LIFE ter revelado From Russia With Love como uma das preferências literárias de John Kennedy.

Apesar da imediata e imensa publicidade em torno da obra de Fleming e da elevação de seus thrillers à categoria de best-sellers, a iniciativa de leva-los às telas ainda era considerada uma hipótese arriscada. E não seria a primeira. Em outubro de 1954, a rede televisiva americana CBS havia inserido, em seu programa semanal Climax!, um capítulo com a versão para a telinha de Casino Royale. O curta, com Barry Nelson no papel de Bond e Peter Lorre como Le Chiffre, não suscitou muita agitação e, visto com os olhos de hoje, é simplesmente caricato.

Quem quiser dar uma conferida, é só clicar neste LINK

Mas, a recém criada EON Productions Ltd, fazendo jus a seu nome, estava decidida a apostar. Com os direitos finalmente adquiridos, o que tinham de resolver era qual dos títulos de Fleming iria primeiro para os cinemas. Como Casino Royale, o livro inicial da lista, já fizera sua aparição na TV, Dr No foi o escolhido, por ter uma trama instigante e, em princípio, ser mais fácil e menos dispendioso para filmar. Tudo estava pronto para dar início à mais longeva e financeiramente exitosa franquia cinematográfica de todos os tempos. E a criação de um dos dois ícones britânicos que iriam marcar a segunda metade do século XX. O outro seriam os Beatles.

Faltava agora encontrar Bond.

O favorito de Harry Saltzman para o papel era o ator britânico Cary Grant. Havia, entretanto, dois impedimentos. Grant só se comprometia com um filme; e Fleming, caracteristicamente participando ativamente da escolha, era contra. Grant era Grant em todos os filmes que fazia e o escritor queria alguém que não eclipsasse o personagem. E ele já tinha definido com precisão o tipo físico de seu herói: esguio, olhos azuis acinzentados, cabelos curtos e negros, uma boca “cruel” até ao detalhe de uma cicatriz de 7,6 cm em sua face direita. Admitindo posteriormente que compusera Bond a partir de um amálgama de todos os agentes secretos e comandos que conhecera durante a Segunda Guerra Mundial, Fleming até desenhara o seu rosto para servir de guia à procura. Além disso, em alguns trechos de seus livros, Bond era fisicamente comparado a Hoagy Carmichael, um famoso compositor americano (só para referência, Carmichael foi um dos compositores de “Stardust”, um dos grandes sucessos da década de 1940).

JAMES BOND: DESENHO DE IAN FLEMING





HOAGY CARMICHAEL

Broccoli, Saltzman e Fleming chegaram até a promover um concurso. O vencedor foi um modelo de 28 anos, chamado Peter Anthony. Infelizmente, Anthony não tinha jeito para representar. Continuaram a procura até convidarem um ator com experiência de teatro e cinema, mas pouco conhecido. Em 1962, o escocês Thomas Sean Connery fizera teatro e papéis subalternos no cinema, como por exemplo, o de um soldado trapalhão em The Longest Day (O Dia Mais Longo).

Connery compareceu à entrevista vestido com desalinho e com a barba por fazer, tipo seja o que Deus quiser. Mas acertou em cheio no tipo macho que estava na cabeça dos entrevistadores. Ao vê-lo caminhar para o seu carro, ao final do encontro, Saltzman comentou: look how he moves (veja como ele se move).  Os outros dois concordaram.

Pronto. Haviam encontrado Bond.

(continua)

Oswaldo Pereira

Novembro 2021

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

NOVO LIVRO



Neste livro, há contos de vários tamanhos. Uns são íntimos, outros expansivos. Há aqueles para serem lidos em voz baixa, à luz de um abajur mortiço num dia cinzento. Há os que exigem uma janela aberta para um poente sinfônico como cenário de fundo. Alguns falam do passado; alguns imaginam um futuro.

Cotidiano, esperança, descoberta, história, amor e saudade são temas que os povoam. Há até os que viraram peças de teatro. Um exemplo de imaginação à solta, que certamente irá divertir e provocar o leitor.

Este é o texto que ocupa a contracapa do meu novo livro “O POVOADOR E OUTROS CONTOS”, lançado agora pela Editora Autografia.

O livro é uma coletânea de vários contos que fui escrevendo ao longo do tempo e que chegaram a ser esparsamente divulgados por e-mail, numa prisca era anterior ao advento do Facebook e do WhatsApp.

Apreciaria imensamente que o conhecessem e o divulgassem. Meus personagens torcem por isso. Afinal, eles só viverão se forem lidos e corporificados na mente do leitor. E, se eles assim viverem, gratificado ficarei eu por tê-los criado.

Como dica final de marketing, o Natal se aproxima e, para muitos, um livro é uma companhia querida e um presente gentil.

Estes são os links para compra. É só clicar em cima.

Editora Autografia

Em breve, o livro estará também na FNAC.

 

Oswaldo Pereira

Novembro 2021

domingo, 7 de novembro de 2021

ROUND 6

 


O roteirista e diretor de cinema coreano Hwang Dong-hyuk teve sua ideia recusada por 10 anos. Produtores e atores simplesmente não se deixavam empolgar por ela e, mesmo obtendo sucesso como realizador do filme policial Silenced em 2011, sua criação ficou engavetada uma década.

Mas, aí chegou a Netflix. Ainda sem acreditar muito no projeto, o canal gigante resolveu apostar numa estranha história que misturava brincadeiras infantis com uma alegoria violenta sobre a condição humana e sua brutal face quando levada a limites extremos.  

O sucesso foi (e está sendo) retumbante. Com um retorno, até agora, na ordem de quase US$900 milhões, a série já é a maior contribuição para os cofres da provedora com sede na Califórnia e que atualmente possui mais de 280 milhões de assinantes.

Como nada é totalmente perfeito, Round 6 (ou melhor, Squid Game) vem recebendo duras críticas de associações parentais, que acusam a série de exercer perigosa influência sobre os jovens, incentivando-os a replicar em seus ambientes escolares as mesmas regras cruéis da ficção trágica.

Acabei de assistir aos 9 capítulos que compõem a temporada.  

Há, claro, violência explícita, tiros para todo o lado e muito sangue. Mas, nada muito mais do que eu tenho observado em dezenas de filmes e streamers televisivos policiais, de terror ou até em uma grande quantidade de joguinhos RPG à disposição da garotada.

Talvez o diferencial venha da associação da trama sanguinária a brincadeiras infantis. Mas, batatinha 1-2-3, bolas de gude e cabo de guerra, por exemplo, tiveram seu tempo numa juventude de um século atrás e, hoje, já saíram das práticas recreativas do jardim de infância e do primário. Pode ser que,  na Coreia, elas ainda carreguem seu impacto, como a modalidade que dá nome à série – O Jogo da Lula.

O que define Squid Game, entretanto, é a análise crua que faz do comportamento humano diante de seu mais crucial desafio – a sobrevivência. O teste de moralidade permeia todos os capítulos, exacerbando-se em função de uma equação que envolve algumas centenas de indivíduos falidos, endividados e transformados em párias da sociedade competitiva numa luta por um prêmio milionário, com apenas duas opções: o dinheiro ou a morte.

Outro ponto cardeal do trabalho de Dong-hyuk é o tratamento visual dado à trama. Cores, cenários, mis-en-scènes e planos fazem um contraponto instigante à rotina de massacre e à aridez de sentimentos dos algozes encapuzados. Tudo parece lúdico demais, ao lado de uma frieza assassina.

Mas, parece que foram estes mesmos ingredientes que determinaram o sucesso planetário de Squid Game. E a insana dedicação do seu roteirista-diretor durante as filmagens. Perfeccionista e obstinado, Dong-hyuk acabou sofrendo vários períodos de depressão enquanto a série era gravada, o que lhe acarretou a perda de seis dentes. Isto, e o fato de que ele próprio, dadas as condições contratuais com a Netflix, pouco lucrou, fazem com que a existência de uma segunda temporada esteja em avaliação.

Para nós, ocidentais, várias coisas chamam a atenção. Nomes, usos e costumes pouco têm referência com os nossos. Sae-byeok, por exemplo, nome de uma das personagens, é considerado lindo (!?). Vários jogos, como o ddjaki, que consiste em atirar um envelope sobre outro colocado no chão, com o objetivo de virá-lo, e que poderia trazer reminiscências do patrício bater figurinhas (ó galera menor de 60 anos – pesquisem...), não encontram referências tupiniquins. A própria brincadeira que batiza a série não é conhecida aqui. Dizem que isto fez com que o título no Brasil tenha sido mudado para Round 6, já que a mortal competição tem seis etapas. Mas, só aqui a série tem este nome. No resto do mundo, ela é Squid Game, Jogo da Lula. Será que houve alguma razão política?...

Não sei se a tchurma mais velha vai gostar do tema e da qualidade interpretativa dos coreanos. Há uma coleção de expressões corporais e faciais que vão levantar muitas sobrancelhas. Mas, não é bem por aí. O grande mérito de Round 6 é a mensagem que traz sobre quão frágeis são os nossos cultuados conceitos de solidariedade e amor ao próximo.

Oswaldo Pereira

Novembro 2021