domingo, 31 de outubro de 2021

BOND 60: O ORNITÓLOGO E O ESCRITOR

 


O livro “Birds of the West Indies” (Pássaros das Índias Ocidentais) foi escrito em 1936 por um ornitólogo americano e teve 11 edições. Seu autor era um reconhecido expert no assunto, cujo interesse pelas aves começara cedo, ainda adolescente, quando acompanhou o pai em uma excursão ao delta do rio Orinoco e ao Amazonas. Especializando-se no estudo dos pássaros da região caribenha, acabou por tornar-se referência, vindo a ocupar o cargo de curador de ornitologia da Academia de Ciências da Filadélfia. E, fora do estreito campo de sua especialidade, certamente teria ele passado despercebido pela cena mundial, não fosse por um pequeno detalhe. Ele se chamava James Bond.

Em fevereiro de 1952, um ex-integrante dos serviços de inteligência da Marinha inglesa finalmente conseguira as condições ideais que o propiciavam exercer seu mais dileto passatempo. Num regime de trabalho junto ao jornal Sunday Times, que lhe permitia tirar regularmente os meses de janeiro a março de férias, ele começou a escrever. O tema de seu primeiro romance alicerçava-se na figura de um agente britânico, cuja imagem e peripécias eram inspiradas por sua própria e extraordinária carreira militar durante a Segunda Guerra Mundial.

Com a persona de seu herói firmemente delineada, só faltava um nome que, segundo sua concepção, deveria ser as ordinary as possible (o mais comum possível). Foi quando o livro de Bond caiu-lhe nas mãos. Estava resolvido.

James Bond e Ian Fleming encontraram-se apenas uma vez, em 1964, pouco antes da morte deste último. O ornitólogo sempre achou graça em ver seu nome transformar-se numa celebridade. Nessa visita, Fleming presenteou-o com um exemplar de You Only Live Twice e a seguinte dedicatória: To the real James Bond, from the thief of his identity (Ao verdadeiro James Bond, do ladrão de sua identidade). Em 2008, muitos anos após a morte de ambos, esse exemplar foi leiloado por US$ 86 mil.

O livro que Fleming iniciara em fevereiro de 1952, Casino Royale, foi publicado no ano seguinte, muito por influência de seu irmão mais velho, Peter Fleming, um já reconhecido escritor de livros de viagens, junto aos editores. E teve um sucesso relativo, acabando por receber 3 edições. Animado, Fleming seguiu em frente. Entre 1953 e 1966, foram 14 histórias do personagem, a saber:

Casino Royale 1953

Live and Let Die 1954

Moonraker 1955

Diamonds Are Forever 1956

From Russia With Love 1957

Dr. No 1958

Goldfinger 1959

For Your Eyes Only 1960

Thunderball 1961

The Spy Who Loved Me 1962

On Her Majesty’s Secret Service 1963

You Only Live Twice 1964

E, publicados postumamente

Goldeneye 1965

Octopussy/The Living Daylights 1966

Até 1961, os livros vendiam bem, mas sem qualquer grande projeção e longe de serem best-sellers. Mas, a inescrutável mão do destino ia tudo mudar. Em março daquele ano, a revista LIFE teve como tema central uma entrevista com o então Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. Perguntado sobre suas preferências literárias, Kennedy declarou que lera recentemente um ótimo thiller, intitulado From Russia With Love.

Pronto.

Estávamos em plena Guerra Fria, e o gênero spy novels, antes desprezado pelos puristas, estava explodindo. Foi instantâneo. Ian Fleming chegava ao olimpo.

Do olimpo a Hollywood, foi um pulo. Em 1962, a dupla de produtores Harry Saltzman e Albert Broccoli resolvera surfar a onda dos filmes de espionagem e contatou Fleming. Ia começar a mais longa e exitosa série cinematográfica de todos os tempos.

(Continua)

Oswaldo Pereira

Outubro 2021

Nota: Este é o primeiro texto, de uma série que, para horror de alguns dos meus abnegados leitores, pretendo escrever sobre a filmografia de James Bond, neste ano em que a franquia chega aos 60 anos. God help us...

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

O VIOLENTO PITECANTROPO

 


Há dias, perguntaram-me o que achava eu da situação atual da humanidade, no que se referia ao grau de polarização do momento. Logo eu? ... pensei, um pouco surpreso com o pedido, formulado por jovens confiantes na premissa arriscada de que, por ser velho, eu pudesse ter algo de interessante, esclarecedor ou, até, profundamente filosófico a declarar.

Ledo engano.

A idade confere muita coisa. Um certo distanciamento crítico, um saudável arrefecimento de arroubos e paixões, uma visão mais larga em termos de perspectivas e horizontes. É até uma contrapartida razoável que a Natureza nos dá para compensar os achaques e as limitações físicas da velhice.

Mas não nos regala automaticamente com a onisciência, a prerrogativa da verdade insofismável, com as certezas absolutas. Ao tentar responder à tal pergunta, vi que a única coisa que tinha a oferecer era uma coletânea de imagens que havia acumulado pela vida afora, todas elas criadas, interpretadas e coloridas pelo photoshop das minhas próprias convicções, dos meus conceitos individuais e, por que não, até do meu DNA.

E o que me resultou como resposta foi o seguinte.

Em primeiro lugar, Humanidade é um termo perigoso. E pouco acurado. O que há são miríades de sociedades, cada uma com seus códigos, suas necessidades, suas expectativas, seus medos e suas esperanças. Comportamentos são classificados de acordo com suas próprias religiões, seus credos, suas normas e suas tradições. Por mais globalizados que formos, nunca existirá a Terra igual.

Por outro lado, não me parece que estamos mais polarizados que antes, só porque o Face, o Twitter e que tais canalizam a bílis raivosa de muita gente. Divergências de opiniões sempre existiram. Há menos de cem anos, estávamos imersos numa guerra mundial. Quer mais polarização do que isto?

A realidade é que o pithecanthropus erectus é um animal violento. Dez mil anos de uma pátina de civilidade ainda não conseguiram apagar a informação original. Somos antagonistas e pronto. Então, não está escrito que Caim matou Abel? Logo na segunda geração bíblica, o pau comeu. E eram irmãos...

Não sei se isto satisfez os meus jovens perguntadores. Nem se suscitará alguma reação dos meus abnegados leitores. Mas, era o que tinha a compartilhar, depois de décadas amealhando conhecimentos e lições, um pouco aqui, um pouco lá e de tentar entender o que é esta esfera azul em que estamos.

Oswaldo Pereira

Outubro 2021

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

(SEM) TEMPO PARA MORRER

 


ATENÇÃO: Este texto não contem estragantes (spoilers é o cacete...)

Não é o melhor da série. Prá já, do alto da minha autoproclamada cultura bondiana, posso citar outros melhores. On Her Majesty´s Secret Service, por exemplo. Ou Goldfinger. Ou, ainda, o extraordinário Skyfall. Mais pegada, mais malvadeza explícita dos vilões, mais epopeia. Mas, sem dívida, este longamente esperado No Time To Die não chega a decepcionar. Lá estão todos os ingredientes, todo o ritmo ritual, todo o cenário suntuoso, as frases e os gadgets, as tramas de fim do mundo e os diálogos velozes, tudo o que compõe esta fórmula vencedora que está prestes a comemorar 60 anos.

Mas, e principalmente, o que marcará este último filme da franquia é o definitivo descolamento da figura de seu protagonista do padrão de dureza e insensibilidade que estava em sua gênese. Ian Fleming moldou Bond um pouco em cima de sua própria persona de ex-agente e muito em cima dos ideais de masculinidade vigentes das décadas de 1950 e 1960.  Uma mescla idealizada de rudeza e charme, ou de humor cáustico com truculência classuda.

O inexpugnável 007 de outras eras, em No Time To Die tornou-se humano, tem dúvidas e dores. Está sofrido e vulnerável. E apaixonado. E isto também se encaixa como uma luva na despedida de Daniel Craig do papel. Alvo de ferrenha desconfiança quando foi escolhido para o rôle em 2006 (como tinha cabelos claros, ganhou de caras a alcunha de James Blond), o ator britânico logo dissipou as desconfianças com uma convincente atuação em Casino Royale.

A partir daí, imprimiu sua marca ao papel. Hermético e caracteristicamente down to business, contrastava com a sofisticação elegante de Pierce Brosnan, seu antecessor. Aos poucos, entretanto, toda a aparente insensibilidade da interpretação foi abrindo brechas e um 007 se entregando a românticos anseios com as anteriormente descartáveis bond girls mudou o quadro.

Craig deixa o papel depois de 15 anos e cinco prestações, com um saldo altamente positivo. Aos 53, passa a batuta bem mais em forma fisicamente do que Connery ou Moore, já meio “pesadões” ao se despedirem do posto.

Voltando a No Time To Die, o filme certamente será lembrado por várias coisas, umas que fazem parte do enredo e outras determinadas pelo acaso. Dada a pandemia, que atrasou a sua estreia por quase dois anos, o intervalo entre lançamentos da franquia foi o maior até agora (6 anos). Várias cenas, inclusive, e por exigência de patrocinadores, tiveram de ser refilmadas para substituir gadgets cuja tecnologia havia sido ultrapassada. Além disso, com uma pauta de gastos em torno de US$900 milhões, é o mais caro Bond de sempre.

Mas, mais importantes são as novidades da trama. É claro que não vou adiantar nada aqui, mas há coisas preciosas (para os aficionados, evidentemente) como as citações. Há as explícitas, principalmente aquela a On Her Majesty’s Secret Service e sua belíssima canção tema (We Have All The Time In The World, na magistral e inesquecível interpretação de Louis Armstrong), e outra, na vinheta de apresentação, a Dr. No.  Outras vão exigir um olhar mais atento do espectador mais iniciado. E uma grata surpresa, como Ana de Armas, irrepreensível na pele de uma agente da CIA.

Resumindo, vale a pena ver. Apenas recomendo que, antes, assista novamente a Spectre, o filme anterior, que funciona como um primeiro capítulo, já que as histórias estão interligadas.

Lembrando. No dia cinco de outubro de 1962, estreava em Londres a primeira produção da série (por coincidência, no mesmo dia foi lançado o primeiro single dos Beatles...). Assim, entramos no sexagésimo ano de vida da mais longeva sequência cinematográfica de um personagem de ficção. Uma proposta bem sucedida, sem dúvida.

Se eu tiver tempo, e os meus abnegados leitores uma extraordinária dose de paciência, proponho-me resenhar, ao longo dos próximos 12 meses, os 25 filmes. Seja o que Deus quiser...

Oswaldo Pereira

Outubro 2021

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

O APAGÃO

 


Que susto...

De repente, uma sensação enjoada de desamparo. Face, Insta e Zap fora do ar! E agora, José?

Esta é a medida da nossa dependência. Coisas que a civilização e o progresso nos foram envolvendo, desde que um troglodita, há 200.000 anos, descobriu a capacidade de duas pedras lascadas, friccionadas rapidamente uma na outra, produzirem fagulhas suficientes para atear fogo num montinho de palha seca. Bingo! A caverna ia ficar agora iluminada e quente. Desde que o estoque de pedra lascada não acabasse...

O internacional apagão de segunda-feira lembrou-me de uma crônica que escrevi neste blog há algum tempo e que fica disponível para quem quiser lê-lo neste LINK. Perca um pouquinho só do seu tempo e confira. Parece-se muito com o soluço das redes do início da semana.

Acostumamo-nos a encarar cada vez mais algumas coisas como certas. Take for granted, como dizem os ingleses. Tudo aquilo que nos traz conforto, bem-estar, prazer e diversão nos faz ficar mais amolecidos e viciados na facilidade, no pronto atendimento de vontades, no gozo de um desejo rapidamente corporificado, a felicidade ao alcance de um controle remoto, de uma internet com sinal potente, da proximidade das redes sociais. Fomos incorporando ao nosso sentido de vida, alegres e deliciosamente maravilhados, os casulos macios que nos estão tornando perigosamente mal acostumados e dependentes. Tempos atrás, minha neta americana de 18 anos indagou perplexa como era possível termos sobrevivido sem o celular...

Mas, fica quase impossível deter a contínua aceleração das tecnologias. E, mesmo que pudéssemos freá-la, quem se disporia a fazê-lo? Já pensou eu ter de escrever este texto à mão, copiá-lo dezenas de vezes, colocá-lo em outras dezenas de envelopes, selá-los e endereçá-los, e levá-los ao correio mais próximo?

Viva o progresso...

Oswaldo Pereira

Outubro 2021