sexta-feira, 30 de julho de 2021

LONGEVIDADE & PRECOCIDADE

 


Duas pontas deste imenso arco que é a vida. Longevidade & precocidade protagonizaram esta semana a dança cósmica que faz a nossa passagem por aqui um mistério e um milagre.

Orlando Drummond, talvez o mais longevo ator brasileiro em atividade, faleceu aos 102 anos. A imprensa e as redes teceram os devidos elogios, lembrando seu icônico papel na também icônica “Escolinha do Professor Raimundo” (um programa que vem da era pré-TV) e a voz que deu vida em Português a dezenas de heróis dos desenhos animados. Mas, eu me lembro mais.

1950. TV em preto e branco e um só canal: a Tupi. Tudo ao vivo. E lá estava Orlando Drummond, fazendo o papel de um cineasta luso ao lado de Silveira Sampaio. Era um esquete sobre realizadores que sonhavam em fazer um grande filme. Drummond queria uma epopeia medieval de castelos e batalhas e acabou cunhando o bordão e mouros a subir a subir, e mouros a descer a descer... Há 70 anos...

 

Rayssa Leal subiu ao pódio desta Olimpíada para receber sua medalha de prata com treze anos. A medalhista de ouro também era da mesma idade. A de bronze, 16. Isto me fez pensar nas competições olímpicas da Grécia Antiga. Que idade teriam os atletas que buscavam a glória da coroa de louros? A vida era mais breve. Reis e generais eram pouco mais que adolescentes, heróis e semideuses também. Muito poucos conseguiam sobreviver aos 40.

Assim, a modalidade skate em sua estreia olímpica trouxe de volta a tenra precocidade dos estádios helênicos para os pódios do século XXI. Uma suave e balsâmica esperança para os nossos atribulados dias.

Oswaldo Pereira

Julho 2021

 

 

terça-feira, 20 de julho de 2021

CARTA AO ALGORITMO DO FACEBOOK

 


Caro amigo algoritmo,

Eu sei. Você vai ter pouco tempo para ler esta cartinha. Compreendo. A tarefa de verificar os bilhões de mensagens que trafegam velozes pelo universo do Face, escritas em miríades de línguas diferentes e vindas de todos os cantos do mundo, deve ocupa-lo incessantemente durante as 24 horas, e seus diversos fusos, do dia.

Entendo também que seu trabalho ficou ainda mais extenuante depois que seu patrão, acusado por tribunais internacionais de propagar a maldição das fake news, achou por bem incumbi-lo de detectá-las e, usando uma palavra mais feia, censurá-las. Uma responsabilidade imensa, que faria mesmo o mais inteligente e superdotado mortal sucumbir diante da enormidade e transcendência da missão.

Por isso, eu o admiro. Imagino que, como um legítimo e juramentado exemplar da brilhante espécie pós-humana da Inteligência Artificial, você está imune a efusões sentimentais de aprovação e, portanto, descarte este meu elogio. Ou, talvez, não.

Mas, caro algoritmo, você também não precisava exagerar. Venho notando que postagens minhas estão sendo flagrantemente boicotadas ou, na hipótese mais branda, limitadas em sua divulgação, especialmente aquelas que, às vezes, por necessidade de se manter íntegra e verdadeira a mensagem ou a ideia a ser transmitida, utiliza certas palavras. Posso assegurá-lo de que, se as uso, não o faço por motivos escusos e nem em obediência a algum projeto maquiavélico de perturbar a paz mundial. 

Não quero, e não posso, cair no expediente rasteiro de substituí-las por eufemismos e equivalentes ridículos. Seria empobrecer o meu discurso, já de costume pouco nobre e rico. Como já mencionei certa vez, aqui mesmo neste blog, não podemos ter medo das palavras.

Assim, escrevo-lhe esta para pedir que, em seus neurônios sintéticos, procure usar um pouco mais de discernimento e releve as citações a, por exemplo, nomes de remédios tradicionais, laboratórios orientais, trapalhadas supremas e comissões circenses, e não permita que elas perturbem suas sinapses eletrônicas e cerceiem a publicação dos meus despretensiosos e inofensivos escritos.

Atenciosamente,

Oswaldo Pereira

Julho 2021

sexta-feira, 16 de julho de 2021

SEM ASSUNTO

 


Tem sobrado pouco espaço. Como 95% das atenções continuam sendo divididas entre as consequências sanitárias e políticas desta longa pandemia, parcos assuntos, temas e notícias conseguem escapar desse empuxo gravitacional: o buraco negro do qual nenhuma inspiração literária reluz.

A coisa ainda é mais grave do que se pensa. Mesmo que se procure enveredar por outros aspectos da vida, da Natureza ou do simples interregno entre o nascer e o pôr-do-sol, a que chamamos de dia, o eco do COVID parece tudo poluir. Mais potente que o próprio vírus, sua sombra agrava as conversas mais inocentes, contagia palavras e frases soltas ao vento, inocula o mais suave raciocínio com o gérmen da enxurrada diária que domina todos os meios em que a nossa percepção se apoia.

Fica difícil escrever. Mesmo que, depois de horas a espremer o cérebro, consiga-se parir (numa cesariana, é claro) um parágrafo ainda banhado em líquido placentário, e que a ele apliquemos a proverbial palmada, ele morrerá. O ar está tóxico. Uma apneia cruel o liquidará em segundos.

As mentes estão distraídas, ofuscadas. Os comentários caminham sempre para o mesmo mote. Não há mais isenção suficiente para falar, por exemplo, dos jogos da Copa América, ou da Eurocopa, ou ainda das Olimpíadas. Viu, houve aglomeração no Maracanã. E o estádio cheio em Budapeste? São uns loucos... Está aumentando o número de casos em Tóquio...

Não adianta. Após, se e quando tudo isto acabar, vamos ter de despoluir também nossas almas, nossas mentes. Um detox, uma fisioterapia cerebral, até que os colóquios voltem a ser apenas isto, alegres conversas sobre planos e aventuras, sobre o amor e seus mistérios, sobre o futuro, sobre a Vida.

 Oswaldo Pereira

Julho 2021

 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

CABEÇAS FEITAS

 


Desta vez, não quero escrever sobre COVID. Nem sobre vacinas ou outras inas.Não me apetece falar, de novo, sobre Datafolhas e votos auditáveis. Nem sobre a CPI e seu circo; STF e suas togas manchadas. Nada tenho a acrescentar a respeito de passeatas, motociatas, bicicletiatas.  Prá que?

Já sei que não vou convencer quem de mim discorda.

As cabeças estão feitas. Neste quadro geral de polarização, as trincheiras estão profundas, a terra de ninguém está assim mesmo – sem ninguém. As mesas de negociação foram queimadas, como os barcos de Cortez (ou foi Pizarro?) Os canais de comunicação estão bloqueados, como uma aorta, entupidos do colesterol da rejeição. Não há mais lenços brancos. Os ramos de oliveira, as pombas, que não são mais da paz, já os engoliram.

Uma outra pandemia. Só nossa, como a jabuticaba. A pandemia do nós contra eles, o vírus que se espalha no Face, nos twitters, até no ex-manso Instagram. Pomo da discórdia já deixou de ser um enferrujado lugar-comum para ser mordido com raiva à noite e cuspido de manhã nas telas dos i-pods, i-pads e androids.

Lamentavelmente, não há remédios nem princípios ativos. A distância que nos separa amortece qualquer som. As palavras congelam-se ou incineram-se antes de chegar ao outro lado. Nem retornos, nem feedbacks...

Em minha longa vida, já vi filmes parecidos, aqui em Pindorama. Nenhum acabou bem...

Oswaldo Pereira

Julho 2021