sexta-feira, 28 de maio de 2021

ERRO DE ESTRATÉGIA

 


Qualquer analista político que estude a cena brasileira deste século há de concordar que a eleição presidencial de 2018 não foi um embate ideológico, uma escolha entre regimes partidários ou programas de governo e, muito menos, um confronto direto entre Esquerda e Direita, Conservadores e Progressistas ou qualquer outra dicotomia político-filosófica. O que dominou o exercício do voto, naquele ano, foi a rejeição.

Depois de anos e anos vendo desenrolar sob seus olhos, e à custa do esfacelamento das infraestruturas de Saúde, da Educação, dos Transportes e da Segurança, o que ficou qualificado como o maior esquema de corrupção já montado no país, uma grande parte do povo brasileiro construíra um sentimento de repulsa, indignação e nojo pela classe de dirigentes que ocupava o Governo.

Após verificar que, na tenebrosa, e criminosa, contabilidade de Mensalões & Petrolões e negociatas com refinarias, uma torrente constante e imparável de recursos formados com o pagamento de impostos era desviada para suportar uma camarilha de canalhas, o contribuinte, e eleitor, partiu à procura de uma alternativa, qualquer que fosse ela, para tirar do poder quem comandava, ou, por ação ou omissão, permitia tal descalabro.

Esta necessidade foi preenchida por um improvável Jair Bolsonaro. Sem sustentação partidária, sem recursos de campanha, sem tempo de TV no horário gratuito, pouco conhecido fora dos meios políticos e castrenses, com um discurso extremado e truculento, Bolsonaro acabou sendo ungido pela adoção de milhões de brasileiros como a única opção visível no obscuro horizonte político do Brasil.

E, incorporando a esperança que nele havia sido depositada por mais de 50 milhões de eleitores, o novo Presidente tratou de segurar a chave do cofre, contrariando uma infinidade de interesses e criando imediatamente uma legião de adversários. A aposta destes adversários era de que sua permanência no cargo seria curta, que seu despreparo e sua agressividade acabassem por destruir o apoio inicial de muitos e que tornar-se-ia fácil removê-lo. Para melhorar suas chances, contavam com a concorrência explícita de seus políticos de cabresto, suas vozes de aluguel na mídia, nas Artes e na Academia e até da inestimável ajudinha dos ministros do Supremo que ali haviam sido colocados por eles mesmos.

De lá para cá, muita coisa aconteceu, inclusive e principalmente o ataque de uma pandemia como há cem anos não se via. E, mesmo dentro desse cenário conturbado, em que Saúde e Economia aparentemente pareciam recomendar enfrentamentos diferenciados da crise sanitária, não só aqui, mas em todo o mundo, a figura de Bolsonaro conseguiu convencer uma grande percentagem do país que ele era não somente mais uma alternativa, mas um caminho.

Muitas causas poderão ser apontadas para explicar este fenômeno. A meu ver, a mais preponderante delas é o próprio comportamento da oposição. A desastrada estratégia de tentar demolir a imagem do Presidente com ataques diários na imprensa, manobras politiqueiras no Congresso e ações exorbitantes do Supremo acabaram por desenhar para largas fatias da população a figura de um homem honesto e corajoso, embora tosco e às vezes deselegante, lutando sozinho contra forças desiguais. Um herói. Um mito.

Outro engano da Esquerda foi pensar que Lula fosse capaz de pesar na balança. A festejada volta de seu líder à corrida presidencial não desencadeou o frenesi esperado. O discurso da rentrée foi fraco, óbvio e pouco empolgante. Adicionalmente, o PT, praticamente derretido nas eleições para Prefeitos e vereadores do ano passado, ainda carrega o estigma da corrupção que praticou no passado recente.

O mais incrível para mim, é verificar que, apesar da crescente maré de apoio popular a Bolsonaro, a oposição ainda insista nos mesmos erros. Há certas atitudes que, de tão primárias e indefensáveis, fazem perceber o descontrole e a falta de visão de que padecem os seus adversários .

A instituição uma Comissão de Inquérito colocando homens com passado político pouco recomendável, com nítida falta de isenção e com o veredito acusatório já pronto na cabeça, como Omar Aziz e Renan Calheiros, no comando, a narrativa da grande imprensa, ignorando ou menosprezando as gigantescas manifestações pró-Bolsonaro ou enchendo os noticiários com ataques ao Governo usando frases e declarações descontextualizadas e preconceituosas e a resistência de um Ministro do Supremo contra o voto auditável são tiros que estão saindo pela culatra.

Será possível que eles, na sua cega investida, não tenham percebido que estes atos e tentativas, ao lado de muitos outros, estão, em vez de minar a popularidade do Presidente, enfurecendo ainda mais seus partidários e aumentando a profundidade de sua base de apoio?

Será que ainda não atinaram com o fato de que o eleitor de Bolsonaro está-se transformando em torcedor? Aquela paixão que leva à adoração incondicional e indiscutível?

Será quer não vislumbram o perigo? Já não digo nem de perderem a eleição do ano que vem. Haja vista as centenas de mega demonstrações de apoio maciço a Bolsonaro, qualquer esforço de interromper seu mandato ou um resultado adverso num pleito sem urnas comprováveis, pode se transformar em algo imprevisível, mas certamente traumático.

Oswaldo Pereira

Maio 2021

segunda-feira, 24 de maio de 2021

SPQB

 


A ideia do Estado Romano ainda era uma miragem de séculos à frente quando, em 753aC, as tribos do Lácio resolveram instituir um colegiado formado pelos chefes de cada clã, os pater, cuja missão era resolver questões comuns e unificar as leis e os costumes. Sua outra atribuição era a de escolher o Rei, e substituí-lo nas vacâncias do trono.

Em 509aC, a Monarquia foi abolida e a nova República repousou seu comando legal e político no colegiado que, a essa altura, recebera o nome de Senado. A palavra deriva de senex, isto é, homem velho, indicando que o colegiado era, à semelhança dos antigos conselhos de anciãos, formado pelos mais idosos (e talvez os mais sábios) líderes da sociedade.

Entre aquele ano e 27dC, o Senado Romano foi o órgão supremo da República, promulgador e defensor das leis, gestor da coisa pública, garantidor do Estado e administrador da sociedade. Já no primeiro século antes de Cristo, o emblema SPQR (Senatus PopulusQue Romanus) era usado para demonstrar que ambas entidades, o Povo e o Senado, representavam a essência do poder e da hierarquia.

Com o advento do Império, a instituição perdeu muito de sua preponderância e, com o passar dos séculos, acabou se sujeitando ao domínio, por vezes tirânico, dos césares. De qualquer maneira, perdurou até a queda de Constantinopla, em 1453. Com mais de dois mil anos de existência, foi a mais duradoura instituição política da História.

Por que estou eu aporrinhando o juízo de vocês com este papo histórico? Porque eu tive a pachorra de tentar assistir por algumas horas, em dias separados, a transmissão ao vivo dos trabalhos da CPI. Para os afastados da atual realidade brasileira, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi instituída no âmbito do Senado nacional para averiguar eventuais desmandos dos Governos Federal, Estaduais e Municipais no enfrentamento da crise sanitária causada pelo COVID-19.

Foi a oportunidade que eu, e espero que boa parte da sociedade pátria, tivemos para conhecer melhor as mulheres e os homens que ocupam hoje as cadeiras do mais importante órgão legislativo do país. E fiquei, na falta de outra palavra melhor, estarrecido. E triste.

Nem estou discutindo a necessidade da iniciativa. Após suportar meses e meses de um ataque cruel do vírus, que ceifou a vida de mais de 400 mil brasileiros, e com a propagação de notícias e inquéritos sobre a malversação de recursos destinados ao combate da pandemia e orientações desastradas sobre a maneira de combate-la, é evidente a necessidade de informar a população se, quando e onde houve desmandos e desonestidades.

Também seria evidente que essa missão fosse incumbida a pessoas isentas, comprometidas com a verdade, imbuídas de patriotismo e reconhecidas por sua honestidade. O que o Senado brasileiro infelizmente, na sua grande maioria, não é. E o que constatamos é um espetáculo proporcionado por políticos mais interessados em usar um palanque para se auto promoverem, vociferar diatribes eleitoreiras e distorcer a seu favor o andamento e o objetivo da Comissão. Ainda mais estarrecedor do que isto, é o palavrório pobre, medíocre, pedestre que usam para expor (?!) suas ideias e convicções.

Um filme de terror. E uma constatação de que, de senadores, esta palavra que remonta aos albores da civilização romana, eles nada têm.

Mas, a pior constatação de todas é saber que fomos nós que os lá pusemos. SPQB, Senatus PopulusQue Brasilianus...

 Oswaldo Pereira

Maio 2021

 

domingo, 16 de maio de 2021

MEUS NEURÔNIOS

 


Será que os meus cansados neurônios estão-me traindo? Coitados, penso. Devem ter razão, depois de tantos anos ao serviço da minha sanidade, ao descuidarem-se aqui e ali e rebelarem-se contra a fadiga das décadas, muitas, em que prestaram, com denodo exemplar, sua difícil missão.

Em sua defesa, venho eu contemporizar que, além do desgaste do tempo, também é assaz demandante tentar permanentemente entender Pindorama, um país que não é para amadores, principiantes e neurônios já elegíveis a uma merecida aposentadoria.

Como não perdoá-los quando não entendem e, menos ainda aceitam, calinadas ao melhor estilo nonsense com que os nossos homens públicos nos brindam com assustadora frequência. Por exemplo.

O Ministro Luiz Roberto Barroso, ínclito membro do Supremo Tribunal Federal e, em sua outra capacidade, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em resposta à possibilidade de se aparelhar as urnas eleitorais eletrônicas com a impressão concomitante e automática do voto digitado, saiu-se com duas declarações inacreditáveis.

Para os que me leem fora do Brasil, explico. Desde há 25 anos, a votação brasileira é realizada através do uso de urnas eletrônicas. Seu advento veio substituir o voto por cédulas de papel e visou acelerar o processo de apuração. Até aí, beleza. Só que este método impede qualquer comprovação adicional, fiando-se simplesmente na integridade dos programas e operação dos sistemas.

Numa era em que a expertise dos hackers atingiu níveis estratosféricos, é de se esperar que seria no mínimo recomendável a existência de um método paralelo de segurança. Ninguém, mesmo com um resquício rudimentar de inteligência, pode hoje garantir a total inviolabilidade de qualquer software. Assim, a existência de um comprovante traria uma confiabilidade maior ao sagrado exercício do voto e permitiria a recontagem e auditoria dos mesmos em situações de desconfiança e suspeita.

Resta ainda a circunstância de que, em todo o mundo, aqueles países que adotaram o voto eletrônico já implantaram o recurso a uma verificação paralela. O Brasil é o único que não o fez.

Então, o que vem nos dizer o Ministro Barroso? Em primeiro lugar, que ele acha a pretensão do voto auditável um atentado à Democracia... Hein? perguntam os meus horrorizados neurônios. Não satisfeito, ele afirma que, nos últimos 25 anos, nunca se detectou uma fraude na votação. Mas, continuam meus neurônios baralhando suas sinapses, como saber se houve ou não fraude num sistema sem comprovação??

Demais, para eles. Assim, fica difícil...

Oswaldo Pereira

Maio 2021

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

ERA UMA VEZ


Era uma vez, na Baixa Esfregônia medieval, um povoado chamado Redwood. Era uma comunidade rural e pacífica, de gente alegre e propensa a imaginar que os deuses a haviam abençoado com um clima ameno e terras dadivosas. Já afastado do centro da vila, e quase em plena zona de plantio, havia um pequeno bairro, chamado Little Alligator, cujos habitantes, de uns tempos para cá, viviam em permanente sobressalto. O problema era um dragão.

O tremendo bicho havia estabelecido seu habitat perto da pobre comunidade e, diariamente, investia contra as singelas plantações e alguns casebres da periferia. Suas afiadíssimas garras e o mortífero fogo que expelia pelas narinas levavam o terror e a morte, queimando os campos cultivados, matando animais domésticos, estorricando os açudes. Alguns habitantes do bairro já haviam sido consumidos pelas chamas do monstro.

A população de Redwood estava amedrontada. E exigia das autoridades uma ação imediata, severa e decisiva contra aquela terrível ameaça. Alguns, inclusive, criticavam uma determinação do Supremo Magistrado do burgo, um indivíduo de antepassados italianos, chamado Fachini, que, tempos atrás, proibira a aproximação da guarda municipal dos domínios onde o dragão se instalara. Deu-se tempo para que o bicho crescesse e ficasse mais sanguinário, comentavam.

Um belo dia, o Comandante da guarda resolveu agir. Consultando seus melhores assessores em assuntos reptílios, ordenou um ataque contra o tenebroso cospe-fogo. Embora um dos guardas fosse atingido mortalmente pelas baforadas ígneas do gigantesco e feroz monstrengo, logo no início da ação, os valorosos policiais conseguiram estocar mais de vinte lanças em seu corpanzil, fazendo-o retroceder e afastar-se do povoado.

Ao retornar para Redwood, os combatentes regozijavam-se na antecipação de uma calorosa acolhida por toda a população e preparavam-se para obter nova permissão para continuar atacando o bicho, até exterminá-lo.

Não foi bem o que aconteceu. Embora parte dos habitantes de Redwood tenham festejado o êxito da bem planejada ação, a comitiva não foi bem recebida pelos mandatários do burgo. O Supremo Magistrado estava furibundo, exigindo explicações do Comandante da guarda sobre o que, classificava ele, fora uma atrocidade contra o dragão. Clamava Fachini: 24 estocadas de lança? Que absurdo... Alguns membros do Conselho Municipal também vociferavam contra o exagero no emprego da força.

No dia seguinte, o Redwood Globe, único jornal da vila (manualmente escrito, pois Gutemberg ainda não nascera) estampou a seguinte manchete: O Assassínio de Um Dragão. Em seguida, vários grupos apareceram nas estreitas vielas do povoado. Eram os membros de várias organizações, que incluíam os “Defensores da Vida dos Grandes Répteis”, “Unidos Em Defesa das Escamas Verdes”, “Dragões Unidos Jamais Serão Vencidos”, entre muitos outros.

Os guardas ficaram em silêncio. Choraram o companheiro calcinado e foram para casa. Enquanto isto, numa caverna escondida na floresta, o dragão lambia suas feridas e recuperava suas forças. Ia voltar, claro. Era só esperar...

Obs.: Para os meus leitores que estão distantes da realidade brasileira, explico que, há dias, uma operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, confrontou e eliminou 24 bandidos armados, aliados ao narcotráfico. Um policial foi morto. Por incrível que pareça, parte da população, da justiça e da imprensa reagiu adversamente.

Oswaldo Pereira

Maio 2021


quarta-feira, 5 de maio de 2021

A MORTE DE NAPOLEÃO

 


Às cinco e meia da manhã do dia 21 de junho de 1815, Napoleão chegou a Paris. As notícias o haviam precedido. Três dias antes, o exército francês perdera a última batalha sob o seu comando e Waterloo escrevera o capítulo final de uma era.

(Quem desejar ler sobre Waterloo, é só acessar estes dois links. LINK1 LINK2)

Se quisesse, talvez o Imperador ainda conseguisse arregimentar as tropas do Marechal Grouchy, que estiveram ausentes do confronto, e alguns regimentos sobreviventes. Eram homens leais e, certamente, ainda obedeceriam à sua liderança. Mas, para que?

Em Paris, esperava-o um ambiente hostil. As Casas do Parlamento, sob influência direta de Joseph Fouché, o Duque de Otranto e Ministro da Polícia, já se haviam preparado para rechaçar qualquer iniciativa de resistência por parte de Bonaparte. O Imperador hesitou. Talvez estivesse cansado, exaurido depois de tantas lutas, ou, quem sabe, chegara à conclusão de que nada valeria mais a pena.

Foi conduzido, escoltado, para o Palácio de Malmaison, enquanto tinha início uma frenética atividade diplomática para decidir seu destino. Os prussianos queriam sua extradição para poder executá-lo. Os ingleses, entretanto, temiam um mártir.  E foi através desta janela de negociação que as autoridades francesas procuraram resolver a incômoda situação da permanência de Napoleão em França. Seu nome ainda tinha o poder de levantar as gentes; muitos no país ainda nutriam uma total veneração por ele. Temiam um levante.

Assim, em 15 de julho, exatamente um mês após Waterloo, o Imperador foi levado para o porto de Rochefort e embarcou no Bellerophon com destino à Inglaterra. Segundo relatos, havia lágrimas nos olhos dos marinheiros franceses e gritos de Vive l’Empereur ainda ecoavam pelo cais.

Seu desejo era ser deportado para a América, e lá viver com uma identidade falsa. Mas isto, é claro, lhe foi negado. Muito menos viver em solo britânico. Os ingleses não queriam que o episódio de Elba se repetisse. Assim, no dia 7 de agosto, puseram-no no navio Northumberland com destino a um dos mais remotos lugares do planeta.

NAPOLEÃO COM DESTINO A SANTA HELENA

A ilha de Santa Helena é um minúsculo território de 172 quilômetros quadrados, pouco mais de um décimo da cidade do Rio de Janeiro, perdido no meio do Oceano Atlântico. O lugar mais perto, a costa de Angola, fica a 1.200 milhas de distância, longe o bastante para afogar para sempre a mitomania que cercava Napoleão.


Os ingleses permitiram que alguns ferrenhos admiradores, como o Marechal Bertrand, o ajudante de ordens Charles de Montholon, e seu camareiro Emmanuel Las Cases o acompanhassem no exílio. William Balcombe, empregado da Companhia da Índias Orientais, amigo de longa data e morador em Santa Helena, cedeu sua casa para a comitiva.

Em 1816, entretanto, essas pequenas regalias foram cortadas. A Inglaterra enviou, para o posto de governador da ilha, Sir Hudson Lowe. E Lowe detestava Napoleão. Os seguidores foram deportados e o prisioneiro transferido para uma casa fria, inóspita e cheia de ratos, chamada Longwood House.

Sozinho, aí Napoleão viveria até o fim. Sua rotina de isolamento quase total era a antítese de sua vida em seus tempos de glória. Acordava às 10 e meia da manhã e pouco saia de casa, escrevendo ou lendo em total recolhimento. Jantava às 7 da noite. Quando Las Cases ainda estava na ilha, era seu companheiro num jogo de cartas após o jantar. Depois, nem isso. À meia noite, ia para a cama.

Embora o clima de Santa Helena fosse saudável, a solidão e o abandono foram minando um estado de saúde que já se deteriorava muito antes de Waterloo. Napoleão já enfrentava, há tempos, problemas de próstata, hemorroidas e um quadro complicado de úlceras estomacais. A perda de um poder quase absoluto, a ausência das emoções vividas intensamente nos campos de batalha e no fausto de sua corte, agravadas pelo esquecimento e a traição amorosa de sua mulher Marie-Louise, nada fizeram para melhorar esse quadro.

A partir do fim de 1817, os sintomas começaram a piorar. Dois médicos que o visitaram chegaram a solicitar um abrandamento das condições rudes em que ele vivia. Mas Lowe, rígido e imbuído de suas funções de carcereiro de um dos maiores adversários da Coroa inglesa na História, manteve-se inabalável.

No início de 1821, a queda física acelerou-se. Em março, já não saia mais do leito. Em abril, ditou seu testamento. E, às 5:49 da tarde do dia cinco de maio, após falar algumas palavras desconexas (Mon Dieu... La France... Mon fils... l’Armée), morreu.

CAMA DE NAPOLEÃO EM SANTA HELENA


Até hoje se especula sobre a causa de sua morte. O mais provável terá sido um câncer de estômago. Falou-se também em envenenamento por arsênico, mas nada ficou definitivamente provado.

Os ingleses enterraram-no na ilha, numa tumba retangular cuja única inscrição eram as palavras Ça Gît (Aqui Jaz). Dezenove anos depois, os franceses resgatariam o corpo, que hoje repousa nos Invalides.

Seu legado está na História. O maior terá sido a construção da França moderna. A administração pública, o Código Napoleônico, o Banco de França e o sistema financeiro, as academias militares, a universidade centralizada. Por outro lado, suas batalhas deixaram 500.000 mortos e feridos entre os franceses e mais outros tantos desaparecidos ou aprisionados.

Passados duzentos anos, Napoleão paira acima das paixões. Um homem que mudou o mundo e o seu tempo.

Oswaldo Pereira

Maio 2021

 

domingo, 2 de maio de 2021

HÁ UM RECADO

 


Algumas conclusões minhas deste primeiro de maio.

Conclusão Um.

Ou os frequentadores das redes sociais já detêm uma tecnologia avançadíssima de computação gráfica, ou as centenas de imagens postadas das passeatas, mostrando logradouros importantes do país literalmente tomados por apoiadores de Bolsonaro são verdadeiras. Como eu não acredito na delirante primeira hipótese, devo concluir que, realmente, o povo foi às ruas.

Conclusão Dois.

Como a grande imprensa, mais uma vez, não deu a um evento de grande magnitude nacional o espaço e as manchetes que o acontecimento teria de ocupar, concluo também que esta imprensa definitivamente não é profissionalmente honesta e trai sua função de informar por interesses políticos.

Conclusão Três.

Tendo então como fato incontestável que as manifestações foram efetivamente de grande amplitude, de participação espontânea e maciça de uma larga faixa da população, pode-se também deduzir que seu mote ou seu lema representa o desejo e a mensagem de muitos brasileiros.

Então, como conclusão agregada disto tudo, percebe-se que há um recado. Um poderoso e inequívoco recado do povo. E é, também, um recado claro, sem necessidade de muitas análises e considerandos. O que veio ontem das ruas é uma mensagem de repúdio a uma Suprema Corte visivelmente imbuída de um protagonismo que não lhe pertence, de ministros explicitamente comprometidos com uma agenda política que não deveria ser usada para a tomada de decisões, um tribunal com um comportamento pouco isento, viciado e indigno.

O que o povo também disse foi da sua revolta contra um congresso que, perigosamente, se banaliza e se prostitui por qualquer vislumbre de negociata, que aposta no quanto pior melhor só para auferir vantagens pessoais e políticas. Contra uma pantomima de caráter eleitoreiro que transformou uma Comissão de Inquérito, que deveria ser séria e investigar todo mundo, numa competição de tiro ao alvo contra o Governo Central, quando se sabe que o tenebroso da roubalheira está nos Estados e Municípios. E, francamente, ter Renan Calheiros (?!) como Relator seria uma piada de mau gosto se ainda estivéssemos na época de achar graça.

O momento da piada já passou. E é isto que as ruas gritaram ontem. O recado está aí, quer gostem ou não. Ignorá-lo é cometer um terrível erro de avaliação. Não sei qual vai ser a reação dos nossos juízes supremos e dos nossos congressistas. Não sei se, na altura rarefeita de seus pedestais, terão ouvido o clamor e, se o ouviram, entenderam seu canto. Outros, muitos, irão se refugiar na retórica de chamar as multidões que foram às ruas de gado, sem se dar conta que há uma coisa incontrolável chamada estouro da boiada.

Por outro lado, há de se considerar que o recado, além de ser dirigido ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso, foi também dirigido ao Presidente. O hashstag Eu Autorizo embute, além de um apoio, um pedido que pode rapidamente tornar-se numa cobrança.

E aí?

Oswaldo Pereira

Maio 2021