segunda-feira, 30 de novembro de 2020

MARADONAS


No meu último texto, eu escrevi mal tracejadas linhas sobre a agressividade que campeia pelas redes sociais e a opção pela polêmica e pelo confronto verbal nos relacionamentos sociais. Discute-se apaixonadamente por tudo e por nada, desde ideologias de gênero, vacinas contra a COVID e até se a Terra é redonda ou plana.

Como não podia deixar de ser, a morte de Diego Armando Maradona acendeu nova cizânia, mesmo entre aqueles que nunca adentraram em um estádio de futebol. Trincheiras de argumentação foram cavadas para defender ou atacar o jogador, indo desde aqueles que o idolatram aos que o denigrem.

No cerne da disputa está a propalada dicotomia que, segundo a maioria, segregou o fabuloso gênio da bola do homem amargo, instável e subjugado pelo vício das drogas. É como se tratassem de duas pessoas, irreconhecíveis e irreconciliáveis entre si, um ser bipartido que nem a mais profunda bipolaridade conseguiria explicar.

Todas as mensagens de despedida, de amigos, de contemporâneos dos gramados, de jornalistas e comentaristas esportivos, da gente comum que o viu jogar, acentuavam esta imagem, tentando usar a figura de um Maradona super-herói de chuteiras para compensar o Maradona infeliz e derrotado pela cocaína. A frase de Paulo Roberto Falcão, o ex-jogador brasileiro, é exemplo disto. Maradona no campo foi um deus; na vida, foi humano.

Para mim, Maradona foi um só e tudo o que lhe aconteceu é decorrência de seu desmesurado talento desportivo e efeito do endeusamento que experimentou desde que apareceu pela primeira vez com a bola nos pés.

Garoto pobre de periferia, aos 9 anos já assombrava quem o via jogar. Numa ascensão meteórica, nos dez anos seguintes, operou milagres para os times que defendeu, o Argentinos Juniors e o Boca Junior e deu início ao culto que o entronizou no Olimpo dos torcedores portenhos. Faltava conquistar o mundo, e isto ele fez, primeiro no Barcelona e depois no Napoli. A inesquecível campanha de Maradona no time italiano não só fez com que uma equipe antes medíocre subisse aos píncaros das tabelas europeias como conquistou o coração de uma cidade inteira. A ponto de os napolitanos torcerem pela Argentina e contra seu país na Copa de 1986, só porque Maradona estava em campo.

Essa Copa, inclusive, marcou o seu auge. A vitória do time argentino sobre a Inglaterra, apenas quatro anos depois que os britânicos haviam humilhado a Argentina na Guerra das Malvinas, ganhou cores mais vivas do que uma simples partida de futebol. Era uma “vingança”.

E eu fico pensando. Raríssimas pessoas na História experimentaram essa sensação de mundo a seus pés, de adoração de milhares de vozes, de bajulação incontida, de declarações apaixonadas, de triunfo e de glória. Como administrar isto tudo? Como relativizar uma visão de paraíso, de poder aparentemente ilimitado? Como suportar o fim deste sonho?

Não é outro Maradona, o que desceu do Valhala. É o mesmo homem que, de pibe nos campos de terra das favelas de Buenos Aires subiu aos céus. E teve de descer.

Oswaldo Pereira

Novembro 2020

terça-feira, 24 de novembro de 2020

DEFAULT



Mais um confronto racial. Como se não bastassem a guerra midiática em torno de lockdowns e vacinas, as vociferações pró e contra medidas e comportamentos durante a pandemia, as discórdias provocadas por eleições e fraudes, o tiroteio das fake news, os patrulhamentos do politicamente correto, os dedos em riste em torno da ideologia de gênero.

De repente, parece que a humanidade confinada e de máscaras resolveu brigar por tudo e por nada, com imprensa e redes sociais cavando um campo de batalha, onde trincheiras opostas despejam torrentes de impropérios e ameaças virtuais que terminam por desaguar em confrontos nas ruas e nas praças.

Será que nos tornamos violentos, de uma hora para outra? Será que a mansidão e a concórdia evaporaram-se num piscar de olhos, exatamente na hora em que chegávamos ao século XXI e deveríamos estar preparados para administrar nossa civilidade?

Lamentavelmente, a resposta é NÃO, para ambas as perguntas. A triste verdade é que sempre fomos assim. Faltavam apenas os meios para que a nossa ferocidade se revelasse no quotidiano. As antigas discussões com vizinhos ou as brigas de torcidas nas arquibancadas dos estádios receberam um up grade com a proximidade disponibilizada pela Internet. À distância de um deslizar de dedos ágeis na telinha de um celular, temos o rosto virtual de quem, certamente por implicância, ignorância ou simples maldade, discorda da nossa sagrada opinião. E tome de dislikes insultuosos e ofensas cabeludas.

Somos assim. Os dois milhões de anos de existência do homo sapiens não foram bastantes para abrandar a visceral marcação de território que está na base do nosso comportamento. Seja por poder, desejo ou crua inveja, a agressividade instintiva das cavernas ainda corre em nossas veias. É o metal de que somos feitos. É o nosso default...

Oswaldo Pereira

Novembro 2020

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

GUINADA PARA O CENTRO

 





Com uma rapidez de dar inveja a muito americano do Norte, o resultado das eleições municipais brasileiras estava praticamente apurado antes que soasse a meia-noite do último dia 15, o próprio dia do pleito. Mesmo um atraso pouco explicado com relação à cidade de São Paulo e uma entrada de hackers no sistema não impediram que, ao amanhecer de segunda-feira, analistas, comentaristas, âncoras, colunistas e outros palpiteiros políticos já pudessem nos inundar com sua interpretação esclarecida dos humores institucionais da Nação.

Não sou, e nem quero ser, um analista político. Desde quando me candidatei, e depois me arrependi, a representante de turma no primeiro ano do Curso de Direito da PUC, que sempre senti um certo desconforto com os meandros da vida política e com seu jogo furtivo e calculista.

É claro que entendo, e aceito, ser impossível a existência hierarquizada de qualquer aglomerado social sem a atividade política. Ela faz parte do DNA do que chamamos Sociedade Humana. O problema é que ela leva à procura do poder. E este afrodisíaco pode transformar, e tem transformado, a disputa pela preferência do eleitorado num campo pantanoso e minado, onde alianças tornam-se conchavos, acordos travestem-se em armadilhas e honestidade de princípios num vale-tudo de promessas vazias e descaradas mentiras.

Mas, mesmo com toda esta alergia epidérmica ao assunto, eu não posso e, como todo cidadão consciente, não tenho o direito de abstrair-me do que acontece com a vida política da comunidade em que vivo. E de oferecer, também, o meu palpite.

Acho que todo mundo concorda que foi uma guinada para o Centro. Quem ganhou foi a política tradicional, a mesma que prepondera sobre a Câmara e o Senado e ainda tem nas mãos a chave da governança, apesar de todos os esforços estapafúrdios do Supremo Tribunal Federal para legislar.

Muitos interpretam isto como uma derrota para o Governo. Eu discordo. Bolsonaro, mui sabiamente, não se jogou de corpo e alma neste pleito. Nem possui ele uma base partidária para tanto. Sua atuação não passou da indicação, num twitter, de alguns candidatos.  E, se lembrarmos bem, muito antes de 15 de novembro ele já sinalizava uma aproximação com o Centrão.

Outros alardearam o ressurgimento de uma “onda vermelha”. Não consigo atinar onde viram isto. O PT simplesmente derreteu. Algum avanço da esquerda veio do PSOL e do PC do B e, mesmo assim, pontualmente e ainda não confirmado em São Paulo e Porto Alegre, onde a disputa foi para o segundo turno. Dos municípios em que a eleição ficou definida, os partidos identificados com a esquerda mais radical vão controlar menos de 5%.

Assim, o fato do pêndulo do poder deslocar-se para o meio do espectro político acaba por sinalizar uma mensagem, tanto para a esquerda como para a direita, com relação a 2022. Será que esta polarização, tão ardente nas redes sociais e mantida candente pelo comportamento irresponsável da mídia brasileira, arrefece na hora do voto ir para as urnas?

 

Oswaldo Pereira

Novembro 2020

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

NOSSO QUINTAL



Muita gente ligada nas eleições americanas. Pode-se até entender, dada a liderança global dos Estados Unidos. Mas, que tal abaixar a vista um pouco e focar no nosso próprio quintal? Daqui a três dias, vamos eleger aqueles que vão literalmente cuidar (ou não) dele...

É a votação que mais nos aproxima dos nossos políticos. Prefeitos e vereadores convivem conosco em nossas cidades. São aqueles que estão mais perto de nossas necessidades, de nossos anseios, de nossas mazelas. Nos grandes centros talvez isto se perca na sua magnitude urbana e afaste um pouco os mandatários de seus mandantes.

Mas, nas cidades pequenas, o contato pode ser diário. Afinal, o eleito é o concidadão que normalmente partilha o mesmo restaurante ou o mesmo clube, o vereador é o vizinho da esquina, filho da Dona Maria... Estão à mão para receber de viva voz as reclamações, os pedidos e (mais raramente, claro) os elogios.

Meu simplório critério para julgar o trabalho de um Prefeito e de vereadores foi sempre baseado no que eles fazem, ou prometem fazer, pela minha esquina. As grandes considerações nacionais, a solução de uma agenda social e política abrangente eu uso para avaliar Presidentes e congressistas.

E é com este olhar que tenho tentado examinar os candidatos que se apresentam para a próxima eleição no Rio. Bem...

Às vezes, eu me pego pensando: Como chegamos até aqui?... Por que eu fico com a sensação que a minha esquina não sobreviverá ilesa a quatro anos sob a administração de qualquer um deles? Por que será que a escolha dos vereadores tem de passar por centenas de candidatos sem sobrenome? (Parece que estamos na Idade Média, quando ainda inexistia o nome familiar e as pessoas eram identificadas pela sua profissão ou pelo lugar de onde vinham). E me pergunto:

Será que isto é o melhor que temos?

Oswaldo Pereira

Novembro 2020

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

AMERICANAS 2020

 




Qualquer que seja o seu resultado, as eleições americanas de 2020 vão fazer parte dos documentários do Canal História (ou seu equivalente tecnológico) de daqui a 100 anos. Como tudo o que se refere a este ano sem pé nem cabeça, engendrado por alguma divindade de ressaca. Se o planeta ainda estiver girando no mesmo sentido até o próximo século, estes doze meses que (espero com ansiedade) terminarão no último dia de dezembro serão esquadrinhados por analistas horrorizados. Como foi possível?...

Mais um ícone desfigurado pela máquina de moer carne de 2020, o processo eleitoral no nosso grande irmão do Norte sempre fora para mim, desde o momento em que balbuciei pela primeira vez a palavra Democracia, a corporificação santificada do Governo do povo, para o povo e pelo povo. Que inveja no meu tenro coração tupiniquim. Um pleito limpo como os lençóis dos comerciais do OMO, uma apuração segura e precisa, que nem o tic tac do meu Omega de pulso. No final, vencido e vencedor sorrindo para as rolleyflex dos repórteres, desejando o melhor para a Nação. Tudo em vibrante Technicolor, enquanto aqui em Pindorama havia votos de cabresto, urnas violadas, derrotados saindo pela porta dos fundos.

Agora, o filme a cores já não parece tão musical como as produções hollywoodianas com Esther Williams na monumental piscina clorada. E a Pandemia tem a ver um pouco com isso.

Para evitar que o confinamento elevasse significativamente o percentual de abstenção, o voto pelo correio foi maciçamente incentivado. Um complicador, dado que, de Estado para Estado, a data limite para sua inclusão na contagem divergisse entre os que só os admitiriam até o dia da eleição e os que estendiam o prazo até o recebimento do último voto.

Numa disputa acirrada e cabeça com cabeça, isto criou o fumegante pomo de discórdia que arde nos noticiários e vai arder ainda mais nas ruas. E aí, outro ingrediente explosivo promete azedar ainda mais o caldo.

Os americanos já tiveram outras eleições apertadas. Kennedy, por exemplo, venceu Nixon por uma diferença mínima, Bush suplantou Gore por uma ainda menor. Rivalidades sempre existiram. O problema agora é outro. Chama-se Polarização. Não são opiniões divergentes sobre um mesmo fim. São fins diferentes capturando opiniões.

Dentro de toda essa bruma, começam a pipocar denúncias de fraudes, envolvendo principalmente as cédulas enviadas pelo correio. Trump já afirmou que não vai deixar barato e prepara sua ofensiva nos tribunais. E, de repente, só no ano que vem saberemos que ganhou.

Já não se fazem eleições americanas como antigamente...

Oswaldo Pereira

Novembro 2020