segunda-feira, 19 de outubro de 2020

CORONAVÍRUS - UM CONTO (PARTE II)


 

Há algum tempo, escrevi “Coronavírus – Um Conto” (se quiserem, releiam-no neste LINK). Agora, vai a Parte II.

A última reunião acontecera em dezembro. Agora, outubro de 2020, a magnífica mansão agitava-se novamente. E, claro, com aquela agitação contida e eficiente de uma equipe altamente treinada de excelentes profissionais.

Os sete proprietários haviam chegado na noite anterior, como sempre. O breakfast já fora servido e a reunião iria, também como sempre, ter início às 9 da manhã.

Desta vez, no entanto, quebrando o protocolo, os seis homens entraram primeiro na grande sala. Quando Madame Z surgiu, uma salva de palmas a recebeu. Todos os outros membros do seleto grupo prestavam assim sua homenagem à mentora de um dos mais bem-sucedidos planos de sua recente história.

Assim que todos tomaram seus lugares ao redor da grande mesa, Herr Doktor, o alemão, como de praxe, foi o primeiro a ter uso da palavra.

«Senhores, quero propor um voto de louvor à nossa colega. Uma estratégia impecável! E com resultados muito acima do esperado. Parabéns, cara senhora.»

Realmente, a linha de ação proposta pela chinesa no final do ano anterior ultrapassara em muito as projeções e as expectativas. O aproveitamento de um surto gripal causado por uma variação do vírus SARS, na cidade de Wuhan, para causar uma epidemia global e gerar uma crise sem precedentes no século, desencadeando um pânico em escala planetária, proporcionara aos sete membros oportunidades negociais extraordinárias.

Com o auxílio, involuntário ou não, de governos, autoridades médicas, formadores de opinião e, last but not least, da própria OMS, os impérios financeiros controlados pelos sete haviam auferido ganhos substancialmente maiores do que os percentuais anteriormente estimados.

Zhivago, o russo, cujo comando do mercado mundial de ouro era indisputável, estava radiante.

«O preço do metal está no mais alto nível dos últimos 20 anos. O bastante para que um agradecido Putin passasse a cortejar-me. Grande parte das ações do laboratório que está distribuindo a Sputnik V já está em nossas mãos. Os lucros projetados são astronômicos. Spassiba, Madame Z.»

O brasileiro Rio agitou-se na sua cadeira.

«Eu também tenho de agradecer. A venda de equipamento hospitalar para unidades médicas dirigidas por políticos corruptos foi uma festa! Respiradores, hospitais de campanha, UTI’s móveis, só para falar em alguns itens, foram selvagemente superfaturados. Por outro lado, as nossas redes de supermercados puderam aumentar os preços para uma população acovardada e sem outra alternativa de compra, com a redução das feiras livres. Como se diz em meu país, Beleza Pura!»

O charuto já estava na mão de Mr. Green, o americano. Apenas não o acendera por deferência à sua colega.

«Outstanding! A quebra na Economia americana, ajudada pela própria irresponsabilidade do Trump, colocou em sérias dúvidas a reeleição daquele bastard. Minhas baterias contra ele na mídia vão fazer o resto. Vou eleger o Sleepy Joe Biden. E ele vai ficar me devendo esta. Thanks, Z!»

«Arigato, honorável colega.» O japonês Samurai fez uma elegante curvatura com a cabeça em direção à chinesa e continuou.

«A pandemia arrefeceu a lenga-lenga dos verdes. O foco mudou. Embora o consumo mundial de energia tenha diminuído, isto acabou por nos ajudar. Estamos adquirindo por preços irrisórios grande parte da indústria de energia limpa. Com o seu comando nas nossas mãos, os projetos vão andar a passo de cágado.»

Herr Doktor esperou o japonês terminar de falar limpando cuidadosamente as lentes de seus óculos. Seu sorriso era inusitadamente amplo quando falou.

«O pânico do COVID está causando uma movimentação histórica no mundo dos fármacos. Os lucros dos nossos laboratórios são exponenciais. E isto antes de começarmos a empurrar pela goela abaixo da humanidade inteira as vacinas. Bilhões delas! Wunderbar!»

Mesmo na área do Sheik, em que a OPEP, sob sua direta influência, experimentara uma sensível diminuição no consumo global de combustíveis, principalmente pela redução das atividades das gigantes aéreas, ganhos potenciais estavam previstos. Debaixo de seu turbante, os olhos de águia franziam de satisfação.

«Aproveitamos para adquirir vultosas posições acionárias de montadoras, companhias de aviação e da indústria de cruzeiros marítimos. Tudo a preços irrisórios. E já se percebe um crescimento nessas áreas. Numa possível retomada, vamos lucrar imensamente, Alá seja louvado!»

Foi a vez de Madame Z falar.

«Xié xié, muito obrigado, honoráveis colegas. E acho que iremos comemorar ainda por muito tempo. O mundo está refém do pânico. O volume de informações contraditórias mantém a balança do terror em todo o planeta. Governos medrosos ou mal-intencionados e até corruptos fazem o resto. Um quadro sem previsão de mudança, no curto prazo. A simples menção a uma suposta segunda onda já colocou a Europa de rastros. As estimativas de nossos ganhos são agora incalculáveis.»

Nova rodada de aplausos encerrou a reunião.



Oswaldo Pereira

Outubro 2020

13 comentários:

  1. QUE HORROR!!!
    Aqui até sabiá mudou seu canto; está muito mais melódico, intenso e límpido. Será efeito coronário ?

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  2. Esse conto dava um excelente "plot" para um filme do 007.

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  3. Acho que seu conto não se afasta muito da realidade. A China, grande causadora do desastre, está muito bem obrigado, crescendo mais que todo o resto do mundo. E os aproveitadores da desgraça sempre existiram.

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    1. A realidade, às vezes, é mais surpreendente que a ficção...

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  4. Amigo, essa turma dos 7 que você tão bem constrói um conto muito bem feito se chama A BANCA e vem há tempos arquitetando um novo modo de vida para a humanidade. Quem não morrer do vírus morrerá das vacinas feitas a toque de caixa.bjs

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    1. De repente, a realidade pode ser mais tenebrosa que a ficção...

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  5. Grande chefe, o destino. por pouco, não lhe deu a arte do futebol de Pelé,nem o dom musical de John Lennon, lhe reservou a escrita, parabéns pelo texto, e mais ainda pela juventude aos 80

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    1. Valeu! Aos 80 se chega à certeza de que o grande tesouro da vida são os amigos.
      Como você. Muitíssimo obrigado.

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