«Antonia?! Ué, aqui no ZanziBar? E a quarentena?»
«Bem, achei que
com cuidados, máscara, distanciamento das mesas, álcool gel na entrada, mesas
higienizadas, dava para arriscar. Afinal, ninguém é de ferro.»
«Beleza! Assim a
vida vai voltando ao normal. O homem não foi feito para viver entocado. Parodiando
Fernando Pessoa, conviver é preciso. Está na hora de abrir as janelas, retomar
o mundo em nossas mãos. Gozar novamente a vida.»
«Menos, Cézar,
menos. Não está na hora de, mesmo inspirado por Pessoa, sair por aí à grande e à francesa, como se diz na
terra dele. O bichinho continua fazendo estragos. Viu o que aconteceu na
Espanha, na Inglaterra? Deram mole, e a infecção está voltando. Não tem lido as
notícias?»
«Leio e não leio.
Muita paranoia. OMS, imprensa, doutores de cenho carregado apregoando o
apocalipse. Agora, com o inverno às portas do hemisfério norte, a profecia
sinistra da segunda onda. Prefiro ligar a TV a cabo e assistir a um bom
filme...»
«Típico de você.
Cinismo e ceticismo podem ser chiques numa
mesa de bar. Para mim, o perigo está aí. Ainda não soou o all clear. Só mesmo com a vacina.»
«E você vai
tomar?»
«Se puder, vou
ser uma das primeiras. Quero ficar logo protegida.»
«Você agora me
deixou confuso. Tem um medo que se pela do vírus, mas se dispõe a tomar a
vacina logo de caras?»
«É claro que sim!»
«E, se me permite
perguntar, qual delas? A chinesa, a inglesa, a americana, a alemã, a
canadense...»
«Qualquer uma. A primeira que ficar
disponível. Por que? Você vai esperar para escolher?»
«Escolher? Deus me livre. Não vou tomar
nenhuma delas.»
«Por que você tem de ser o mesmo
inconsequente de sempre? Vacinas têm sido a grande defesa contra doenças,
epidemias e...»
«Desculpe, querida, mas já vi que você se
deixou levar pelo noticiário. Me deixa explicar o seguinte. Vacinas não são
remedinhos para curar dor de cabeça ou prisão de ventre. São coisa muito séria
e necessitam anos de pesquisa e testes para comprovar sua eficácia e, principalmente,
a ausência de efeitos colaterais gravíssimos. É preciso entender que a vacina,
na realidade, consiste em inocular em você o próprio vírus que pretende combater,
acompanhado de agentes que provoquem em seu corpo a reação dos anticorpos que
irão eliminá-lo e que passarão a fazer parte do seu sistema imunológico. Para
que isso aconteça com segurança, são precisos anos de pesquisa para chegar às
combinações ideais das dosagens. E, a partir daí, visto que cada ser humano é
diferente do próximo, anos e anos de testes até chegar a um produto que possa
ser usado por toda a gente sem problemas. Normalmente, uma vacina, como a antipólio,
a BCG, contra a tuberculose e as demais, contra endemias como sarampo e
varíola, por exemplo, levaram no mínimo mais de oito anos para serem aprovadas.»
«OK. Muito bem. Mas o COVID está aí
matando centenas de milhares. Não temos como esperar. Quer você acredite ou
não, há quase uma certeza de que vai haver mesmo uma segunda onda. Ou até uma
terceira. E porque não imaginar que os laboratórios, desta vez, conseguirão
encurtar com segurança os prazos?»
«Ora, Antonia, os laboratórios estão de
olho nos zilhões de dólares que irão faturar. Serão bilhões de doses, enfiadas
boca abaixo, ou braço adentro, da população mundial. Eu tô fora.»
«E se for obrigatória? E se você só puder
circular, viajar, afinal, conviver, se tiver o papelzinho, atestando que você se
vacinou, no bolso?»
«Me rebelo. Grito e esperneio. Me nego.»
«Tipo Revolta
da Vacina? Foi em 1908. Isto é que é um retrocesso...»
«Andar com um salvo conduto no bolso me
lembra da Alemanha Nazista. Outro retrocesso...»
«Então, se correr o bicho pega.»
«E, se ficar, o bicho come. Por falar
nisso, o que vamos pedir para comer?»
Oswaldo
Pereira