domingo, 30 de agosto de 2020

A VOLTA DE JESUS


JESUS ESTÁ VOLTANDO!...

Não, eu não me tornei messiânico nem estou em vias de liderar qualquer seita fundamentalista.

Estou falando como o rubro-negro de pai e mãe que sou. Sou aquele flamenguista histórico, que viu com estes olhos que a terra há de comer figuras mitológicas como Zizinho e Perácio envergando o manto sagrado. Vi também Biguá, Bria e Jaime, no tempo em que eram chamados de halfs, com a camisa de listas vermelhas e pretas (ainda sem número atrás), e Luis Borracha no gol de joelheiras, bonezinho e sem luvas. Década de 1940, caros leitores.

Então, o grito no início deste blog não é o aviso da segunda reencarnação do Cristo. O Jesus neste caso é o técnico português Jorge Fernando Pinheiro Jesus, treinador e condutor do time de futebol do Flamengo durante uma das mais espetaculares campanhas da história recente do clube. Sob sua batuta, e no prazo de pouco mais de um ano, conquistou 5 títulos (Libertadores, Brasileirão, Recopa Sul-Americana, Supercopa do Brasil e o Campeonato Carioca). Foram 57 jogos e a impressionante marca de 43 vitórias, 10 empates e somente 4 derrotas.

A saudade de casa e um irresistível convite do Benfica, onde também comandara uma época dourada, levaram-no de volta a Portugal. Mas agora, indicações surgem de que o retorno à terrinha não foi tão auspicioso quanto se esperava. Isso, e a lembrança da sua apoteótica consagração no calor do Rio e nos braços da maior torcida do Mundo, podem estar pesando na balança de uma decisão de regressar ao Brasil e à Gávea.

Para a proverbial imensa nação rubro-negra, nada mais alvissareiro. Sem Jesus, o time amarga a décima quinta posição na tabela de classificação do atual Campeonato Brasileiro. Sua volta é o sonho de consumo de todo torcedor do Flamengo. Eu, inclusive.

Seu eu fosse Jorge Jesus, entretanto, pensaria duas vezes.

É quase impossível repetir a coleção de títulos e o rosário de vitórias da temporada 2019-2020. Essas coisas não têm o condão de se sustentarem indefinidamente. Como se diz na pátria de Jesus, os dias não são permanentemente de sol na eira e chuva no nabal (o equivalente em português tupiniquim seria dias de chuva na horta e sol na piscina), isto é, sempre o melhor dos mundos. E o futebol é o inspirador por excelência de emoções exacerbadas. Já vi técnico ser idolatrado como um deus ao vencer um certame e, logo a seguir, tornar-se alvo de um ódio furibundo por perder três partidas em série, ou ser goleado por um tradicional adversário.

Como dizem os americanos you better quit while you’re ahead. É melhor sair enquanto se está ganhando.

Mas isto é problema dele, Jorge Jesus. Por mim, que venha. E que, pelo menos, nos resgate das gozações de tricolores, botafoguenses, vascaínos et caterva...

 

Oswaldo Pereira

Agosto 2020

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

UM DIA


Um dia sem ver televisão, sem acessar o Facebook, sem clicar no botão do WhatsApp, sem espreitar no Instagram ou no Messenger, sem tuitar, sem consultar as breaking news da CNN.

Um dia sem locutores, âncoras, moças da meteorologia, comentaristas empolados, analistas políticos. Sem lives do Congresso, denúncias de propinas e rachadinhas, reportagens ao vivo de favelas e de confrontos, de batidas da polícia, raves na periferia, miséria humanas nas cracolândias.

Um dia sem estatísticas do COVID, sem prognósticos da segunda onda, sem prós e contras da hidroxicloroquina, sem as contradições da OMS, sem lockdowns nem reaberturas, sem prefeitos atônitos e governadores venais.

Um dia sem tumultos raciais e revoltas populares, sem quebra-quebras no Champs Elysées, saques e fogueiras em Minnesota, explosões em Beirute, bombas e foguetes na Síria.

Um dia sem incêndios no Pantanal ou na Califórnia, sem o degelo das calotas, sem a extinção de alguma espécie, sem furacões com nomes próprios, sem tempestades de raios nem monções.

Um dia sem STF, sem leniências e apadrinhamentos, datas vênias e arrogâncias. Um dia sem ataques ao Messias. Um dia sem seus revides.

Um dia em que apaguei as notícias. Inconsequente?

Talvez, mas tente fazer isto ao menos uma vez. Vai ver coisas como o contorno das nuvens, um bouganville de cor inacreditável, um mar de todos os tons de azul, a areia de uma praia brilhar como se de prata fosse. Vai ouvir as sinfonias dos passarinhos, baladas dolentes nas folhas dos coqueiros, de repente até o assoviar de uma criança feliz.

Experimente.

Oswaldo Pereira

Agosto 2020



terça-feira, 18 de agosto de 2020

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 

Liberdade de expressão é o assunto que, nos nossos dias, desperta acalorados debates. Se juntarmos isto ao por vezes ridículo e exagerado politicamente correto, temos um caldo quase tóxico. Se, ainda, jogarmos dentro da panela o fantasma das fake news e o vilipendiado discurso de ódio, o caldo vai engrossar e desandar numa enxurrada interminável de definições filosóficas (e outras nem tanto) sobre os limites que deveriam, ou não, pautar o nosso direito de proferir, comunicar e divulgar a nossa opinião.

Meu primeiro contato com o conceito de liberdade de expressão, ainda em criança, foi na frase dita em voz imperial por minha mãe. Quem diz o que quer, ouve o que não quer. Pronto. Aí estava o conceito de que precisava e com o qual convivi pelos anos seguintes.

Mas, saindo desse ambiente familiar de provérbios, a prerrogativa ao livre discurso foi, desde as primeiras reuniões tribais da humanidade, um tópico nebuloso e por vezes encarado como uma perigosa rebeldia. As primeiras civilizações dependiam sempre de um líder que, para exercer sua autoridade, nem sempre estava predisposto a ouvir críticas e questionamentos.

Aí, muita gente levanta o dedo e cita os gregos. Ah! a Grécia da Democracia, as ágoras vibrando com as tiradas dos filósofos, livres e soltos para expor suas teses, suas antíteses e suas sínteses.

Menos, gente, menos...

A coisa não era exatamente assim. Não se esqueçam que o vocábulo tirano vem de lá e que Sócrates (sim, ele, o nosso herói desde os bancos escolares) foi obrigado a sorver uma caneca de cicuta porque sua arenga contra os deuses não caiu bem nos ouvidos de quem de direito.

A Pax Romana era pax só para quem concordasse com o César de plantão ou com seus senadores de fachada. Na Idade Média, a fogueira dos autos de fé estava à espera de todo aquele incauto que discordasse da cartilha do clero.

Renascença? Well, coitado de quem, cansado de olhar pelo canudo de um telescópio, proclamasse que a Terra era redondinha como uma laranja. Galileu e Giordano Bruno que o digam.

Como disse o “sábio” brasileiro que escolheu o título português para o filme americano Giant, assim caminha a Humanidade.  Reis absolutistas, antes e depois de Bonaparte, gostavam de minuetos, cabeleiras brancas e pó-de-arroz, porém jamais de uma piada de mau gosto contra seu governo.

Foi só a partir do final do século XVIII, com a Revolução Americana e a assinatura da constituição do novo país, que o túmulo a que a liberdade de opinião fora relegada entreabriu sua tampa. Mesmo assim, em termos e só em alguns afortunados pontos do globo terrestre.

E assim ela veio, até os dias de hoje. Erguendo a cabeça às vezes e sendo abatida logo depois. Surgindo como uma flor radiante em algum país e sendo decepada do outro lado da fronteira. Nunca geral, nunca perene, nunca universal.

De uns tempos para cá, entretanto, ela encontrou as frestas por onde escapar, os filetes de canais que a levaram a emergir e, eventualmente, espraiar-se numa inundação libertária nunca antes experimentada. A Internet. Se a mitologia grega ainda vigorasse, a World Wide Web seria uma deusa alada. Sob suas asas, com um celular na mão e um app instalado, qualquer mortal se tornou um arauto.

E esta é a grande discussão do nosso presente. Como controlar esta voz? É indispensável controlá-la? Se afirmativamente, por quais critérios? Quem vai defini-los? Estaremos confundindo proteção com tutela? Legitimidade com arbitrariedade? Direitos inalienáveis com concessões políticas?

Dizem que todo argumento somente prova sua validade se levado ao extremo. O que é mais válido? Deixar todo mundo falar o que pensa, com todo o caos de injúrias, mentiras, difamações, calúnias e desinformação? Ou calar toda manifestação, aplicar mordaças e censuras, impor o silêncio?

E, qual o ponto aceitável entre estes dois polos diametralmente opostos?

Este é o debate que vamos enfrentar nas próximas décadas deste já controverso milênio.

Oswaldo Pereira

Agosto 2020

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

O ANO SEM

 



O ano sem.

Sem gente nos estádios, sem gente nas praias.

Sem Fórmula 1 em Mônaco. Ou em Interlagos. Sem fogueiras de São João.

Sem busca-pé.

Sem Olimpíada.

Sem Reveillion. Sem festas de aniversário, sem Dia dos Pais. Ou das Mães.

Sem baile das debutantes. Nem a valsa das formaturas.

Sem buquê de noiva. Sem bolos e bemcasados.

Sem horários de escritório, sem camelôs.

Sem inferninhos, strip-teases. Sem filmes novos.

Sem estreia de novelas.

Sem teatro.

Sem shows, sem cantores. Sem atores.

Sem circos e palhaços.

Sem sorrisos abertos aos ventos.

Sem apertos de mão.

Sem beijos de avós. Ou carinho de netos.

Sem salas de aula. Sem recreio.

Sem desfiles militares.

Sem a rotina dos bares.

Sem o barulho das churrascarias. Ou das pizzarias.

Sem o cineminha à tarde.

Sem os apertos anônimos nas baladas.

Sem sexo avulso. Sem motéis.

Sem visitas para jantar.

Sem palmadinha nas costas. Sem abraços.

Sem missas.

Sem cruzeiros no Caribe.

Sem gritinhos na montanha-russa.

Sem forró. Sem roda gigante...

 

2020. O ano que precisa acabar...

 

Oswaldo Pereira

Agosto 2020