terça-feira, 18 de agosto de 2020

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 

Liberdade de expressão é o assunto que, nos nossos dias, desperta acalorados debates. Se juntarmos isto ao por vezes ridículo e exagerado politicamente correto, temos um caldo quase tóxico. Se, ainda, jogarmos dentro da panela o fantasma das fake news e o vilipendiado discurso de ódio, o caldo vai engrossar e desandar numa enxurrada interminável de definições filosóficas (e outras nem tanto) sobre os limites que deveriam, ou não, pautar o nosso direito de proferir, comunicar e divulgar a nossa opinião.

Meu primeiro contato com o conceito de liberdade de expressão, ainda em criança, foi na frase dita em voz imperial por minha mãe. Quem diz o que quer, ouve o que não quer. Pronto. Aí estava o conceito de que precisava e com o qual convivi pelos anos seguintes.

Mas, saindo desse ambiente familiar de provérbios, a prerrogativa ao livre discurso foi, desde as primeiras reuniões tribais da humanidade, um tópico nebuloso e por vezes encarado como uma perigosa rebeldia. As primeiras civilizações dependiam sempre de um líder que, para exercer sua autoridade, nem sempre estava predisposto a ouvir críticas e questionamentos.

Aí, muita gente levanta o dedo e cita os gregos. Ah! a Grécia da Democracia, as ágoras vibrando com as tiradas dos filósofos, livres e soltos para expor suas teses, suas antíteses e suas sínteses.

Menos, gente, menos...

A coisa não era exatamente assim. Não se esqueçam que o vocábulo tirano vem de lá e que Sócrates (sim, ele, o nosso herói desde os bancos escolares) foi obrigado a sorver uma caneca de cicuta porque sua arenga contra os deuses não caiu bem nos ouvidos de quem de direito.

A Pax Romana era pax só para quem concordasse com o César de plantão ou com seus senadores de fachada. Na Idade Média, a fogueira dos autos de fé estava à espera de todo aquele incauto que discordasse da cartilha do clero.

Renascença? Well, coitado de quem, cansado de olhar pelo canudo de um telescópio, proclamasse que a Terra era redondinha como uma laranja. Galileu e Giordano Bruno que o digam.

Como disse o “sábio” brasileiro que escolheu o título português para o filme americano Giant, assim caminha a Humanidade.  Reis absolutistas, antes e depois de Bonaparte, gostavam de minuetos, cabeleiras brancas e pó-de-arroz, porém jamais de uma piada de mau gosto contra seu governo.

Foi só a partir do final do século XVIII, com a Revolução Americana e a assinatura da constituição do novo país, que o túmulo a que a liberdade de opinião fora relegada entreabriu sua tampa. Mesmo assim, em termos e só em alguns afortunados pontos do globo terrestre.

E assim ela veio, até os dias de hoje. Erguendo a cabeça às vezes e sendo abatida logo depois. Surgindo como uma flor radiante em algum país e sendo decepada do outro lado da fronteira. Nunca geral, nunca perene, nunca universal.

De uns tempos para cá, entretanto, ela encontrou as frestas por onde escapar, os filetes de canais que a levaram a emergir e, eventualmente, espraiar-se numa inundação libertária nunca antes experimentada. A Internet. Se a mitologia grega ainda vigorasse, a World Wide Web seria uma deusa alada. Sob suas asas, com um celular na mão e um app instalado, qualquer mortal se tornou um arauto.

E esta é a grande discussão do nosso presente. Como controlar esta voz? É indispensável controlá-la? Se afirmativamente, por quais critérios? Quem vai defini-los? Estaremos confundindo proteção com tutela? Legitimidade com arbitrariedade? Direitos inalienáveis com concessões políticas?

Dizem que todo argumento somente prova sua validade se levado ao extremo. O que é mais válido? Deixar todo mundo falar o que pensa, com todo o caos de injúrias, mentiras, difamações, calúnias e desinformação? Ou calar toda manifestação, aplicar mordaças e censuras, impor o silêncio?

E, qual o ponto aceitável entre estes dois polos diametralmente opostos?

Este é o debate que vamos enfrentar nas próximas décadas deste já controverso milênio.

Oswaldo Pereira

Agosto 2020

10 comentários:

  1. Diante das atuais circunstâncias, as voltas com um Poder fantasmagórico, essa humanidade num mundo dominado por coisas tais como o Google falar ou até pensar em livre arbítrio ou liberdade de expressão tornou-se uma metáfora, pra não dizer uma piada de mal gosto, ou até mesmo, uma doce ilusão.

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  3. É verdade que não há como se concordar com o fato de que tudo pode ser dito ou escrito. Acontece que nossa legislação já prevê como contornar e punir os exageros quando ofensivos. O politicamente correto anula toda a liberdade de expressão. Então entre o caos das falas sem controle e o amordaçamento das vozes, continuo preferindo a primeira. Foi assim até agora e o mundo sobreviveu bem e soube tratar as diferenças.

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    1. O ideal seria que o povo tivesse discernimento bastante para reconhecer a verdade e descartar a mentira. Mas, para isso tem de se elevar o nível educacional a níveis nem sempre desejado pelo poder.

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    2. E verdade Oswaldo. Mas teremos que aguardar algumas gerações até que isso se realize. A nossa geração teve sorte por ter vivido uma época em que a educação e a formação eram valorizadas.

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  4. Mentem no passado. E no presente
    Passam a mentira a limpo. E no futuro mentem novamente.
    Mentem fazendo o sol girar em torno à terra medieval/mente. Por isto, desta vez, não é Galileu quem mente.
    mas o tribunal que o julga herege/mente.
    Mentem como se Colombo partindo do Ocidente para o Oriente
    pudesse descobrir de mentira um continente.
    Mentem desde Cabral, em calmaria, viajando pelo avesso, iludindo a corrente em curso, transformando a história do país num acidente de percurso.
    Afonso Romano de Santana

    Se todos mentem como definir as liberdades de expressão? O que é falso ou verdadeiro?Quem deve regular? Difícil mesmo de encontrar um equilibro aliás em quase todas as questões humanas.
    bjs Zezé









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    1. Muito bom, Zezé. O problema é mesmo esse. O que é a verdade, senão a interpretação que uma pessoa dá a um fato. Podemos ver mesma coisa e no mesmo momento, mas o que eu relatarei dele será certamente diferente do seu relato. Qual será o verdadeiro? Provavelmente, nenhum deles...

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  5. Tanto de bom como de forte este seu escrito, também por obrigar, cada qual, a um percurso de "profundezas" mais importante do que a melhor contraposição dialética.
    Parabéns.
    Abraço
    José

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