terça-feira, 17 de setembro de 2019

DEMOCRACIA




“Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos... e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!”

Este é o texto do twitter que Carlos Bolsonaro, filho do Presidente brasileiro, postou há dias, desencadeando uma tempestade de críticas raivosas na imprensa e comentários ácidos que iam ao extremo de ver nesses dois parágrafos uma indiscutível apologia dos regimes de exceção. Li, reli e li outra vez a mensagem tuitada. E não pude deixar de imaginar quais seriam as reações de ranger de dentes se ele tivesse postado, por exemplo, o seguinte:
“A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.”
Ou ainda:
“A democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes.”

Para aqueles que ainda não as reconheceram, estas frases foram ditas por dois grandes pensadores. A primeira é de Winston Churchill. A segunda, de George Bernard Shaw. São citadas e repetidas vezes sem conta, sempre com reverência à acuidade intelectual de ambos seus criadores.

O problema é que Democracia não é só a visão romântica das praças da Grécia Antiga, o povo reunido em torno de Péricles votando se a Acrópole devia ou não ser construída. Democracia, ou o seu pleno exercício, exige mais do que dá. Demanda muitas coisas. Educação e fervor cívicos. Interesse perene pelas coisas públicas, a “eterna vigilância” definida por Thomas Jefferson, a consciência do poder do voto, a cobrança inesgotável, o acompanhamento incansável. Pelo que me é dado ver e ouvir nestes atribulados dias e por este atribulado planeta, na maioria das sociedades políticas atuais, esses atributos inexistem. Em grande parte do mundo dito democrata, a Democracia é apenas uma fantasia, um simulacro, uma pantomima.

Tomemos Portugal, por exemplo. A grande preocupação dos analistas políticos daqui não é especialmente com o resultado das eleições legislativas do próximo dia 6. É com a abstenção. No pleito de 2015, ela foi de 44%. Ou seja, quase metade do eleitorado português renunciou ao seu direito de escolher seus representantes. No meio do ano, para o Parlamento Europeu, esta renúncia chegou a 70%. Em toda a Europa, há um desencanto com o voto e, por consequência, um alargado distanciamento entre o povo e seus representantes.

No Brasil, com o regime de voto obrigatório, a abstenção é forçosamente pequena, mas a qualidade do voto também é. Por vários anos, grande parte dos brasileiros desincumbiu-se da “chatice” de ir às urnas num dia de praia com enfado e inconsciência. Muitos, minutos depois de apertar os botões das urnas eletrônicas, sequer se lembravam do nome de seu candidato.

Democracia não é só liberdade de votar. Democracia pressupõe, em primeiro lugar, o desejo de votar e a preparação consciente para identificar aquele que esteja mais apto para defender as ideias de quem o escolhe. Representatividade é a palavra-chave da vida democrática. Além da escolha qualificada, a representatividade só se mantem pela proximidade entre eleitor e eleito, pela observação diária, pela cobrança permanente. Votar e virar as costas é delegar um direito que não deve ser alienado.

Dá trabalho? Evidentemente.  Mas, toda vez que uma sociedade escolhe refestelar-se na preguiça institucional, no dar de ombros, a Democracia passa a ser escrita com d minúsculo. Uma coisa menor.

Oswaldo Pereira
Setembro 2019

11 comentários:

  1. Erros de digitação não toleráveis. Mas o que eu apaguei agora refaço.

    Silêncio no pleito
    Silêncio no peito

    Vai ser bom, observarmos estes silêncios.

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    1. Mas, deve haver um jeito
      De soltar a voz
      O silêncio é o algoz
      A foz, o fim
      Um sonho desfeito...

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    2. Bem dito.

      Observar o silêncio não implica em silenciar.

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  2. Penso que ainda necessitaremos de muitos anos para alcançar esse estágio de compreensão da verdadeira democracia. A percepção de que na democracia todos temos direitos, mas sobretudo deveres, anda bastante distante. Penso porém que estamos num momento de um despertar do civismo, sentimento muito importante para acreditarmos ser possível, sim, contribuir na busca por um país melhor. É uma pequena luz que se acende.

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    1. Tentativa e erro. E nova tentativa. Este, dizem, é o caminho da perfeição. Porém, quanto tempo?...

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  3. Cada um tem a visão do que acontece. Só sete meses de governo saindo de tempos do "cada um faz o que quer". Acredito na democracia e não perdi a esperança de um melhor governo. Temos excelências dando seu tempo,seu trabalho,sacrificando suas famílias e nunca vi o povo tão otimista. Porque não esperar um pouco.Tantas coisas já estão acontecendo. Homens cultos e capacitados não deixariam o que faziam para servir a esse governo. Temos que admitir que estávamos no caos.....

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    1. A grande conscientização política no Brasil está acontecendo graças às redes sociais. E isto é um bom sinal. Mas, é preciso levar esta participação para as urnas. É lá, afinal, que se decide o futuro do país, na escolha eleitoral de prefeitos, governadores, vereadores, deputados e senadores. Um Presidente, sozinho, não pode fazer tudo.

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