terça-feira, 24 de setembro de 2019

PAPO DE BAR: CARNE DE VACA



«Estou cada vez mais encantada com Portugal...»
«Não me diga que você vai ajudar a engrossar o êxodo de brasileiros para lá...»
«Ué...talvez. Mas, não é sobre isto que eu queria falar. É sobre a notícia que li ontem. O Reitor da Universidade de Coimbra proibiu a venda de carne vaca nas cantinas. Não é fantástico?...»
«Fantástico?! Bem, não vi nada de fantástico. Vai ver é porque servir bolinhos de tofu e saladinhas deve sair mais barato aos cofres da Universidade do que bifes...»
«Deixe de ser o cínico de sempre, Cezar. Não tem nada a ver com custos. É uma maneira de reduzir o consumo carne bovina e ajudar o planeta. O metano liberado pelo gado vacum é um dos grandes poluidores da atmosfera. O próprio governo português já tem planos de reduzir o rebanho do país em 30% até 2050. De novo, não é fantástico?»
«Já vi tudo, Antônia. Você continua a entrar nessa onda do apocalipse climático. Não vê que isto é uma grande bobagem? Mesmo que Portugal mandasse matar todo o seu rebanho, isto seria cagagésimo da população mundial de bois e vacas. E os rebanhos da Argentina, dos Estados Unidos? Não me consta que os argentinos estejam se preparando para abolir a parillada, ou os americanos o seu querido barbecue dominical. Para não falar na Índia, onde o animal é sagrado. Centenas de milhões deles vagam livres e intocados pelo continente indiano, a depositar suas fezes onde bem entendem. Que me perdoe o douto Reitor de Coimbra, mas isto é inócuo.»
«Não é. E é isto que você não entende. Não interessa a quantidade. É um exemplo. Uma mensagem. Qualquer ajuda serve. Cada um tem de dar o seu contributo, mesmo pequeno, para salvar a Terra.»
«Às expensas do pobre estudante que vai ficar sem o seu prego na frigideira...»
«Ora, se ele não pode passar sem isto, que vá ao restaurante mais próximo.»
«Não é bem por aí, Antônia. As cantinas universitárias não são uma rede de lanchonetes em que o gerente pode decidir o menu. Foram destinadas a prover refeição subsidiada aos alunos. A maioria depende disto para manter seu parco orçamento e tem direito a um cardápio que procure atender a todas as preferências.»
«Mesmo que isto ponha em risco a humanidade?»
«Risco?! Pelo amor dos meus gatinhos, que risco, Antônia? O grande poluidor não são nem o gado e nem o metano. É o CO2. Noventa porcento da poluição atmosférica vêm da queima de combustíveis fósseis. O problema não é a vaca. É o carro. São as grandes centrais elétricas movidas a petróleo. E isto dentro o conceito discutível de que a ação do homem é que está mudando o clima...»
«Como é que é? Eu não acredito que você ainda tenha dúvidas sobre este assunto. Hoje mesmo na ONU todos os dirigentes mundiais estão concentrados em encontrar soluções que diminuam a agressão humana ao meio ambiente. E com os ouvidos abertos à pregação justamente enfurecida daquela menina norueguesa...»
«Sueca. Greta Thunberg é sueca. E, do meu ponto de vista, acho seu discurso meio exagerado. É emoção demais, apelos demais, até tranças demais... Sei não...»
«Meu Deus. Você está parecendo o Trump...»
«Não estou querendo insinuar coisa alguma, mas a mãe dela é ativista da extrema esquerda. Quem será que escreve os seus discursos?»
«E qual é o problema? O que ela diz, com ou sem interesses por trás, é verdadeiro. Algo tem de ser feito. E já.»
«Concordo. Que tal voltar a incluir um lombinho de vitela ao molho barbecue nos cardápios de Coimbra?...»

Oswaldo Pereira
Setembro 2019

terça-feira, 17 de setembro de 2019

DEMOCRACIA




“Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos... e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!”

Este é o texto do twitter que Carlos Bolsonaro, filho do Presidente brasileiro, postou há dias, desencadeando uma tempestade de críticas raivosas na imprensa e comentários ácidos que iam ao extremo de ver nesses dois parágrafos uma indiscutível apologia dos regimes de exceção. Li, reli e li outra vez a mensagem tuitada. E não pude deixar de imaginar quais seriam as reações de ranger de dentes se ele tivesse postado, por exemplo, o seguinte:
“A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.”
Ou ainda:
“A democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes.”

Para aqueles que ainda não as reconheceram, estas frases foram ditas por dois grandes pensadores. A primeira é de Winston Churchill. A segunda, de George Bernard Shaw. São citadas e repetidas vezes sem conta, sempre com reverência à acuidade intelectual de ambos seus criadores.

O problema é que Democracia não é só a visão romântica das praças da Grécia Antiga, o povo reunido em torno de Péricles votando se a Acrópole devia ou não ser construída. Democracia, ou o seu pleno exercício, exige mais do que dá. Demanda muitas coisas. Educação e fervor cívicos. Interesse perene pelas coisas públicas, a “eterna vigilância” definida por Thomas Jefferson, a consciência do poder do voto, a cobrança inesgotável, o acompanhamento incansável. Pelo que me é dado ver e ouvir nestes atribulados dias e por este atribulado planeta, na maioria das sociedades políticas atuais, esses atributos inexistem. Em grande parte do mundo dito democrata, a Democracia é apenas uma fantasia, um simulacro, uma pantomima.

Tomemos Portugal, por exemplo. A grande preocupação dos analistas políticos daqui não é especialmente com o resultado das eleições legislativas do próximo dia 6. É com a abstenção. No pleito de 2015, ela foi de 44%. Ou seja, quase metade do eleitorado português renunciou ao seu direito de escolher seus representantes. No meio do ano, para o Parlamento Europeu, esta renúncia chegou a 70%. Em toda a Europa, há um desencanto com o voto e, por consequência, um alargado distanciamento entre o povo e seus representantes.

No Brasil, com o regime de voto obrigatório, a abstenção é forçosamente pequena, mas a qualidade do voto também é. Por vários anos, grande parte dos brasileiros desincumbiu-se da “chatice” de ir às urnas num dia de praia com enfado e inconsciência. Muitos, minutos depois de apertar os botões das urnas eletrônicas, sequer se lembravam do nome de seu candidato.

Democracia não é só liberdade de votar. Democracia pressupõe, em primeiro lugar, o desejo de votar e a preparação consciente para identificar aquele que esteja mais apto para defender as ideias de quem o escolhe. Representatividade é a palavra-chave da vida democrática. Além da escolha qualificada, a representatividade só se mantem pela proximidade entre eleitor e eleito, pela observação diária, pela cobrança permanente. Votar e virar as costas é delegar um direito que não deve ser alienado.

Dá trabalho? Evidentemente.  Mas, toda vez que uma sociedade escolhe refestelar-se na preguiça institucional, no dar de ombros, a Democracia passa a ser escrita com d minúsculo. Uma coisa menor.

Oswaldo Pereira
Setembro 2019

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

ANTIGAMENTE ERA MELHOR?



Um mundo louco, alguns, ou muitos, dirão. Lutas fratricidas na Síria, talibãs no Afeganistão, Maduro na Venezuela. Trump liderando o país mais poderoso do planeta confiando apenas nos volteios de seus neurônios e nos 140 caracteres de seus twitters, rasgando acordos, jogando quedas de braço com a China, com o Irã, com Kim Jong-un. O velho leão da Ilhas Britânicas tentando, em vão, rugir como no século XIX, enquanto afunda suas patas cansadas no atoleiro do Brexit. Putin sonhando com Ivan, o Terrível, e vendo-se Tzar ao olhar para o espelho dourado do Kremlin. Profundas trincheiras ideológicas na Itália, na Espanha, no Brasil.

Mundo louco... Sim, e os saudosistas acrescentam, seus olhos molhados pela saudade do passado. Ah! no meu tempo..

Permitam-me contrariá-los, caros amigos. Há 80 anos, num mês de setembro ainda verdejando o verão no Hemisfério Norte, dava-se início a uma hecatombe sem precedentes na história humana. Embates ideológicos, comerciais e sociais, os mesmos problemas que hoje nos afligem, eram estopins de um imenso barril de pólvora, acesos com a invasão alemã à Polônia. Todos jogaram-se de cabeça num redemoinho sem volta, entregando-se a uma destruição insensata de vidas e de sonhos. Países destroçados, cicatrizes de atrocidades inomináveis por toda a parte. 50 milhões de mortos, civis em sua maioria.

Era assim que as divergências, as contendas, as disputas, os desacordos eram resolvidos até a metade do século XX. Com tanques, exércitos, belonaves, aviões e bombas. Muitas bombas. Até os cogumelos atômicos de Hiroshima e Nagasaki.
E, mais do que a hipotética magnanimidade dos donos do poder ou um improvável surto global de bom senso, foi o medo atômico que passou a segurar as tropas em seus quartéis. Foi a conscientização de que numa guerra nuclear todos perderiam, o grande preventivo.

Pelo bem ou pelo mal, com raras exceções regionais, vivemos em paz. As bravatas de Trump e as contra-bravatas de Putin vão para o lugar comum das manchetes mundiais. Os soldados são outros, são os CEO’s das megaempresas, os master analistas dos mercados financeiros, banqueiros mais poderosos do que imperadores romanos. E, há mais. As batalhas comerciais estão saindo de cena. A guerra já está sendo cibernética. A dominação será exercida pela capacidade de controlar a informação e disseminá-la com a velocidade da luz. Corações e mentes, para não falar em mercados e fortunas, serão conquistados ou perdidos na tela de um celular. Pode ser desconfortável pensar nisto. Mas, ainda é melhor do que ver um tanque entrando pela minha rua...

Oswaldo Pereira
Setembro 2019