O sol pouco aparece. E, quando o faz,
nos acena de longe. O vento, este está sempre presente, o bastante para
revoltar os cabelos e entortar guarda-chuvas mais baratos. E a chuva. No
decorrer de uma típica hora primaveril escocesa, os três se vão revezar sucessivamente.
Preparados para tudo, é assim que devemos andar pelas charmosas ruas de
Edimburgo. A melhor previsão dos humores do tempo termina sempre com a palavra
“mixed”. Ou seja, um pouco de tudo.
Mas, esta é a proposta. A capital e o
país ficam melhor assim, emoldurados pelas nuvens eternas, molhados pela garoa
fina que produz campos de um verde infinito, afagados pela ventania que
serpenteia nas passagens estreitas e pelas praças. Assim é a Escócia, uma terra
de tradições arraigadas em seus magníficos vales, de gente empedernida e forte
como os rochedos de sua costa nortenha, de rebanhos em pastagens de infinita
verdura, de uma história povoada de heróis e lendas.
E a história está em todo lugar por onde
se ande.
Ocupada pelos romanos no século I, a
região entrou na Idade Média povoada pelos celtas, cuja cultura predominou
sobre a influência de algumas tribos menores e as sucessivas invasões
viquingues. Mas foi a permanente turbulência de seus conflitos com os
anglo-saxões ao sul que desenhou a principal característica de sua crônica
medieval. Foram várias batalhas, vários confrontos, que eternizaram os nomes de
William Wallace, de Robert the Bruce, de Rob Roy. A sua própria independência
viu-se, às vezes, posta em causa pela rivalidade dos clãs. E pela disputa
enraivecida entre Elizabeth I e Mary Stuart. Finalmente, no início do século
XVIII, a Escócia uniu-se à Inglaterra na criação do Reino Unido. E lá está até
hoje.
Edimburgo
CASTELO DE EDIMBURGO |
Com cerca de 550 mil habitantes e uma
área histórica concentrada, Edimbra,
como a chamam os da terra, é uma cidade ideal para se andar a pé. Da Princess
Street, onde está o melhor da zona comercial, até a extensa rua chamada Royal Mile, é um pulo. E dali é só subir
em direção ao Castelo. Construído em cima de um vulcão extinto chamado Castle Rock (e aí, galera do Game of Thrones, já viram onde George Martin foi buscar inspiração?), é o ícone turístico da cidade. Vale o passeio,
a vista e a história encrustada nas pedras negras dos muros e das ameias.
Dentro, estão dois museus militares e um memorial, testemunhas do envolvimento
escocês nas batalhas travadas pelo Reino Unido. Só nas duas guerras mundiais,
foram mortos mais de 180.000 filhos da terra.
Perto fica a impressionante Catedral de
Saint Giles. Um pouco mais para leste, o Palácio de Holyrood, onde Mary Stuart
viveu o período mais determinante de sua vida. Lá, ela tentou ser rainha. Não
conseguiu. E, como ninguém é de ferro, depois de encharcados de história e
salpicados pela chuva, nada melhor do que um acolhedor pub e um copo do supremo tesouro nacional. O whisky.
Esta mistura de cevada, água e fermento,
processada por destilação, apareceu na Escócia lá pelo final do século XV. Seu
primeiro registro é uma encomenda feita a um frei chamado John Cor para fabricar
500 garrafas de uisge beatha, o nome
celta para água da vida. De início,
só os mosteiros tinham autorização de produzir a bebida para uso medicinal.
Entretanto, como o remédio era bom demais, logo um mercado mais imaginativo foi
surgindo e os saxões, que não conseguiam falar corretamente uisge beatha (pronuncia-se uishguebau), o simplificaram para seu atual
nome. Hoje, existem mais de 90 grandes destilarias na Escócia. E um mercado planetário.
Highlands
A população da Escócia é de 5,4 milhões
de habitantes, fortemente concentrada na parte central do país, no eixo Edimburgo/Glasgow.
Isto faz com que nas outras regiões existam grandes espaços verdes. Viaja-se
por largo tempo sem se ver uma povoação. Só pastagens. E ovelhas, carneiros e
vacas.
Nas Highlands,
as Terras Altas, que compõem a parte setentrional do país, não é diferente. Aí também
estão os glens, os acentuados vales,
desenhados entre picos sempre enevoados, que nos trazem os contos de clãs em
eternas disputas territoriais, suas lendas medievais, seus castelos misteriosos,
seu vento cortante. Também aí estão os lochs,
os lagos de água impenetrável. É quase obrigatório um passeio de barco no Loch Ness e curtir a esperança de ver o
mítico monstro emergir da superfície escura.
LOCH NESS |
É a região fronteiriça. Com a Inglaterra,
claro. E, por isso mesmo, o cenário dos grandes conflitos dos escoceses com
seus incômodos vizinhos. Como não há qualquer grande obstáculo natural entre os
dois países, os embates eram frequentes, determinados pelo incessante desejo
dos saxões em dominar o norte da ilha. No final do século XIII e no início do
seguinte, este desejo era personificado pelo rei inglês Eduardo I. Mas, seus
sonhos foram contrariados por dois legítimos heróis. William Wallace e Robert the Bruce. Nas batalhas de Sterling Bridge e Banockburn,
os escoceses levaram a melhor e reafirmaram sua independência. Os sítios
históricos estão abertos à visitação.
Se quisermos visitas mais amenas, há
dois edifícios religiosos merecedores de uma vagarosa descoberta. Um, é a
Capela de Rosslyn. Fundada em 1446
por Sir William St. Claire e dotada de um minucioso trabalho em pedra em seu
interior, cheio de figuras intrigantes e de simbolismo quase esotérico, a
capela ficou ainda mais famosa depois que o escritor Dan Brown a incluiu na
parte final de seu livro “O Código Da Vinci”.
Outro, é a Abadia de Melrose, construída
no início do século XII pelos monges cistercienses e onde foram enterrados
vários reis escoceses. Afirmam que uma caixa contendo o coração de Robert the
Bruce está lá. Em algum lugar.
Esta é a Escócia que vi. Um destino
certo.
Oswaldo
Pereira
Junho
2019
Incrivel como sempre....
ResponderExcluirValeu, prima.
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ResponderExcluirDà vontade de visitar, com seu relato surpreendente!Abraços
Não deixe de ir. E informar o Departamento de Turismo escocês da minha propaganda gratuita.....
ExcluirÉ o meu maior desejo atualmente. Vamos ver se consigo. Junho é a melhor época, certamente. Obrigada,
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