quarta-feira, 22 de maio de 2019

THE END




Já que acabou a mini “quarentena” de três dias após o término do último episódio e que entrados estamos no período aberto a spoilers, chegou a hora das avaliações.

Como todos os meus parcos, mas abnegados, leitores já sabem, eu fui (e sou), desde a primeira hora, um juramentado seguidor da mais badalada série televisiva de todos os tempos. Assisti a todas as temporadas (a maioria delas vi e revi) e li todos os cinco livros da obra que as inspirou, A Song of Ice and Fire (Uma Canção de Gelo e Fogo), magistralmente escrita pelo “bruxo” George R. R. Martin.

Game of Thrones bateu todos os recordes de audiência em todo o planeta e conseguiu envolver milhões de fãs na teia de um fervor quase religioso. Foram muitos os polos de atração. Primeiro, o cenário. As brumas da Idade Média sempre tiveram seu lugar mágico no imaginário das gentes, com seus castelos, reis, rainhas, duendes, cavalos e lanças. GOT acontece numa Idade Média milenar, desenrolada numa tapeçaria de brasões, cavaleiros, feiticeiras e dragões. Depois, o fumegante caldeirão de conflitos humanos, onde uma luta insana pelo Poder desperta toda a gama de sentimentos, do amor ao ódio, da lealdade à traição, da submissão à vingança.  Em terceiro lugar, o roteiro rápido, de diálogos candentes como flechas de fogo, a trama inquieta que aniquilava sem dó nem piedade personagens pelos quais começávamos a torcer. A frase em Alto-Valiriano, Valar Morghulis (todos os homens devem morrer), uma espécie de mantra basilar da série, nunca foi levada tão a sério. A seguir, jogue-se em cima disto tudo fartas doses de sexo, onde abuso, incesto, prostituição e homossexualidade derramavam-se sobre a linha mestra da história como um complemento natural. Afinal, era Idade Média ou não? Finalmente, amarre-se este pacote todo numa embalagem visual jamais vista num trabalho para a telinha.  A Direção de Arte de Game of Thrones ganhou, merecidamente, todos os prêmios à disposição. De cenas de alcova até os campos de batalha, passando por desfiladeiros gelados, mares em procela, desertos de pedra, campinas bucólicas, cidades entre muros e salões reais, imagens, cores e detalhes contribuíram, e muito, para o monumental sucesso da produção.

E então, após 8 temporadas e nove anos, eis-nos frente à frente com o episódio final. Os cellos da abertura pareceram até mais pesados e mais solenes que o normal. Seria a derradeira vez que ouviríamos a vinheta musical no início de um capítulo inédito.

Mas, antes de aí chegarmos, a oitava temporada já havia causado torcidas de nariz. A rigor, desde quando os produtores David Benioff e D. B. Weiss haviam ultrapassado o último livro escrito por Martin na sexta temporada (Martin parou no quinto livro. Segundo ele próprio, por preguiça...), que algumas tribos de seguidores já haviam reclamado. Agora, entretanto, as vozes aumentaram. Acho natural. Ao longo de todos esses anos, cada um de nós foi criando sua versão própria para o desfecho. E, à medida que o roteiro daí se desviava, uma certa decepção cutucava a audiência.

Assim, mesmo tendo sentido um leve tremor na minha fé de admirador em algumas cenas do quinto episódio (achei a luta entre Jaime Lannister e Euron Greyjoy muito faroeste demais e a reação final de Cersei meio incompatível com o caráter delineado ao longo da trama), cheguei ao capítulo sexto com minha devoção intacta.

E não me arrependi.

Cheio de simbolismos (inclusive com a engraçada apresentação de Samwell Tarly a Tyrion Lannister de um livro intitulado A Song of Ice and Fire...) e citações históricas (a cena de Daenerys Targaryen proclamando que iria conquistar o mundo, de cima de um palanque e com os Imaculados formados embaixo, enquanto uma chuva de cinzas cai, lembrando Hitler e os fornos crematórios), o encerramento deu-se num tom intimista e solene. Se pensarmos bem, cada um teve o destino que procurava ou merecia, inclusive a Mãe dos Dragões. A cena final, com Arya Stark, talvez a personagem mais forte da saga, partindo para o desconhecido e para o futuro é bastante emblemática. E abre a porta para um universo de spinoffs.

Que, espero, não aconteçam. Acho que George Martin pensa igual...

Oswaldo Pereira
Maio 2019

segunda-feira, 13 de maio de 2019

CENÁRIO DE GUERRA



Atravessa-se o Atlântico e é como se um protetor de ouvidos amortecesse os sons. O eco das vozes enraivecidas perde-se na distância, ainda que o Face insista em avivá-las. Mas, apesar da lonjura arredondar as imagens, é na relativa quietude política de Portugal que se evidencia a excessiva polarização da vida partidária brasileira.

Não que aqui seja uma mansidão republicana. Este é um ano de eleições legislativas, aquelas que decidem a formação do Parlamento e, por consequência, quem vai ocupar o cargo de Primeiro Ministro. Há várias décadas, Portugal vem sendo governado por um pêndulo que oscila entre o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD). Em que pese alguma divergência, principalmente na escolha das alternativas fiscais e orçamentárias, há uma grande convergência na adoção da social democracia, regime, aliás, de eleição de quase todos os países do bloco europeu. Os partidos à esquerda e à direita desse espectro servem apenas como contraponto e têm um breve protagonismo quando compõem alianças com os partidos maiores.

É claro que há discursos inflamados, acusações de má administração de parte a parte, embates no Congresso, tricas e futricas na imprensa. Mas a margem de antagonismo é estreita. No fundo, os princípios básicos da organização do Estado e o arcabouço do funcionamento da máquina governamental não estão em causa. O ajuste é fino, o balançar do pêndulo de somente alguns graus.

Comparado a isto, o Brasil é hoje um cenário da Grande Guerra. O campo das opiniões é um teatro de trincheiras opostas, que se encaram no dia a dia das redes sociais. Há tiroteio entre partidos, morteiros cruzando o ar no Judiciário, sabotagens e artilharia pesada em vários escalões, terrenos minados por toda a parte.

Só que, contrariamente à Primeira Guerra Mundial, terminada em novembro de 1918 com a vitória da França e seus aliados, a nossa, do jeito que está, não terá vencedores. Mas, certamente, terá um perdedor. O Brasil.

Oswaldo Pereira
Maio 2019

quinta-feira, 2 de maio de 2019

TORCIDA CONTRA



O brasileiro continua me surpreendendo. Dois recentes episódios de nossa cena pública deixaram-me aturdido e extremamente confuso na hora de explicar o país àqueles que não são de cá.

No primeiro, o Presidente Bolsonaro pediu à Petrobrás que adiasse o reajuste de 5,7% do óleo diesel, com receio de que o aumento provocasse nova insatisfação nos caminhoneiros. É bom lembrar que, no ano passado, uma greve prolongada do setor causou imensos problemas ao país, como desabastecimentos e perdas na produção e na exportação, inclusive sendo responsável pela redução do PIB. Imediatamente, imprensa e oposição levantaram-se contra Bolsonaro, acusando-o de “intervencionismo” e, como numa reação esperada do mercado, as ações da empresa caíssem, de ter causado um “prejuízo” de R$32 bilhões à Petrobrás. Até Miriam Leitão, uma reputada colunista de Economia, abriu suas baterias. O que muito me espanta, porque é inadmissível que uma jornalista desse calibre confunda movimentações do mercado de ações com perda efetiva. Dias depois, as ações haviam retornado aos patamares normais. O interessante é que nunca vi Miriam Leitão vociferar contra o saque perpetrado pelo PT, que desviou (isto sim, um real prejuízo) bilhões de dólares dos cofres da empresa.

No segundo, Bolsonaro, num encontro com representantes do agronegócio, sugeriu (até em tom de brincadeira, como ele próprio definiu no momento) que o Banco do Brasil diminuísse os juros dos empréstimos bancários aos agricultores. Nova reação enfezada da imprensa e da oposição.

Mas, a redução dos preços do combustível e no valor dos juros não foi sempre uma reivindicação do povo? Por que, diabos, estão contra?

Em outra polêmica, vários setores insurgiram-se contra a declaração de Bolsonaro, em que ele determinou a flexibilização da posse de armas para os proprietários agrícolas, num país em que o MST (Movimento dos Sem Terra) tem protagonizado invasões de terras produtivas e ocupadas por seus donos. Esqueceram-se de ler o Código Civil. Lá está consagrada a autotutela territorial, isto é, a prerrogativa legal que todo proprietário tem de defender seu próprio imóvel contra esbulhos, ameaças e ataques, inclusive pela força (lá escrito, é só conferir).

É pena constatar que há milhões de brasileiros que torcem contra, que querem ver o circo pegar fogo, que professam o “quanto pior, melhor”.

Isto não pode dar certo. E fica difícil de explicar.

Oswaldo Pereira
Maio 2019