quinta-feira, 29 de março de 2018

PERGUNTAS







Uma das perguntas mais famosas da História foi proferida em 63 a.C. pelo senador romano Marco Túlio Cícero. Quousque tandem Catilina abutere patientia nostra? (Até quando Catilina abusarás da nossa paciência?), foi a pergunta de Cícero num dos quatro discursos que fez, acusando Lúcio Sérgio Catilina de conspiração para derrubar o Senado Romano.

Eu também tenho perguntas.

Por que Temer colocou as Forças Armadas numa fria, mesmo sabendo que elas não estão preparadas, não foram concebidas e nem constitucionalmente destinadas ao policiamento urbano?

Por que o Supremo Tribunal Federal decidiu julgar o habeas corpus de Lula, mesmo sabendo que não há nenhuma base jurídica para fazê-lo?

Por que alguns juízes desse mesmo Supremo insistem em dizer que se trata de um caso individual, quando até uma criança sabe que isto abrirá um guarda-chuva jurídico que irá beneficiar os condenados da Lava-Jato?

Por que o tema da prisão após a condenação em segunda instância, aprovada pelo Supremo em 2016 e considerada um marco na luta contra a impunidade, volta agora à pauta?

Por que a Lula, condenado em segunda instância e, sob todos os aspectos jurídicos, um ficha suja, é permitido promover uma ruidosa campanha eleitoral?

Por que a Polícia Militar do Rio insiste em adotar a tática do confronto, quando qualquer neófito em artes militares aprende que a conquista de posições elevadas se faz pelo cerco e não por um ataque frontal?

Por que até hoje, quase três semanas após o acontecido, não se chegou a qualquer pista sobre a execução de Marielle Franco e seu motorista?

Por que, afinal, a Justiça considera como punição as prisões domiciliares de condenados cujos domicílios são verdadeiros palácios de conforto e riqueza?

Oswaldo Pereira
Março 2018



segunda-feira, 19 de março de 2018

PERDENDO O FOCO



O que nos devia unir, está nos separando. O que a tecnologia da comunicação abriu para o mundo, em vez de lançar pontes, está cavando fossos. As redes sociais, cujo objetivo inicial era nos dar a sensação de estarmos juntos, de poder repartir instantaneamente com o maior número possível de amigos as sensações de um momento especial, vem-se transformando num campo de batalha, num canal onde despejam-se toneladas de veneno digital cuja virulência assusta. Em todo o planeta, os likes estão sendo substituídos por mensagens de ódio e agressão toda vez que um assunto polêmico vem dividir as opiniões ou questionar princípios.

Na já pré-histórica época em que a Internet era apenas um sonho de ficção científica, a comunicação, e um suposto confronto, fazia-se via carta, telefone ou pessoalmente. Na versão escrita, o trâmite podia levar, dependendo da distância entre os missivistas, tempo suficiente para que talvez a razão imperasse, e abrandasse o teor da confrontação. Via telefone, ou cara a cara, havia a uma proximidade que impedia, na maioria dos casos em função do receio de uma altercação verbal ou uma resposta física, um posicionamento mais contundente. Hoje, a volúpia de se estar no seguro de um quarto assombreado com um celular ou um notebook na mão pode transmutar uma pessoa que, no convívio social seja até um modelo de concordância, num avatar de truculência e agressividade.

É claro que isto não é novidade, mas no recente, e lamentável, episódio da morte da vereadora Marielle Franco, tenho percebido que a coisa adquiriu um perigoso viés de polarização, cujo exagero tem levado a uma onda de mensagens extremadas e acusações graves.

E isto, na minha modesta opinião, tira o foco da questão.

Todo mundo concorda que o assassinato de Marielle foi uma execução. E toda a execução tem dois ingredientes. Um motivo, que pode ser um interesse contrariado, uma disputa de poder ou uma vingança. E um mandante. E é também bastante óbvio que a mão que financiou este crime pertence a alguém que se julga acima e a salvo do aparato de segurança do Estado brasileiro.

Achar quem e por que, e com rapidez, é o que interessa. Senão, vai ficar esta sensação de que existe um poder mais alto e mais forte do que a Lei, a Ordem e o País. E aí, amigos, se isto for verdade, salve-se quem puder.

Oswaldo Pereira
Março 2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

STEPHEN HAWKING




SEJA CURIOSO!

Esta é uma de suas muitas frases. Uma exortação para que as pessoas se interessem por tudo que as cerca, o solo em que pisam, o ar que respiram. O Universo onde moram. Pela vida, enfim. Afinal, a vida foi um bem que o destino quase lhe escamoteou muito cedo. A doença que o afligiu costuma matar em pouco tempo. Mas, com ele foi diferente. Com ele, a curiosidade inata posta a serviço de uma férrea vontade de viver fê-lo desabrochar para a ciência. Uma flor imperfeita, talvez. Mas, mesmo assim, ou talvez por isto mesmo, magnífica.

Nascido no mesmo dia da morte de Galileu e morto no mesmo dia do nascimento de Einstein, ele iguala as efemérides em importância e conhecimento. Nasceu em Oxford e morreu em Cambridge, além de ter ocupado a mesma cátedra de Isaac Newton. Assim, à curiosidade e à tenaz capacidade de sobrevivência, temos de somar Predestinação. Stephen Hawking tinha de ser o que foi. Um dos maiores cientistas da História Moderna.

Sua notoriedade teve início com a publicação do livro “Uma Breve História do Tempo”. Afinal, teses e teorias científicas haviam sempre ficado além da compreensão do homem comum. Suas conclusões pertenciam ao reino dos salões acadêmicos, de senhores encasacados e iniciados sisudos, de grossos volumes de árido linguajar. Hawking quebrou esta chave. Seu livro aproximou o rarefeito do cotidiano, traduziu o patuá intrincado das publicações entendidas apenas pelos membros da Academia para uma linguagem de café da manhã.

Ao mesmo tempo, Stephen Hawking aprofundou suas pesquisas em física quântica, cosmologia teórica e, principalmente, sobre os buracos negros. Sua incansável atividade intelectual despertou uma continuada admiração nas comunidades científica e leiga. Tudo isto confinado numa cadeira de rodas e progressivamente perdendo sua batalha contra a esclerose lateral amiotrófica que o apanhara aos 21 anos. No final, só os movimentos de seus olhos eram capazes de assegurar sua comunicação com o mundo.

Mesmo assim, Hawking não era uma unanimidade. Muitos cientistas o acusaram de ter-se transformado mais num espetáculo midiático do que num sábio. Outros refutaram muitas de suas terias sobre o Universo e sua negação da existência do Bóson de Higgs (alguém sabe que diabos é isso?...)

Hawking, entretanto, já está no panteão dos deuses da ciência. Seus livros, suas aparições na mídia e sua inconfundível figura emblemática o perpetuarão no mesmo céu onde vivem Galileu, Einstein, Newton e outros pais da ciência.

Oswaldo Pereira
Março 2018


quinta-feira, 8 de março de 2018

SEU DIA É SEMPRE




Merecem tudo, é claro.

Se há quem duvide, que veja a paz infinita de uma primeira amamentação. Que ouça a prece silenciosa ao lado do leito de um filho enfermo. Que prove a lágrima de um orgulho espontâneo ou de uma ausência doída. Que tente entender o mistério da entrega total de uma mãe.

Se há quem discorde, que se lembre das bruxas inocentes em suas fogueiras. Que se espante com as mutilações de corpo e de alma. Que não ignore os cintos de castidade. Que não se esqueça dos séculos de desrespeito, de humilhações, de castração branca, de ignomínia, de preconceito.

Se há quem, ainda assim, não aceite, que ouça os clamores, as dores. As denúncias, as renúncias. A revolta justa.

E, hoje e para sempre,

Admire-as, mas sem compaixão ou pedestal. Não precisam. São 
fortes e altivas. Dê-lhes apenas o que lhes é de direito

TUDO...

Oswaldo Pereira
Março 2018

Todos os anos eu procuro homenageá-las. Se quiser ver os textos anteriores, é só clicar nos links abaixo.

http://obpereira.blogspot.com.br/2014/03/as-mulheres.html

https://obpereira.blogspot.com.br/2015/03/mulheres.html

https://obpereira.blogspot.com.br/2016/03/elas.html

https://obpereira.blogspot.com.br/2017/03/o-dia-de-eva.html


domingo, 4 de março de 2018

DECEPÇÃO


Sou, confessadamente, um frequente leitor de jornais. Em papel, às antigas. Não podia deixar de ser, haja vista minha avançada contagem de anos vividos. Faz parte dos atributos da dita terceira idade (ô lugarzinho comum desgastado...), imersa nas tradições do passado milênio, das visões de pequenos jornaleiros apregoando as “últimas” das edições vespertinas, dos diários sendo colocados na soleira das portas junto às garrafinhas de leite.

Para mim, criança nesse passado distante, o jornal era a porta aberta para o mundo fantástico das histórias em quadrinhos, um reino onde Mandrakes, Fantasmas e Brucutus enfrentavam os perigos e salvavam as mocinhas. Depois, passou a ser o arauto dos filmes em cartaz, o analista dos jogos de futebol que só ouvíamos pelo rádio, o revelador das radiofotos de algum cantor de sucesso. Até que, no desabrochar da maioridade, transformou-se no livro de História contemporânea no qual os acontecimentos que moviam o mundo vinham instantâneos para dentro das nossas casas.

Era inevitável que este amor permanecesse até hoje. Estando aqui ou em Portugal, sinto um requintado prazer enquanto abro as páginas dos meus jornais de eleição. Assim, foi com compreensível alegria que soube do renascimento do “Jornal do Brasil”.

O JB teve minha imediata preferência quando retornei ao Brasil em 1971. Seu jornalismo era ágil, inteligente. Seu desenho gráfico era agradável e inovador, gênios da palavra dedilhavam as máquinas de escrever da redação e magos da criatividade davam um fulgor especial ao já lendário Caderno B, um permanente festival de homenagem à cultura. Em rio de piranhas, jacaré nada de costas e, empastelado várias vezes desde sua criação, na Primeira República, até o Estado Novo, o jornal, para manter sua sobrevivência durante os governos militares, submetia-se à censura. Mas, sabia driblá-la com fino humor e requintado bom gosto. Foi com um confiante sorriso nos lábios, então, que saí da banca sobraçando a primeira edição deste seu renascimento.

Para sofrer uma decepção!

O novo JB é um espectro. Seu desenho ficou datado, não há mais gênios nos laptops da redação, sente-se um incômodo diletantismo permeando suas colunas e artigos. Mais deplorável ainda é o ranço de sua linha editorial. Na edição que comprei, questionava-se a reserva comedida do interventor do Rio (“O Interventor Esconde o Jogo” era a manchete rala da primeira página), quando, desde Sun Tzu e Maquiavel, se sabe que o segredo das informações é primordial na arte da guerra. Em outra parte, investia contra o então Ministro da Defesa, Raul Jungman, por ter declarado que alguns daqueles que reclamavam contra o domínio do tráfico de drogas eram os mesmos que o financiavam ao comprá-las. Um frontal ataque ao Rio, vociferavam, não percebendo a obviedade da declaração de Jungman.

É claramente perceptível, também, o forte alinhamento do JB com a esquerda histórica. Não tenho nada contra. Sempre defendi que cada jornal tem o direito de adotar a cor política que seus acionistas preferirem. Mas também acho que a polarização direita-esquerda perdeu seu sentido no Brasil de hoje. O país está dividido em duas camadas. Os que roubam e os que pagam. As legendas partidárias não querem dizer mais nada. No Congresso, o que há são bancadas. A da Bala. Da Bíblia. Do Boi. Et caterva. Centrar o foco do jornal num discurso superado e inócuo é uma perda de tempo.

Espero sinceramente que o Jornal do Brasil conserte o rumo. Será uma pena, se não fizer.

Oswaldo Pereira
Março 2018