domingo, 14 de janeiro de 2018

A REVOLUÇÃO RUSSA - FINAL



Rússia. 23 fevereiro de 1917, pelo calendário juliano. Pelo calendário gregoriano, em uso no resto do mundo ocidental, é o dia 8 de março. Dia Internacional da Mulher. No dia anterior, a Putilov, o maior complexo industrial de Petrograd, entrara em greve.

Logo cedo, as mulheres começam a aparecer nas portas das outras fábricas arrebanhando seus maridos. A paralisação do trabalho vai aumentando. Antes do meio-dia, mais de 50.000 operários marcham pela cidade. Seus gritos e seus anseios estão amadurecidos por anos de condições miseráveis de vida, da indiferença de quem detém o poder, da falta de futuro.

Longe dali, no comando do exército imperial, o Czar Nicolau II recebe as notícias da agitação na capital. Numa típica reação, manda uma mensagem para que a guarnição de Petrograd sufoque a manifestação. Confrontados com a possibilidade de ter de atacar uma multidão de trabalhadores, na qual há milhares de mulheres, os soldados se recusam e se amotinam. Nos dias seguintes, todos os setores da sociedade russa voltam-se contra o Czar. Nicolau tenta ainda voltar a Petrograd, mas seu trem é detido em Pskov, a quase 200 quilômetros de seu destino. Lá, forçado pelo chefe do Estado Maior das Forças Armadas e por dois deputados da Duma, ele abdica. No dia seguinte, tratado pelos guardas apenas como Nicolau Romanov, ele e sua família são levados prisioneiros para Tsarskoye Selo. A Duma, o parlamento criado em 1903, assume o poder e transforma-se no Governo Provisório.

Passada a euforia inicial, a situação vai delineando seus verdadeiros contornos. Na realidade, existem dois governos. A Duma, liderada por uma maioria composta de membros da nobreza e representantes capitalistas, e os Soviets. Lenin está de volta à Rússia e comanda, com seus bolsheviques, a imensa teia destes pequenos conselhos, espalhados por todo o país. Com o apoio incondicional da classe trabalhadora e dos camponeses, e com a crescente simpatia da classe média, essa formidável máquina política exerce sua oposição ao Governo Provisório fomentando greves, motins e protestos. É uma época de caos total.

A queda de braço continua por várias semanas. Mas aí, o Governo comete um erro fatal. Debaixo da liderança dos conservadores, resolve continuar a guerra contra a Alemanha. O desejo de um armistício que pusesse fim ao cruel tormento que os anos de combate haviam trazido para o povo russo era quase uma unanimidade num país sofrido e praticamente derrotado. A insensibilidade dos deputados é a chave de que Lenin precisa para galvanizar a população e colocar sua máquina em movimento.  Por essa altura, os seus soviets já contam em seus quadros com inúmeros integrantes de um exército demolido pelas derrotas cada vez mais frequentes. Logo, os conselhos viram milícias. E as milícias transformam-se na Guarda Vermelha.

Nas primeiras horas do dia 25 de outubro (7 de novembro no calendário gregoriano), a Guarda toma o controle das estações de telégrafo, das ferrovias e de vários pontos chave de Petrograd. As unidades militares da capital ou aderem imediatamente ao movimento ou recolhem-se em seus quartéis, sem oferecer resistência. O Chefe do Governo Provisório, Alexander Kerensky, ainda tenta obter o suporte de tropas estacionadas fora do perímetro urbano, escapando do cerco ao Palácio de Inverno ao volante de um Renault emprestado pela embaixada americana.

Em vão. Nada mais consegue impedir a maré vermelha. No começo da noite, os revolucionários entram no Palácio e Lenin, pelo telégrafo, envia a toda a nação um manifesto “Aos Cidadãos da Rússia”. O poder é dele.

Mas, os anos que se seguem não trazem tranquilidade. A radicalização dos meios empregados pelos bolsheviques ainda desagrada várias fatias da sociedade e contraria muitos interesses. O confronto é inevitável e, entre 1918 e 1922, a Rússia amarga uma brutal guerra civil entre os Vermelhos de Lenin e os Brancos, um amálgama heterogêneo de cossacos, oficiais do antigo exército imperial e um espectro de posições políticas que vai desde a extrema direita até socialistas mais moderados. Chega até a haver uma discreta ajuda militar por parte de países como a França, os Estados Unidos e o Japão, mas os Vermelhos acabam por vencer. É finalmente fundado o Partido Comunista e nasce a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Será um experimento sócio-político-econômico que durará 70 anos e será exportado para o mundo, criando uma zona de influência e doutrinação em todos os continentes. Na terra onde se originou, passará por gigantescos pogroms, pelo flagelo da invasão nazista, pela Guerra Fria. Três gerações depois de Lenin, o experimento dará sinais de exaustão. O comunismo puro não se sustentará como solução definitiva para o bem-estar do povo e derivará para as várias versões de socialismo hoje adotadas mundo afora. A pergunta que fica é a seguinte. Será que valeu a pena?

Oswaldo Pereira
Janeiro 2018



10 comentários:

  1. Claro que valeu ! O diálogo entre socialismo e capitalimo é a artéria que ainda pode minimizar a tendência totalitária das muitas faces do Poder. Seu texto é comovente. Uma presença na madrugada. Meu pai nasceu em 17. Falava de Marx,Engels e Lenin como se falasse de irmãos. E eu não entendia pq MarX não era russo.rs

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    1. Quando escreveu Das Kapital, Marx nunca imaginou que sua teoria virasse prática na Rússia. Seu foco era nas grandes economias europeias, como a Grã-Bretanha, a França e a sua própria Alemanha. Concordo com o que você escreveu, mas precisava ter existido um Stalin??

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  2. Exacto: precisava de existir Stalin? Não saberemos nunca como seria o futuro sem ele!? Mas podemos pensar...

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    1. Talvez o comunismo abrandasse, ou até migrasse para um regime menos brutal. Mas aí, será que a Rússia, como a conhecemos hoje, ainda existiria?...

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  3. Sim, penso que sim. Você escreveu o último parágrafo e vejo que foi o que aconteceu. O comunismo puro , vimos que é impossível, mas a lição está em tudo que aconteceu , o socialismo tão estudado e falado e praticado aos pedaços nos mostra que valeu pelo que podemos conhecer hoje. E, tudo é lição, não é?

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  4. Sim, concordo. Também aprendemos muito a história tempos depois dos acontecimentos. Pego a Enciclopedia Britânica e estou sempre lendo, principalmente quando alguém se refere a fatos passados. Gosto de ajuntar o que cada um diz e somar e sentir , muitas vezes como a coisa é interpretada.

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    1. a História sempre ensina. O problema é que, às vezes, ela é escrita apenas pelos vencedores...

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