terça-feira, 14 de março de 2017

SILÊNCIO



Acabei de ver Silêncio.  A ideia foi boa, mas acho que o Scorsese errou na mão. Ou melhor, errou momentos e acertou outros, imprimindo ao filme exatamente seu pior defeito. A instabilidade de sua intensidade, uma sucessão de altos e baixos, de tons agudos e graves, como um rádio de som desregulado. A linha narrativa acaba sofrendo e as interpretações também, principalmente a do protagonista, Andrew Garfield (candidato ao Oscar por Hacksaw Ridge), expressivo demais em algumas cenas e profundamente estático em outras. Em suma, o efeito não é bom.

O que se salva é a fotografia. E a história.

Silence é a crônica de dois jesuítas portugueses que, no século XVII, vão ao Japão à procura de um outro missionário, um catequista de primeira ordem e imensamente respeitado, cujo desaparecimento suscita relatos de que tenha abandonado seus votos e renegado a fé.  Baseado num romance do escritor japonês Shusaku Endo, o roteiro tem seu ponto central no conflito surgido no Japão na esteira da reação anticatólica promovida pela cultura budista na primeira metade dos anos 1600.

Intolerância religiosa. Como ao mesmo tempo estou lendo um livro sobre os templários e as cruzadas, o tema acaba por desaguar nestas páginas. E volto a repetir uma constatação que sempre me espantou. Guerras e perseguições movidas pela fé mataram mais gente na História deste planeta do que qualquer outra causa. Como é possível que justamente crenças que professam a prática do bem e da misericórdia tenham desencadeado os piores flagelos da Humanidade? Como é crível que compreensões diferentes de um mesmo deus e de um mesmo princípio de justiça eterna sejam capazes de acirrar tamanho ódio?

As repostas poderão ser várias, mas essa triste constatação ainda sobrevive nos noticiários dos nossos dias. O mundo dividido do século XVII já o era antes, e continua a sê-lo. Cada vez mais, pasmem. E não é apenas a incompatibilidade de ideologias religiosas. A proximidade virtual, que deveria unir-nos, afasta-nos. As redes da Internet vieram abrir uma arena onde divergências políticas, sociais, comportamentais e até esportivas são espicaçadas até destilarem a última gota de veneno. Seus chamamentos acabam lavando para a rua, para as praças e para os estádios o confronto gerado no Face ou no Twitter.

Talvez seja da condição humana. Não conseguimos ler a mensagem. Ou se a lemos, não conseguimos praticá-la.

Num dos bons momentos de Silêncio, um monge budista tenta convencer o missionário jesuíta a renegar o catolicismo, aprisionando seus seguidores e supliciando-os. À vista de seus fiéis pendurados de cabeça para baixo, o padre é informado de que só com a sua apostasia eles seriam libertados. Mesmo assim, ele resiste, invocando a fé e dizendo. Eles estão fazendo isto por Jesus. O monge abana a cabeça e responde. Eles não estão fazendo isto por Jesus. Estão fazendo isto por você...

É o fator homem. Desvirtuador e sinuoso, um cristal quebrado querendo filtrar uma luz perfeita. Como dar certo?

Oswaldo Pereira
Março 2017









5 comentários:

  1. Lembrei do Silêncio do Bergman. Também bem fúnebre. Até pensei que os dias podiam ser feitos de longos crepúsculos e madrugadas onde o Silêncio impera
    A plenitude é enfadonha
    Estorva.
    Pelo seu texto percebi que minhas suspeitas qto a esse "Silêncio" confirmaram-se. Desisti.

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    1. Escrevi isto em algum lugar. Uma praia que só tivesse poentes e alvoradas. Nenhuma plenitude lunar ou solar. Deve estar num canto aqui do blog. Bom sonhar...

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  2. Agualusa comunicou no face, que no meio do ano sai no Brasil, um novo título dele.
    Sociedade dos Sonhadores Involuntários
    Fiquei emocionada já me imaginando fazendo parte dessa sociedade. E vc ?
    rsrsrs

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