terça-feira, 9 de dezembro de 2014

MARTE







A data está marcada. Será em algum mês de 2033.

O fascínio pelo pequeno planeta começou no momento em que um homo sapiens mais esperto notou, dentre os zilhões de pontos luminosos que se espalhavam por cima de sua cabeça nas noites sem nuvens, um de cor avermelhada, como se uma pequena brasa, elevada da tosca fogueira que aquecia sua pele pelo vento cortante da savana, tivesse ido parar no firmamento. Às vezes ela aparecia, outras não e seu caminho pelo escuro profundo parecia incerto. Por mais que desse tratos à bola, o nosso interessado primata não conseguiu encontrar um significado para aquele estranho ponto encarnado e resignou-se apenas a admirá-lo.

Mas, quando o Nilo passou a refletir o contorno das pirâmides, os astrônomos do faraó já haviam decifrado o movimento excêntrico daquela estrela vermelha e, pouco depois, os babilônios tinham anotado em suas tábuas de barro que ela perfazia 42 circuitos do zodíaco a cada setenta e nove anos. Logo, os gregos criaram seus deuses e a poesia mitológica deu-lhes um lugar no céu. O planeta cor de fogo só podia ser o impetuoso Aries, senhor da guerra. Aries virou Marte para os romanos e para os compêndios de astronomia.

Aos poucos, a poesia e a lenda cederam seu lugar à observação científica. Aristóteles verificou que o deus era apenas um corpo celeste e se situava muito além da Lua. Pela mesma época, os hindus chegavam a um cálculo aproximado de seu tamanho. Na Europa, as trevas da Idade Média tiveram de dissipar-se para que novos avanços científicos fossem retomados. No século XVII Tito Brache e Johannes Kepler determinaram sua distância da Terra e Gallileo Gallilei viu-o em rudimentar close-up no seu telescópio.


MANCHETE DE 1912
O invento de Galileu desenvolveu-se e, em 1877, outro italiano, chamado Giovanni Schiaparelli, trabalhando no mapeamento do planeta, distinguiu, pelas lentes poderosas do Observatório de Brera, linhas retas e extensas na sua superfície. Decidiu chamá-las de canali. E deu início à primeira martemania da história. Renomados cientistas, como o astrônomo americano Percival Lowell, jogaram mais lenha na fogueira, declarando que as figuras geometricamente perfeitas observadas em solo marciano só poderiam ser obra de mentes inteligentes. O mundo viveu um frenesi. A especulação mais verossímil era de que os “canais” haviam sido construídos para distribuir água oriunda das calotas polares, também visíveis nos telescópios. Água = Vida. Extraterrestres de todos os tamanhos e cores povoaram a imaginação de toda gente. Em 1898, o grande escritor inglês H. G. Wells lançou o livro The War of the Worlds (A Guerra dos Mundos), uma impressionante ficção sobre a invasão da Terra pelos alienígenas e a histeria tomou conta. Virado o século, entretanto, observações mais apuradas indicaram que os “canais” eram apenas desfiladeiros profundos, provavelmente causados por erosão eólica, e a mania acalmou-se.


ORSON WELLES NO RÁDIO - 1938
Para retornar em 1938.  Era o auge da Era do Rádio e a emissora americana CBS mantinha um programa líder de audiência chamado Mercury Theatre on the Air, uma encenação radiofônica de grandes obras literárias narradas por atores que soubessem passar o máximo de realismo com sua voz. Como Orson Welles. No dia 30 de outubro daquele ano, ele apresentou a dramatização de “A Guerra dos Mundos” e milhares de pessoas entraram em pânico, confundindo a ficção do relato com a realidade e acreditando que o texto lido por Welles com aterrorizante fidelidade era um noticiário transmitido ao vivo. Foi um pandemônio nos Estados Unidos. Orson Welles foi guindado à fama e Marte voltou à cena.

A Segunda Guerra desviou as atenções, mas, com o advento da Guerra Fria, a febre voltou. Entre 1949 e 1959, multiplicaram-se os depoimentos sobre a aparição de discos voadores. Tantos, que a Força Aérea americana instituiu uma investigação oficial do fenômeno, conhecida como Projeto Blue Book. Para a legião de crentes na existência dos  Unindentified Flying Objects (UFO’s), ou OVNI’s, se não eram russos, eles só poderiam vir de Marte.

A GUERRA DOS MUNDOS - FILME DE 1953
Surfando na onda, Hollywood botou a indústria cinematográfica para municiar os cinemas com produções voltadas para o assunto. Muitos não passaram de filmes B (como um delirante Abbot and Costello Go to Mars), mas alguns retiveram uma certa qualidade e viraram cult nos anos recentes, como The Day the Earth Stood Still (O Dia em que a Terra Parou), It Came from Outer Space (Veio do Espaço), Forbidden Planet (Planeta Proibido) e (mais uma vez o livro de H. G. Wells) The War of the World, de 1953.  No embalo, ficcionistas de nível como Ray Bradbury, Edgard Rice Burroughs e Robert Heinlein encheram mais os seus cofres com thrillers interplanetários focados no planeta encarnado.

Como não podia deixar de ser, a corrida espacial, mais científica que ficção e mais empolgante que a fábula, sepultou a visão romântica que se tinha de Marte. Com o homem chegando à Lua, o astro ficara mais perto. E mais ainda ficou quando as primeiras sondas pousaram em suas areias vermelhas. Nada havia de fantasmagórico nas fotografias tiradas pelas naves Viking, embora secretamente muita gente torcesse para que, de repente, a carinha verde de um marciano aparecesse diante das câmeras.

VIKING LANDER EM SOLO MARCIANO

Hoje, os probes Opportunity e Curiosity trafegam ágeis pela topografia marciana, enviando preciosos dados para a Terra. O planeta está mapeado e parece tão desprovido de vida quanto o nosso satélite natural. Parece. A certeza virá somente quando a caminhada, que esta semana começou com a viagem orbital do equipamento que levará os primeiros astronautas, a cápsula Orion, chegar ao seu destino, em algum momento de 2033.

Alyssa Carson, uma adolescente de 13 anos, já está se preparando para a grande aventura. Ela terá 32 anos então. Poderá ser o primeiro ser humano a pisar em Marte. E, finalmente, dirimir as dúvidas que assaltavam aquele homo sapiens que, na noite pré-histórica, primeiro notou um ponto vermelho no céu.


Oswaldo Pereira
Dezembro 2014

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