Acabei de virar a última
página, a de número 1003 nesta edição de capa dura, de Edge of Eternity. A última, não só do livro, como da alentada
trilogia The Century (O Século) criada
por Ken Follett, o aclamado escritor galês que trocou sua carreira vitoriosa
como criador de thrillers, como The Eye of the Needle (O Buraco da Agulha), por outra mais vitoriosa
ainda como historiador, iniciada no mundialmente reverenciado The Pillars of the Earth (Os Pilares da
Terra).
Como já abordei a história de Follett na crônica que escrevi em
dezembro do ano passado, quando acabei de ler o primeiro volume (Fall of Giants) da trilogia, não vou
repeti-la. Mas não posso deixar de
comentar esta sua mais recente obra, que conclui um meticuloso trabalho de reconstituição
de um dos séculos mais decisivos da História.
O Século XX, com duas guerras
mundiais, vertiginosos avanços da ciência e palco de turbulências sociais
modificadoras de vidas e comportamentos, superou tudo o que veio antes dele em
termos de velocidade das mudanças e sua amplitude. De transatlânticos a naves
espaciais, da metralhadora aos mísseis nucleares intercontinentais, do rádio de
galena à TV em cores, da valsa ao funk, do
telégrafo à internet, não deixou pedra sobre pedra. Tabus, conceitos e valores inquestionáveis
foram revirados sem remorso, produtos e mercados surgiram e desapareceram sem
deixar suas marcas na poeira do esquecimento. Em cem anos, muitos ismos regeram a cena política, muitas
fés prometeram seus céus particulares, muitos bálsamos trouxeram cura, muitas
epidemias trouxeram a morte. O último ato do Segundo Milênio foi arrasador.
Isto tudo Follett,
filtrando os acontecimentos pelo dia-a-dia de cinco famílias imaginárias, traz
para o leitor, usando seus conflitos, seus sonhos e suas escolhas de vida como
veículo. É evidente que, para isto funcionar, suas criaturas precisam ter o
condão de estarem sempre presentes, ou até participar ativamente, na maior
parte das ocorrências que mudaram o mundo no período. O que já valeu
comentários, comparando-os a uma dinastia de Forrest Gumps, e críticas ao caráter às vezes raso e didático dos
diálogos.
Só posso dizer que as
observações procedem. Por outro lado, entretanto, há que se aceitar esta
técnica literária como a única capaz de produzir o efeito desejado por Follett,
ou seja, enredar o fato histórico no personagem e repassá-lo ao leitor já
emoldurado pelos seus batentes culturais ou emocionais e pelo impacto causado na sua
psique. E digo mais. Neste último
volume, Follett amenizou aquele aspecto bi
dimensional dos diálogos, tornando-os mais redondos, mais carne e osso
(principalmente carne nas inúmeras
passagens de relacionamento sexual do livro), e com muito mais drama. Ao mesmo
tempo, coloriu mais as cenas descritivas, algumas verdadeiramente magníficas.
Assim, foi mais fácil
percorrer as mil paginas de “Eternidade por um Fio” (a péssima tradução do
título para o Português), do que as duas mil dos volumes precedentes. Partindo
da construção do Muro de Berlim e terminando com sua queda, os netos das cinco
famílias criadas por Follett no início da saga (americana, inglesa, galesa,
alemã e russa) vivem, convivem e interagem com as lutas pelos direitos civis
nos Estados Unidos, o assassinato dos Kennedys e de Martin Luther King, a crise
dos mísseis de Cuba, a repressão soviética aos movimentos na Hungria e na
Tchecoslováquia, a luta pela liberdade na Alemanha Oriental, os meandros da
Guerra Fria, a Guerra do Vietnam, a revolução musical dos anos sessenta, o summer of love e as drogas, Nixon &
Watergate. Enfim, os monumentais terremotos sociais ocorridos entre 1961 e
1989. Há também um elegante epílogo, no qual uma das famílias assiste pela
televisão o discurso de vitória de Barack Obama, em quatro de novembro de 2008.
Um primoroso ponto final.
Um porém (há sempre um...)
Assim como Ken Follett ignorou a imensa hecatombe da gripe espanhola no volume
que cobria as décadas de 1910 e 1920, também agora passou por cima de outra tão
ou mais trágica. Não há, em qualquer das 1003 páginas de Edge of Eternity uma SÓ menção ao flagelo da AIDS. Tenho de concluir
que o famoso escritor galês possui memória curta para pandemias.
Dezembro 2014
http://obpereira.blogspot.com.br/2013/12/queda-de-gigantes.html
Comprei na Travessa o paperback "The Modigliani Scandal" do Ken Follet, cujos capítulos são menos curtos do que os do desvairado James Patterson, que você lê entre uma estação e outra do Metrô. como vc, vejo, é um devorador de letras e eu engatinho porque não vou correr. Mas a tua crítica é um resumo da incompreensão dessa turma mais jovem que é possuída por uma irrefreável ignorância desembaraçada e acabam dizendo coisas confusas que só convencem a quem tudo ainda ignora por serem jovens.São os desbravadores do caos. Abraços.
ResponderExcluirNão revi o texto e mandei com erros, Por favor chame o copydesk. abraços
ResponderExcluirChamar James Patterson de "desvairado" é até um elogio.... Aquilo é literatura a metro, repetitiva ad nauseam, comercial no mais reles significado do termo. Agora que vou tirar férias de Follett, pretendo enverdar por caminhos mais nobres de leitura...
ExcluirAs hecatombes: Alain Resnais, Marcel Duchamp, Guimaraens Rosa, Michael Jackson, Eric Satie, a arte e o reviramento da realidade. Isso conta tb, como o que fez surgir o conteúdo interno da experiência humana.
ResponderExcluirAh! sim... outras hecatombes do diabólico século XX: Picasso e Saramago, O'Leary e o LSD, Fermi e a bomba, Chuck Berry e o rock. Pequenos apocalipses num século que iria acabar no fim do mundo
ExcluirÉ difícil colocar em 1000 páginas os acontecimentos do século XX e o que resultou de tudo. É muita informação . Prefiro lera diversos autores sobre uma determinada época ou até sobre um fato. A segunda Guerra, já resultado da primeira não dá para colocar em um só livro. O ideal para mim é fazer a leitura dos mais importantes que participaram dela, de preferência contados por eles mesmos.
ResponderExcluirConcordo em gênero, número e grau. E há exemplos magníficos desta literatura "em primeira mão", como Papa Hemingway, por exemplo...
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