Por volta do ano 1000 a.C., eles
chegaram. Dominando a parte ocidental da Europa, enquanto o Egito dos faraós se
estendia da nascente do Nilo até às margens do Mediterrâneo e os reis helênicos
sitiavam Tróia, eles haviam espraiado suas tribos de mulheres e homens louros,
ruivos, altos e fortes desde a França até a Península Ibérica. Então,
inspirados por sua índole aventureira, decidiram se fazer ao mar e,
aproveitando os ventos e as correntes favoráveis do Atlântico, aportaram numa
ilha verde como uma esmeralda mágica, onde vales gentis escondiam lagos de
todas as cores, desfiladeiros de pedra ecoavam seus gritos de guerra e um mar
de profundo azul tornava-se espuma branca nas escarpas de rocha negra.
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GUERREIROS CELTAS |
Os gregos os chamavam de keltoi, os selvagens. Mas sua avançada
cultura da Idade do Ferro e seus conhecimentos de cultivo e pecuária já eram
muito superiores aos dos povos que habitavam a ilha, caçadores-coletores do
neolítico. Chegaram, conquistaram e começaram a marcar sua presença. Usos,
costumes, língua e tradição que hoje, trinta séculos depois, vivem nas pedras
tumulares que rodeiam igrejas, na epiderme alva e nos cabelos e olhos claros de
uma população risonha e no intricado idioma que precede o inglês nos sinais de
trânsito e nas placas das ruas.
Do grego keltoi veio o nome pelo qual nós os conhecemos atualmente - celtas. E este acolhedor pedaço de
terra, de povo eternamente bem-humorado e natureza apadrinhada pelos céus,
chama-se Kerry, o Condado que ocupa
todo o sudoeste da Irlanda. Se você acha que conhece todas as
gradações do verde, e nunca foi a Kerry, engana-se. Ali, a terra fabrica
matizes, nuances e variações da cor que o perplexo visitante nem pensava
possíveis de existir. Tons inteiros, meios-tons, quartos de tons, uma
policromia verdosa que colore campos, bosques, reservas florestais, colinas e
os onipresentes vales. De tirar o fôlego.
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ILHA DE SKELLIG MICHAEL |
Mas, recomponha-o rapidamente para
percorrer o Ring of Kerry, um
circuito que leva até o mar por estradas que margeiam o recorte tortuoso da
costa atlântica, salpicadas de miradouros de vistas inesquecíveis, como o que
permite contemplar à distância as rochas de Skellig, agudas e míticas agulhas
de pedra que, neste ano, estão servindo de location
para o filme Star Wars 7. A
relação com o cinema continua em Waterville, uma charmosa vila praieira onde
Charlie Chaplin vinha passar férias. Siga em comunhão com o tempo, que pode sem
aviso mudar de um ensolarado para um chuvoso verão em segundos. Ninguém se
apoquenta, pois a chuva é sempre benfazeja e, assim como aparece, some atrás
das colinas. Com ou sem ela, pare no Ladies
View, um belvedere obrigatório para quem quer ver, ainda uma vez, o
espetáculo grandioso da união quase mitológica de céu, terra e oceano.
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IGREJA DE KILMALLKEDAR |
No dia seguinte, um outro passeio
imperdível – a Península de Dingle. Vá e veja a história da Irlanda
desenrolar-se na sua frente, desde a fusão dos deuses antigos dos celtas e suas
runas com a cruz católica trazida pelo padroeiro Saint Patrick, às fortalezas
de pedra murmurando gravemente um passado de lutas tenazes contra vikings e
normandos. O Oratório de Gallarus, erigido há mais de 1.300 anos, a igreja de
Kilmallkedar e seu cemitério milenar e
mais castelos da Baixa Idade Média compõem um mosaico que mistura sacerdotes
druidas com santos católicos numa simbiose histórico-religiosa que está na
medula do povo irlandês. Acha suficiente? Pois não é! Ainda tem as extensões de
campinas verdejantes que descem em direção às praias. Hollywood outra vez – na Península foram rodados vários filmes,
entre os quais Ryan´s Daughter (A
Filha de Ryan, 1970), uma das muitas
obras-primas de David Lean, com Sarah Miles e Robert Mitchum, e Far and Away (Um Sonho Distante, 1992), estrelando Nicole Kidman e Tom
Cruise. Na volta, pare na vila piscatória que dá nome à região e delicie-se com
uma oferta de frutos do mar. E, por que não, com a companhia de uma caneca de Guinness...
Não perca o ritmo. Depois de dormir
embalado pelas lendas de cavaleiros galantes, duendes travessos e lindas
princesas, acorde para atravessar o Parque Nacional de Killarney e mergulhar
mais fundo no passado entrando pelas ameias do Castelo de Ross, do século XV e
passeando de barco pelo Lough Leane, o
Lago do Conhecimento, até a ilha de Innisfallen,
onde, no ano 640, São Finian construiu o primeiro mosteiro católico em
terras de Irlanda. Perto dali, ficam as fazendas tradicionais de Muckross,
mantidas em seu puro estado original para que possamos ter uma nítida visão da
vida rural irlandesa na primeira metade do século passado. Aos que, como eu,
foram criados em cenários semelhantes de Minas Gerais na década de 1940, é o
mesmo que entrar numa máquina do tempo. No fim, a cereja do bolo – percorrer,
ao trote de uma carroça puxada por uma incansável égua malhada, o Gap of Dunloe, uma falha geológica
serpenteando seu verde e seus lagos por entre duas montanhas de granito. Não há
como descrever a beleza extraordinária de mais este encanto de Kerry. Só indo lá para ver...
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MOSTEIRO DE INNISFALLEN |
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O DIA-A-DIA NO ROSS CASTLE |
E, finalmente, um merecido descanso. Como ninguém é de ferro, devore uma generosa porção de um Irish Stew (carne de cabrito, batatas, alho-porro, couve, cenoura e
aipo) ao som de canções tradicionais num típico restaurante irlandês. Como
saideira, um potente irish coffee. Feito
com Jameson, naturalmente...
Oswaldo Pereira
Agosto 2014