Tempestade,
longe. Talvez nem caia por aqui, o vento contrário vai levá-la para o sul.
Ela se
acomoda no velho cadeirão de vime, bem no centro da sua varanda que dá para o
mar. Os anos passaram por aqui, muitos. Uns longos, poucos. Na maioria, curtos,
sem tempo para deixar seu registro, sua marca. Para falar a verdade, longos
mesmo foram os da juventude, de dias que se arrastavam na esperança de algo
sempre grandioso que iria ocorrer à frente. A espera de telefonemas por minutos
que eram horas, a ânsia de um encontro alargando manhãs em anos inteiros, a
duração interminável de uma aula enfadonha. Os ponteiros dos relógios pareciam
brigar contra uma força demoníaca que os pregava no mostrador. Por sua vez, e
para compensar, o sol se espreguiçava no romance de tardes infinitas ou, como
na música do Roberto, “demorava pra nascer” em madrugadas impregnadas de amor.
Uns pelos outros, eram anos bons. Aqui e ali, uma decepção que iria acabar com
o mundo, um problema rasteiro tornado planetário pelo superlativo da idade.
Nada que uma música da moda ou um sorriso doce não os fizesse esvanecer tão
rápido como haviam surgido.
Aí
vieram os anos dos “mistérios gloriosos”, como costumava chamar. Casamento,
maternidade, seu ser se dando por inteiro, paraíso e purgatório, madrugadas
insones, seios doloridos, cansaço insano, energia tirada lá do fundo pelo
carinho de pequenos dedos em seu rosto.
“Mãe”
dita de várias maneiras. Súplica, rebeldia, interesse, abrigo. Às vezes, amor.
Poucas. Muito poucas diante da contra-partida, da dádiva integral, do
desfibramento de seu coração, não mais só seu. Mas, assim era e assim devia
ser, sua história tão velha e comum quanto o Tempo.
E o
Tempo foi escorrendo, ganhando balanço, a jornada dupla, senão tripla, que
apagava todo o resto, viagens adiadas, projetos adiados, VIDA adiada. O
inevitável mergulho no nada de dias iguais e cinzentos, de repente uma clareira
solar, um reconhecimento acanhado, um PARABÉNS PRÁ VOCÊ veloz, ligeiros de
duração e de peso. E a volta ao casulo escuro.
Vieram
as partidas, os chamados. Do marido pelo Céu, do filho pelo Mundo. E ela ficou
na velha casa, lembranças e mobília, saudades no estampado da almofada deste
cadeirão de vime, sentindo os dias se acelerarem em direção ao futuro. E a
pergunta que a ronda como a tempestade ao longe. Terá valido a pena?
Oswaldo
Pereira
Janeiro
2014
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É claro que vale! E mais, um cúmplice "desconhecido" ao contar a nossa historia, muito nos lisonjeia. É na luta que angariamos felicidade. Guerra é guerra, nos céus e na terra.
ResponderExcluirps. Minha neta de 15 anos, linda e doce, ficou sentada na porta de casa com um irmão mais novo e um amigo, esperando a chuva cair; quando caiu, eles pularam dentro da "tormenta". Fiquei imaginando um frasco de colonia, ou um chá, com o aroma que a tempestade arrancou do chão. A vida é pura maravilha.
Como sempre, é um grande prazer lê-lo e relê-lo.
ResponderExcluirOra, sempre vale a pena, quando a alma não é pequena, Oswaldo. Sua crônica me fez lembrar as muitas horas em que cismei da janela do apartamento de meu pai, de frente para o mar. Que dúvidas, que total incerteza! A única certeza era a de que ia ser muito difícil passar em matemática com o Jacques...
ResponderExcluirGrande Oswaldo
ResponderExcluirA vida se faz vivendo e por isso sempre vale a pena e cada história se constrói no tempo que se vai. Ter vivido o tempo sempre vale a pena.
Grande abraço