Estava
ouvindo-o passar pela minha janela. Não era o vento.
Fui
espreitar no passado de meus escritos, e descobri que escrevera sobre ele.
Lembro-me que chamei a pequena crônica de O FUGITIVO. Ei-la:
“O
tempo. Melhor em maiúsculas: O TEMPO.
Tente
tê-lo.
Colocá-lo
em perspectiva, retalhá-lo em momentos, reparti-lo em tranches. Tente guardá-lo
em gavetas, arquivá-lo em pastas, virtuais ou não. Tente enfiá-lo em envelopes,
colocá-lo debaixo de pisa papéis, prendê-lo em gaiolas, amarrá-lo na memória.
Tente
anotá-lo em agendas, colá-lo em álbuns, gravá-lo em CD’s. Tente prendê-lo com
as mãos, segurá-lo com a alma, aprisioná-lo com o pensamento.
Tente
de tudo para não o deixar fugir. Ele não volta para traz, não faz concessões.
Com ele, não há replays, melhores
momentos. Os valeapenaverdenovos são
apenas fragmentos guardados no cérebro por neurônios que, aos poucos e inexoravelmente, se apagarão.
O Tempo. Uma sucessão de
amanhãs que, como rabisco de um relâmpago, cortam o céu do hoje e se tornam num
ontem inerte, já gasto e imutável. Na grande maioria das vezes, sem você sequer
ver o clarão do raio, ouvir seu estrondo abafado, entender sua mensagem. Um
grande estoque de horas que já se foram, sem remissão. Não se regrava o
passado.
O Tempo. Um cronômetro que
recebemos ao nascer e, por anos a fio, nem sabemos o que fazer com ele. Um trem
veloz que tomamos na maternidade em direção ao futuro e em que passamos a maior
parte da viagem simplesmente a olhar pela janela, a ver as estações que passam,
a cumprimentar e a se despedir de gente que entra e que desce.
O Tempo. O mais imaterial dos
bens, o mais perecível, o de obsolescência mais imediata. E, no entanto, o mais
precioso. Aquele que não se vende, que não se pode comprar, de que não há
barganhas, future tradings, balcão de
ofertas.
Com ele não se indulge, não se
obtempera, não se tergiversa. Vai seguir seu caminho sem volta, sem ouvir
nossas promessas, nossas resoluções de ano novo, nossas súplicas, nossas
orações. Vai seguir, senhor de si mesmo, sem olhar sobre os ombros, indiferente
ao nosso pecado ou ao nosso valor.
Só há um jeito, uma maneira.
Para não deixá-lo escapar.
Ande com ele. Reprima o
cansaço, vença a sonolência, livre-se do torpor. Prepare as pernas, ele caminha
rápido, é incansável e obstinado. Nem sempre a estrada vai ter pavimento, há
rios para cruzar, florestas para vencer. Mas, não perca o ritmo. Não o deixe
afastar-se, sumir na bruma, perder contato e fazer aquilo que o Tempo mais
gosta.
Fugir.”
Depois de sentir o medo
encrespar os pêlos na minha nuca, fui ver a data. Fevereiro de 2012. Sete e
meio transitados anos. Um enjoado pânico. Para amansá-lo, resolvi entrar na
contabilidade do que deixei feito e do que deixei de fazer. Com alguma
benevolência, o saldo saiu-me quase positivo. A minha própria exortação de
2012, afinal, serviu-me. Ande com ele...
Oswaldo Pereira
Agosto 2019
Adorei....e é isso mesmo ..." ande com ele...". Muito bom Obrigada Oswaldo
ResponderExcluirFiquei sem saber quem é você (o comentário veio no meu nome...).De qualquer maneira muito obrigado pelo elogio.
ExcluirOi Oswaldo, que bela reflexão. E a gente só começa a refletir mais sobre esse tempo que se vai à medida em que ele já passou bastante para nós. E sua reflexão final é muito importante: o que fiz e o que deixei de fazer. Nos altos e baixos da vida é muito bom poder olhar para trás e sentir-se feliz com o caminho percorrido. Grande abraço.
ResponderExcluirPois é, caro amigo Zé. Afinal, o tempo passado pode se transformar num grande tesouro, se soubermos aproveitá-lo.
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