domingo, 11 de agosto de 2019

O FUGITIVO II





Estava ouvindo-o passar pela minha janela. Não era o vento.
Fui espreitar no passado de meus escritos, e descobri que escrevera sobre ele. Lembro-me que chamei a pequena crônica de O FUGITIVO. Ei-la:

“O tempo.  Melhor em maiúsculas: O TEMPO.
Tente tê-lo. 
Colocá-lo em perspectiva, retalhá-lo em momentos, reparti-lo em tranches. Tente guardá-lo em gavetas, arquivá-lo em pastas, virtuais ou não. Tente enfiá-lo em envelopes, colocá-lo debaixo de pisa papéis, prendê-lo em gaiolas, amarrá-lo na memória.
Tente anotá-lo em agendas, colá-lo em álbuns, gravá-lo em CD’s. Tente prendê-lo com as mãos, segurá-lo com a alma, aprisioná-lo com o pensamento.
Tente de tudo para não o deixar fugir. Ele não volta para traz, não faz concessões. Com ele, não há replays, melhores momentos. Os valeapenaverdenovos são apenas fragmentos guardados no cérebro por neurônios que, aos poucos e inexoravelmente, se apagarão.
O Tempo. Uma sucessão de amanhãs que, como rabisco de um relâmpago, cortam o céu do hoje e se tornam num ontem inerte, já gasto e imutável. Na grande maioria das vezes, sem você sequer ver o clarão do raio, ouvir seu estrondo abafado, entender sua mensagem. Um grande estoque de horas que já se foram, sem remissão. Não se regrava o passado.
O Tempo. Um cronômetro que recebemos ao nascer e, por anos a fio, nem sabemos o que fazer com ele. Um trem veloz que tomamos na maternidade em direção ao futuro e em que passamos a maior parte da viagem simplesmente a olhar pela janela, a ver as estações que passam, a cumprimentar e a se despedir de gente que entra e que desce.
O Tempo. O mais imaterial dos bens, o mais perecível, o de obsolescência mais imediata. E, no entanto, o mais precioso. Aquele que não se vende, que não se pode comprar, de que não há barganhas, future tradings, balcão de ofertas.
Com ele não se indulge, não se obtempera, não se tergiversa. Vai seguir seu caminho sem volta, sem ouvir nossas promessas, nossas resoluções de ano novo, nossas súplicas, nossas orações. Vai seguir, senhor de si mesmo, sem olhar sobre os ombros, indiferente ao nosso pecado ou ao nosso valor.
Só há um jeito, uma maneira. Para não deixá-lo escapar.
Ande com ele. Reprima o cansaço, vença a sonolência, livre-se do torpor. Prepare as pernas, ele caminha rápido, é incansável e obstinado. Nem sempre a estrada vai ter pavimento, há rios para cruzar, florestas para vencer. Mas, não perca o ritmo. Não o deixe afastar-se, sumir na bruma, perder contato e fazer aquilo que o Tempo mais gosta.
Fugir.”

Depois de sentir o medo encrespar os pêlos na minha nuca, fui ver a data. Fevereiro de 2012. Sete e meio transitados anos. Um enjoado pânico. Para amansá-lo, resolvi entrar na contabilidade do que deixei feito e do que deixei de fazer. Com alguma benevolência, o saldo saiu-me quase positivo. A minha própria exortação de 2012, afinal, serviu-me. Ande com ele...

Oswaldo Pereira
Agosto 2019


4 comentários:

  1. Adorei....e é isso mesmo ..." ande com ele...". Muito bom Obrigada Oswaldo

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    1. Fiquei sem saber quem é você (o comentário veio no meu nome...).De qualquer maneira muito obrigado pelo elogio.

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  2. Oi Oswaldo, que bela reflexão. E a gente só começa a refletir mais sobre esse tempo que se vai à medida em que ele já passou bastante para nós. E sua reflexão final é muito importante: o que fiz e o que deixei de fazer. Nos altos e baixos da vida é muito bom poder olhar para trás e sentir-se feliz com o caminho percorrido. Grande abraço.

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    1. Pois é, caro amigo Zé. Afinal, o tempo passado pode se transformar num grande tesouro, se soubermos aproveitá-lo.

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