quinta-feira, 25 de julho de 2019

LUA 50 ANOS



Numa entrevista concedida à revista LIFE, logo após o fim da missão Apolo XI, Neil Armstrong, quando indagado pelo repórter a que atribuía ele a férrea determinação que o guiara em sua vitoriosa carreira como piloto e astronauta, respondeu que sempre acreditara na ideia de que todo ser humano tinha um número finito de batidas do coração. E terminou dizendo que seu lema era never waste any heartbeat. Nunca desperdice qualquer delas.

Esta versão do motto latino carpe diem guiou a vida de Armstrong desde sua infância numa cidadezinha de Ohio até sua morte em 2012, aos 82 anos e culminou na madrugada do dia 21 de julho de 1969, no momento em que, tirando o pé do degrau mais baixo da escada externa do módulo lunar Eagle, tornou-se o primeiro ser humano a pisar na Lua.

E eu, com os olhos grudados numa TV em preto e branco, assistindo à cena, via também desenrolar na memória o fascínio que o sonho da conquista do espaço havia exercido sobre a minha infância e juventude. Faço parte da geração criada na magia das histórias em quadrinhos, dos mundos desvendados por Flash Gordon, por Brick Bradford. O Superhomem e o Capitão Marvel atravessavam as galáxias como quem ia ali na esquina e o que mostravam era um universo intrigante e pleno de aventuras.

O cinema, ainda engatinhando seus efeitos especiais, deslumbrava-nos com seu Techicolor exagerado e seus canhestros monstros vindos do espaço profundo. Ao ver as imagens entrecortadas dos primeiros deslocamentos de Armstrong num chão cinzento, lembrava de mim em 1950, aos 10 anos, caminhando com meu pai após ter assistido ao filme Destination Moon (Destino à Lua) e ouvir seu vaticínio de que isto só seria possível no ano 2000.

Mal sabia ele que, apenas 19 anos depois, estaríamos presenciando a promessa virar realidade. Temos a Guerra Fria para agradecer. A ferrenha disputa por prestígio internacional entre russos e americanos fez com que ambos os lados destinassem imensos recursos humanos e materiais na corrida para a Lua e abreviassem o futuro.

E assim, naquela madrugada quente (entenda-se, eu estava em Portugal) de 21 de julho, senti pela primeira vez que eu fazia parte da raça humana, quando o locutor informou que, naquele momento, um bilhão de pessoas, à época um terço da população terrestre, assistiam ao mesmo momento pela televisão. Éramos uma só tribo. De 50 anos para cá, nunca mais senti algo parecido.

Então, que os teóricos da conspiração me perdoem. Não há a mínima hipótese de que aquilo tenha sido fake. Nem havia tecnologia para engendrar uma armação deste quilate. Havia, sim, a competência extraordinária e a coragem insana da gente que dedicou corpo e alma à maior empreitada da Humanidade até hoje.

Oswaldo Pereira
Julho 2019

sábado, 13 de julho de 2019

DESTINOS CERTOS: SOTAVENTO ALGARVIO



Há algum tempo, num dos muitos momentos em que me senti embalado pelas terras de Portugal, escrevi isto:

“Nove da manhã. O sol explode na porta da pequena pousada e surpreende quem sai da semipenumbra do saguão de entrada.  Além dele, o mar, lá embaixo, verde-azul profundo, abraçado por uma delicada enseada de areias prateadas pelo dia algarvio e levemente ondulado pelo sopro de uma brisa tão benfazeja como o silêncio que abençoa tudo em volta. É manhã de verão nesta vilazinha praieira do sul português e é como se o mundo e o tempo parassem para render seu tributo a este momento de paz maior que os sentidos. É hora de usá-los com sapiência e saborear os cheiros de suave maresia, cheirar as cores que branqueiam as casas e enverdecem a verdura dos campos, degustar com os olhos bem abertos a sensação de primeiro dia do universo e ouvir a quietude reinante.
A escada de pedra vai serpenteando preguiçosa em direção à água, contornando com carinho a aldeia de arquitetura simples e repousada em suas origens árabes. Afinal, o norte africano está logo ali, do lado de lá deste azul real que se estende à frente. Terras mouras, de onde eles vieram para dominar, por séculos, esta península e deixarem, antes de partir, seu indelével traço genético que ainda azeitona a pele dos que aqui vivem, além de sua arte e do vasto repertório de palavras que enriquecem o nosso vocabulário. Como Al-Gharb, estreita faixa de terra entre o mar e a montanha, que ficou para nomear esta província, a mais meridional do Portugal Continental.
É uma terra de histórias, do projeto das descobertas concebido em Sagres, de saudades de um Dom Sebastião que partiu atrás de uma miragem para seu destino em Alcácer-Quivir, dos pedaços de nevoeiro que nunca mais o trouxeram de volta.
E é aqui, nesta costa de casario alvo, manhãs claras, poentes mágicos, degraus rústicos e silêncio dourado, perfumada pelo cheiro salgado do Atlântico, onde mais se sente o esplendor, a eternidade e o feitiço do verão português.” 

Estava eu, então, enfeitiçado pelo dourado verão português, espreguiçado numa manhã de brisa leve, sol quente e mar manso, em mais uma das incontáveis praias do litoral algarvio.

E é para este Algarve que voltei há dias. Fui para a metade leste deste retângulo que vai da ponta de Sagres até o rio Guadiana, que o separa de Espanha, sempre banhado por um Atlântico de águas mornas. É terra de areais infinitos, de braços de mar gerando ilhas brancas e lagoas cristalinas, de mesas fartas de ostras, polvos e vinhos brancos espertos. E de História.

CASTELO DE CASTRO MARIM
Como Castro Marim, vila que foi fenícia, cartaginesa, grega, romana e visigótica. Dominada pelos mouros no século VIII, foi reconquistada pelos portugueses em 1242. E foi para lá que os perseguidos templários vieram de França e foram recebidos por um generoso de D. Dinis, que os acolheu na Ordem dos Cavaleiros de Cristo.


Como Cacela Velha, vila mourisca debruçada sobre a miragem da Ria Formosa. Foi uma das pérolas muçulmanas da época do califado, lar de poetas e cronistas. Hoje, apesar de cristã desde o século XII, ainda canta versos árabes em suas ruas estreitas.

CACELA VELHA

E há Tavira, onde numa praia chamada da Terra Estreita a vista se perde na contemplação da longa língua de areia entre o oceano e as rias. Há também Vila Real de Santo Antônio, desenhada pelo Marques do Pombal, no limite mais oriental da província, como que a mostrar aos espanhóis do outro lado do Guadiana o engenho e a arte dos portugueses.
OLHÃO
Há mais, muito mais. Há Olhão das grandes marés, há Quarteira de dunas infinitas. Muitas cores e muito mar, neste Sotavento Algarvio. Um destino certo.

Oswaldo Pereira
Julho 2019