sábado, 14 de abril de 2018

RUAS DO VELHO OESTE



Resolvi deixar passar um tempo. A poeira abaixar, os ânimos serenarem.

Mas o mundo de hoje tem Facebook. E Twitter. Duas ruas do velho oeste onde vários duelos ocorrem em qualquer tarde ensolarada. Palavras que voam a esmo como as balas nos antigos tiroteios, contundentes e irreconciliáveis, destilando peçonha como dardos envenenados.

Nunca usei (e nem gostei) do Twitter. Sua proposta de limitar a comunicação a um número pré-determinado de caracteres insultou-me logo de início. Como assim? Uma linguagem de telegrama na era da Web? Seria possível que o gosto pelas palavras era agora um pecado abominável? E a construção de uma frase elaborada, a burilar ideias e lapidar pensamentos, onde ficava? Passei ao largo...

O Face tinha melhor propósito, além do objetivo, que agora descobrimos, de vender informações pessoais. Admitia imagens, permitia texto longos, citações derramadas por vários parágrafos, e as caretinhas simpáticas dos emoticons. Nosso círculo de amizades estava ali, à mão, pronto para nos ver e ouvir. E não só. Nossa comunidade de amigos nos iria curtir, cutucar e, suprema prova de carinho, compartilhar as nossas manifestações, nossos mementos e nossos devaneios.

O problema é que tudo isso virou arena. Virou campo de batalha. Virou um esgoto virtual, onde se despeja o lixo das fake news, o veneno do bullying, o destrave dos recalques e o rastilho dos confrontos. Um bate-boca só. E, por isto mesmo, as redes sociais estão desmanchando o sonho para o qual foram concebidas, o de aproximarmo-nos do aconchego de nossas amizades. Em suma, perdeu a graça.

Tenho ido cada vez menos ao Face. Quase somente para publicar os meus textos e rezar para que eles se esgueirem entre a fuzilaria e cheguem sãos e salvos aos olhos de meus resignados leitores. Não tenho mais paciência para ficar desbobinando, minutos a fio, esse interminável espetáculo de engalfinhamento verbal e de troca de farpas.

Prefiro ler um bom livro.

Oswaldo Pereira
Abril 2018

terça-feira, 3 de abril de 2018

QUATRO DE ABRIL



Amanhã será 4 de abril. Para a maioria dos brasileiros que, de alguma forma e feitio, se interessam pelo futuro deste país, a data traz uma aura de expectativa. Amanhã, a Justiça desta terra se achará defronte a uma encruzilhada conceitual que poderá definir se estamos mesmo num Estado de Direito Legal ou Casuístico. Afinal, foram os próprios membros do Supremo Tribunal Federal que se auto conduziram para esta camisa de onze varas. Permeáveis a pressões, inconstantes em seus julgamentos e com os ouvidos abertos às ambições políticas, vários de seus ministros acabaram por permitir o julgamento esdrúxulo de um habeas corpus a um condenado em segunda instância. Rasgaram o Processo Penal e sua própria decisão de dois anos atrás.’

Será um problema da data?

No dia 4 de abril de 1968, três importantes curvas do destino deixaram marcas no chão deste planeta.

Simultaneamente lançado pela MGM no Warner Cinerama Theater, em Hollywood, e no Loew’s Capitol em Nova Iorque, estreava 2001: Uma Odisseia no Espaço. Fruto da reunião de dois imensos talentos, o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke e o realizador de cinema Stanley Kubrick, o filme iria mexer com a cabeça de uma geração e inspirar uma descendência de produções que seguem a mesma trilha até hoje. Clarke tinha apenas uma ideia na cabeça e uma dúvida quando procurou Kubrick. Obcecado com a questão de por que uma determinada tribo de macacos pré-históricos havia dado o salto quântico e disparado na rota da evolução, o escritor ficou maravilhado com a solução do monólito negro proposta pelo cineasta. Bingo!

No mesmo dia 4, às seis da tarde, Martin Luther King estava na varanda do Lorraine Motel, em Memphis, quando foi morto pela bala de um fuzil Remington modelo 760.  As ondas de choque de seu assassinato reverberaram por uma nação dividida pelos conflitos raciais e pela guerra no Viet Nam. Mas, ele deixara uma mensagem e um recado. As batalhas pelos Direitos Civis foram muitas, houve avanços e retrocessos, mas hoje ninguém pode negar que a morte de King pôs os Estados Unidos no caminho de uma igualdade de direitos cujas leis, embora ainda desrespeitadas por muitos, são um marco contra o preconceito.

O terceiro acontecimento faz parte da minha crônica pessoal. No dia 4 de abril de 1968, estava eu à espera de dois amigos para almoçarmos juntos. Morando em Portugal, na época, viera ao Rio em férias, depois de mais de dois anos, e o local mais adequado para o encontro, já que ambos trabalhavam no Centro, foi a esquina da Avenida Rio Branco com Presidente Vargas. Para os mais esquecidos, é a praça onde se situa a majestosa Igreja da Candelária.

Em Portugal, vivia-se ainda sob o regime de Salazar. Aqui, era o Governo do Costa e Silva. Eu apenas trocara ditaduras, mas, que diabos, eu estava em férias e procurava ser apolítico.

A primeira sensação de que algo estava errado foi um aumento rápido e prodigioso de pessoas naquele local. E, não estavam de passagem. Vinham, e ficavam, como à espera de algo. Quando dei por mim, estava cercado por uma multidão incalculável, impedido de sair dali. Algumas faixas já apareciam. E, então, eu entendi. Era o dia da Missa de Sétimo Dia de Edson Luis Souto, um estudante morto dias antes e transformado, pela oposição ao Governo, num símbolo de resistência. Eu estava preso numa página da História.

A polícia veio, a cavalo. As cenas da dispersão na base de sabre e gás lacrimogênio correram o mundo e, até hoje, fazem parte dos documentários da época.

Isto tudo faz exatos 50 anos no dia de amanhã. 1968, um ano que para alguns não acabou, iria cumprir sua sina de divisor de águas, nos Dias de Maio na França, na Ofensiva do Tet no Viet Nam, no assassinato de Robert Kennedy, no massacre de My Lai, no nascimento da Tropicália, no lançamento do Álbum Branco dos Beatles, na assinatura do AI-5.

E 2018, como será?

Oswaldo Pereira
Abril 2018