quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

NO TEMPO DOS ROMANOS


«Chame as legiões!»

Raulis fez a vênia reverencial, girou sobre os calcanhares e saiu em acelerado da sala do trono. Finalmente, era a ordem que esperava. A situação em Rioma era insustentável. As hordas de malfeitores haviam dominado as colinas da cidade. O Palatino, o Aventino e o Tijucano gemiam sob os confrontos diários entre traficantes de ópio, comerciantes de escravos e bandidos vindos de outras províncias. A Guarda Policiana estava desorientada, o Praefectus desaparecera e o Gubernatorius Ludovicus Ferdinandus Pezanis havia aparecido na janela do Forum apenas para jogar a toalha da rendição.

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As tendas estendiam-se até onde a vista podia alcançar. Na sua liteira, Raulis sentiu sua confiança crescer. O exército! Agora, sim. A bandidagem não perdia por esperar...
Nettus, o General, recebeu a ordem de Raulis com serenidade. «O Imperador espera que cumpra sua missão com rapidez e eficiência. O crime organizado tem de ser erradicado de Rioma. Use todos os meios possíveis. Você terá todo o apoio de Sua Majestade. Ave, Temerus!» E partiu.

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Em uma semana, as legiões haviam cruzado o Rubicão do Sul, entrado no perímetro externo da capital, feito algumas incursões nos alagados da baía e inspecionado vários campos de prisioneiros. Mas, nem tudo andava bem.

«Problemas, General...»
«Diga, Tribuno.»
«Fomos impedidos de trazer as nossas catapultas para este lado do rio.»
«Como assim?! Por quem?»
«Pelo próprio Imperador Temerus, incomodado com os comentários de alguns senadores...»
«Mas, como espera ele que eu consiga vencer as trincheiras do complexo dos germânicos?...»
«Pois é. Mas, ainda há mais. Muitos dos suspeitos que havíamos prendido e entregue à Guarda Policiana foram soltos e estão de novo nos atacando...»
«Soltos??!! Por ordem de quem??»
«Os delegatus estão recebendo centenas de habeas corpus, emitidos pelo Tribunalis Supremus. Não podemos fazer nada.»

Nettus olha para o mapa de Rioma.

«E as providências de cercar as colinas, proibir a entrada e a saída de quem não prove ser trabalhador e cidadão, impedir a subida de carroças suspeitas e apreender toda mercadoria sem origem definida?»
«Impensável. As organizações de Jus Humanus já se pronunciaram, dizendo que isto seria um inaceitável cerceamento do direito de ir e vir...»

Nettus vai até a porta de sua tenda. A desesperança começa a cutucar sua alma de militar. Como cumprir a missão?... As luzes dos archotes tremeluzem ao longo da imensa baía. O desabafo escapa baixinho.

Pobre Rioma...

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2018


domingo, 18 de fevereiro de 2018

CULPAS & RESPONSABILIDADES


Desde quarta-feira de Cinzas, quando foi decretada a intervenção federal na Segurança do Estado do Rio de Janeiro, o assunto tomou conta das redes sociais. Não podia ser de outra forma. Embora não possam ser consideradas como “termômetro” da opinião nacional (a maioria dos brasileiros ainda está à margem do mundo digital), o Face, o Twitter e outros que tais chegam a dar conta do pensamento de uma parte da população dos centros mais avançados do país.

Deste painel que ainda se desenrola nas redes, emerge a mensagem de que a franca maioria defende a medida. Para ela, é a resposta a um pedido de socorro, depois de um Estado que sofreu a maior ação de pilhagem dos cofres públicas de que se tem notícia no Brasil, e no mundo, perder sua capacidade de gerir os serviços mais básicos da administração pública. Sérgio Cabral e seus comparsas surrupiaram até a última gota de recurso do erário, deixando para o atual Governador um imenso buraco vazio nos cofres e montanhas de contas a pagar. Seria necessário um Gerente com G maiúsculo e com muito talento para equilibrar a situação. Mas Luiz Fernando Pezão não é esse tipo de administrador. Longe disto.

Como uma desgraça nunca vem só, o Prefeito da cidade do Rio é, na avaliação que também aflora das já citadas redes sociais, uma das maiores nulidades da história municipal. E olhe que o Rio já passou por figuras que nem a pior das maldições conseguiria engendrar. Marcelo Crivella, além de sua proverbial alienação quando confrontado com os problemas da metrópole que supostamente deveria governar, resolveu partir em doce vilegiatura pela Europa em pleno Carnaval.  Um pecado de lesa pátria. Na maior festa do calendário carioca, o Prefeito some! Dizem que, por ser bispo evangélico, abomina a festividade símbolo da Cidade Maravilhosa. Então, por que se candidatou? Como se diz por aqui se não sabe brincar, não desce pro play...

Sem comando e sem dinheiro, a cidade vinha experimentando uma escalada de violência e insegurança, com indícios de que o aparato policial já não conseguiria controlar a situação. Na última quarta-feira, Pezão jogou a toalha.


Mas, como sou carioca há 77 anos, preciso testemunhar o seguinte. A culpa pode ser dos atuais políticos. A responsabilidade, porém, vem de longe.
Vem do abandono romântico com que se deixaram vicejar as invasões que deram origem às primeiras favelas. Vem do mitológico laissez-faire dos habitantes de uma cidade abençoada por um dos mais deslumbrantes cenários do planeta. Vem do espírito irreverente com que os eleitores praticaram o voto de protesto, escolhendo incompetências notórias para administrar os nossos destinos. Qualquer pessoa que olhe o Rio de hoje, desfigurado por quase duzentas favelas, cuja população soma perto de um terço do seu total de habitantes, pergunta-se. Como foi possível deixar isto acontecer?

Já em 1965, elas começavam, aos poucos, a invadir áreas nobres da cidade. Lembro-me de um aglomerado que ocupava o alto do morro do Pasmado, ali mesmo, sobre o Túnel Novo, de cara para a Praia de Botafogo e o Pão de Açúcar. Carlos Lacerda, recém empossado no Governo da Guanabara, não fez por menos. Cercou o morro e deu 48 horas para as pessoas saírem. Depois, mandou queimar tudo. Nunca mais se viu um barraco no Pasmado.

Mas, não se fizeram mais Lacerdas. Fizeram-se foram muitos Brizolas, Beneditas, Rosinhas e Garotinhos. E, hoje, não há mais como erradicar essas comunidades. A cidade deslumbrante terá de conviver com suas feridas. Feridas que ainda sangram, guetos que se transformaram, com nossa passividade e conivência, em fortalezas inexpugnáveis dos cartéis da droga, labirintos construídos pelas invasões de terra que ninguém quis enxergar, construções condenadas que deixarão para sempre suas cicatrizes no rosto de um Rio que desaparece no passado.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2018






segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

GARY CHURCHILL



O título do filme em inglês, Darkest Hour (A Hora Mais Negra), pretende passar a imagem da desesperadora situação da Grã-Bretanha em maio de 1940, quando tudo indicava que a Alemanha ganharia a Segunda Guerra Mundial. Praticamente só, depois que as tropas de Hitler haviam subjugado quase todo o continente europeu, claramente despreparada para um novo tipo de estratégia militar e com todo o seu exército confinado nas areias de Dunquerque, a velha Albion esperava o pior. A alternativa da rendição com um mínimo de honra, com termos que a permitisse salvar pelo menos boa parte de seu império ultramarino, apresentava-se com a única saída viável para a maioria dos políticos britânicos.

Na verdade, Churchill, o homem que virou a maré adversa naquele terrível momento, disse exatamente o contrário na época. Num de seus mais inspiradores discursos (e foram muitos), ele declarou que, se a Nação sobrevivesse, dali a mil anos os historiadores se refeririam àquele período da história do povo inglês como “their finest hour”.  A sua hora mais esplendorosa.

Assim era o homem. Na minha modesta visão, Churchill foi o mais crucial político do século XX. Se não tivesse ocupado o posto de Primeiro Ministro e não houvesse acordado a tenaz fibra de resistência que fez seus conterrâneos suportarem meses de bombardeios devastadores, muito provavelmente o nosso mundo de hoje seria completamente diferente. Nas várias projeções feitas por historiadores e sociólogos, se a Inglaterra se rendesse, uma grande Europa pangermânica se perpetuaria por décadas. Os Estados Unidos não teriam adquirido a preponderância que têm hoje e a União Soviética teria sido derrotada pelos alemães. Com grande possibilidade, o holocausto desapareceria nas sombras de uma feroz ocultação e muitas regiões do planeta com forte ascendência alemã se tornariam parte do grande Reich. Winston Churchill, e só ele, foi o vetor do nosso presente.

Mas, eu não vim aqui falar dele. Isto eu já fiz há tempos no meu post “Símbolo” (aqui vai o link para quem quiser relembrar http://obpereira.blogspot.com.br/2015/02/simbolo.html.) O que eu quero comentar é a atuação extraordinária de Gary Oldman que o reviveu em “O Destino de Uma Nação”.

Vários grandes atores já viveram o papel. Bo Hoskins, Brendan Gleeson, Michael Gambon, Brian Cox e Albert Finney, entre outros, já puseram o charuto na boca para viver o famoso inglês. Em Inglorious Basterds, até Rod Taylor faz uma ponta como o velho bulldog. Mas, Gary Oldman faz mais. Como em outras atuações históricas, tipo Ben Kingsley em Gandhi, Daniel Day-Lewis em Lincoln, Meryl Streep em The Iron Lady e Helen Mirren em The Queen, Oldman não interpreta Churchill. Ele é.

Reconhecido como um camaleão, o londrino Oldman transitou com sucesso por papéis de vilão, de Lee Oswald a Dracula, de policial bonzinho como o James Gordon numa trilogia do Batman e de figuras inesquecíveis como Ludwig van Beethoven em “Minha Amada Imortal”. Além de ator completo, ainda toca vários instrumentos e canta, como fez em Sid & Nancy, filme no qual interpreta o músico Sid Vicious.

Ainda vi pouco dos outros candidatos ao Oscar de Melhor Ator. Mas o que vi de Gary Oldman em Darkest Night encheu-me os olhos. Do físico rotundo ao s sibilino (Churchill tinha um defeito de dicção característico), ele traz de volta o homem que mudou os nossos destinos.

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2018



segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O BRASIL E O FUTURO


A Rede Globo lançou, neste início de ano, uma campanha para que seus espectadores gravem uma rápida mensagem com sua opinião sobre o futuro do país. O tema chama-se “Que Brasil Eu Quero para o Futuro” e, em 15 segundos, a pessoa, com imagens representativas de sua cidade ao fundo, deve dizer o que pensa sobre o nosso porvir. A ideia é coletar pelo menos uma gravação de cada um dos 5.570 municípios brasileiros e oferecer um painel do sentimento nacional neste ano de eleições presidenciais.

É claro que a turma do “Eu odeio a Globo” já acionou suas patrulhas e vem fazendo pouco da iniciativa. Mas, eu gosto da proposta. E fico me imaginando cogitar sobre o futuro desta nação de dias tão conturbados. Mas, como dizer tudo em míseros 15 segundos?...

Aí lembrei-me deste espaço livre do meu blog e, mesmo declinando da oportunidade de aparecer na telinha mostrando o Jardim Botânico de background, resolvi aproveitar da relativa liberdade de tempo que a palavra escrita me concede e pensar alto sobre o assunto.

A primeira pergunta é: QUAL futuro? Anos? Décadas? E aí vem um probleminha. Como já estou avançado nos setenta anos, qualquer futuro muito alargado já não me apanha. Um futuro brasileiro para meus filhos e netos? Sorry, mas todos eles vivem em outras plagas e devem estar preocupados com o amanhã das terras em que moram. Assim, vou acabar falando em teoria, sobre uma cápsula de tempo na qual, nem eu, nem minha descendência, viveremos.

Outra questão é a natureza da pergunta. Se todos os participantes da pesquisa se concentrarem no “que Brasil eu QUERO”, a maioria das respostas pode descambar para uma ladainha de wishful thinking, de sonhos e desejos que poderão afundar no lugar comum dos adjetivos justo, feliz, igualitário, o melhor lugar do mundo, etc., etc., e tudo o mais que se imagina como atributos de um paraíso terrestre.

COMO CHEGAR LÁ? Esta devia ser a pergunta. Como sair do atoleiro institucional, dos oceanos de pobreza, da falência da educação, do descalabro da saúde pública em que hoje nos encontramos? Qual o caminho para limpar os órgãos da administração estatal da lama venenosa da corrupção, como acabar com o viciado sistema político que (des)governa o país?

Qual a receita para exterminar o jeitinho manhoso, o desinteresse pela coisa pública, a cervejinha do guarda, a crença de que a lei só se aplica aos outros, a furadinha de fila nos cinemas e nas esperas de um transplante, a ultrapassagem pelo acostamento, a satisfação íntima de ter ganho uma vantagem indevida.

É isto que eu quero ver respondido.

Oswaldo Pereira

Fevereiro 2018