quinta-feira, 26 de outubro de 2017

BLADE RUNNER 2049


Remakes & Sequels. Bem que a indústria do cinema podia criar esta categoria. Novas versões & 1, 2, 3 poderia ser a tradução livre. Já é um gênero, dada a persistência com que cineastas, produtores e roteiristas têm-se dedicado a revisitar ou estender temas e ideias de sucessos originais. A coisa vem de longe, é verdade. O Ben-Hur de Charlton Heston já foi um remake de um homônimo do cinema mudo. Os Dez Mandamentos, com o mesmo bíblico Heston, da década de 1950, uma refilmagem de outro de trinta anos antes. A lista é longa. Os Três Mosqueteiros já teve mais de cinco repetições, King Kong outras quatro. Clássicos qualificados de definitivos, como Psicose, Os Sete Magníficos, O Destino do Poseidon e O Dia do Chacal acabaram não resistindo ao apetite dos renovadores e surgiram em nova roupagem. É como se alguém se propusesse a novamente esculpir a Pietà ou repintar a Noite Estrelada. Ou seja, quase nunca dá certo.

No terreno das sequências, a coisa melhora um pouco. Há vida para além de Rocky I, II, III etc., ou da alentada família de super-heróis, um constante jorrar de sequelas que faz a festa do pessoal da computação gráfica. Star Wars é um exemplo de como uma ideia pode evoluir, decair e recuperar seu rumo. De Volta Para O Futuro fez três ótimos capítulos e, com talvez apenas um “furo”, a saga dos Aliens está sendo bem contada.

Tudo isso para chegar no Blade Runner 2049.

Logo de saída, preciso esclarecer que o primeiro capítulo, de 1982, figura entre os melhores filmes de ficção científica a que assisti. Quatorze anos depois de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, a realização de Riddley Scott (pouco conhecido então) bateu fundo. Na década de 1980, com os alertas de um futuro acossado pelas agressões ambientais, um mundo distópico, cinzento, poluído e degradado podia ser vislumbrado para dali a 40 anos e a ambientação de um dia-a-dia do século XXI, com sua chuva negra, seus outdoors gigantescos e orientalizados, seus carros voadores e a angústia depressiva flutuando num ar saturado perfeitamente reconhecível como provável.

Mas o meu fascínio veio da mensagem embutida no dilema dos Replicants. Construídos à perfeição, estavam fadados à precariedade de uma vida curta. E isto havia sido o tema central de toda a minha revolta contra o milagre da criação desde a juventude. Por que havíamos sido dotados da miragem da fruição de uma imortalidade terrena, se jamais iríamos ser capazes de tê-la? A forma poética com que, ao final do filme, Roy Batty, o replicante magistralmente interpretado por Rutger Hauer, homenageia a vida enquanto ela se apaga para ele, permanece, para mim, como uma das mais lindas cenas do cinema. (E com a música de Vangelis ecoando ao fundo, é de arrepiar...)

Assim, fui ver BR 2049 com uma pontinha de receio e desconfiança. Riddley Scott deixara a batuta na mão de Dennis Villeneuve. Ryan Gosling era o novo caçador de androides, Hans Zimmer substituíra Vangelis. E se tudo fosse um grande equívoco?

Agora sei que não é. O filme mantem a pegada apocalíptica do primeiro e o tom certo da interpretação de Gosling ganha o dia. Trinta anos à frente, Los Angeles adensa sua atmosfera brutal de cidade terminal e segue como pano de fundo perfeito para a trama. A toda hora, citações e simbolismos premiam o espectador atento com verdadeiras joias escondidas no roteiro. E é especialmente bem apanhada a cena de reaparecimento do velho Rick Deckard, um Harrison Ford bem temperado pelos anos.

Nestas décadas em que o primeiro Blade Runner virou cult, a grande pergunta foi se Deckard era ou não androide. Para não estragar a festa de quem ainda não assistiu ao 2049, apenas informo que esta dúvida fica ainda mais alargada na presente produção. E a fina linha divisória entre replicantes e humanos torna-se ainda mais tênue.

Mesmo sem o lirismo do primeiro filme, o segundo merece elogios. Parece que não anda bem nas bilheterias. Talvez vire, como o outro, cult. Mas é bom o bastante para sugerir que, daqui a mais 30 anos, seja realizado um Blade Runner 2079. Quem viver, verá...

Oswaldo Pereira
Outubro 2017


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

CHAMAS


Portugal arde. Califórnia também.

Não sei o que se passa nos Estados Unidos, mas por aqui esta nova tragédia faz despertar uma incontida ânsia de descobrir os culpados. As cenas do pinhal milenar de Leiria queimando como as fornalhas do inferno, os vídeos de carros apanhados numa armadilha de fogo, os relatos ao vivo de perdas irreparáveis tocam fundo. A magia do celular-câmera transforma todos nós em repórteres em primeira mão e a realidade escancara sua boca sem retoques ou photo-shops.  A pancada é direta no estômago. E provoca o regurgitar de dezenas de perguntas. Como pode isto acontecer? Por que isto aconteceu? A quem cabia não deixar isto acontecer? Quem falhou? E, da Natureza até aos serviços de proteção civil, passando pelo Governo, Câmaras Municipais, Bombeiros, Autarquias e Segurança Pública, uma longa lista de culpados se forma nos noticiários, nas opiniões dos experts de plantão e nas onipresentes redes sociais.

Estranhamente, fala-se pouco nos incendiários. E é mesmo de estranhar-se pois, mesmo se reconhecendo a situação propícia criada por um dos verões mais longos, quentes e secos do século, quinhentas ocorrências de focos de incêndio ocorridas num só dia (domingo passado, 15 de outubro), não pode ser obra só da mãe natureza. Ninguém parece atentar muito para a branda legislação que pune com penas reduzidas e apenas monitoramento individual os criminosos que, por descuido ou por vontade, disparam as chamas que matam e destroem incontáveis sonhos e vidas. O atear de um fogo precisa ser encarado como um ato de vilania e periculosidade comparável a um atentado terrorista. Seu dano pode ultrapassar a contabilidade hedionda de bombas, tiros ou atropelamentos praticados pelo terror urbano. Só neste ano, em Portugal, perderam-se milhares de habitações, centenas de propriedades rurais e de negócios. E uma centena de vidas.

Agravamento da legislação penal, reordenação da ocupação florestal, apetrechamento adequado dos meios de combate ao fogo, melhoria dos procedimentos de emergência são providências que o Estado Português vai precisar introduzir com profunda seriedade e eficiência. E rapidez. O verão acabou e as primeiras chuvas outonais vêm amansar a fúria do fogo.

Mas, o verão de 2018 está à espreita, logo ali, daqui a oito meses...

Oswaldo Pereira
Outubro 2017


quinta-feira, 5 de outubro de 2017

INSANIDADE


Como entender algo assim?

Que escaninhos tortuosos da mente humana regem atos como esse?

O que leva um homem aparentemente normal, sem problemas financeiros ou de saúde, a tornar-se num monstro assassino, de uma hora para outra?

Que gatilho emocional o fez disparar a morte sobre uma multidão de desconhecidos?

Que fantasia alucinada pariu ele em seus neurônios? Em nome de que ou de quem? O que alimentou sua fúria? Vingança? Desespero? Onipotência?

Só tenho perguntas. E a esperança de que algum psicólogo de plantão me explique.

Steve Paddock não é o primeiro. Nem será o último. Já tivemos outros massacres, nos Estados Unidos, na Noruega, até no Brasil. Na maioria deles, acabou-se por encontrar um motivo, uma distorção de caráter, um despeito afogado, um recalque mal curado, uma alucinação religiosa. Ervas daninhas escamoteadas, às vezes durante anos, por um comportamento social exemplar, prontas a explodir como uma caldera fumegante de ódio.

Queria só entender.

Só não vou perceber é como a legislação de um país permite a um cidadão possuir 42 armas de fogo, sem ser colecionador ou comerciante do ramo. Tem muita gente dizendo que uma coisa não tem a ver com a outra. Pode ser. Gostaria de acreditar, mas acho complicado.

Enquanto isso, o triste recorde de 58 mortos (até agora) e 547 feridos sangra nos noticiários.

E mais uma pergunta flutua num céu de chumbo. Até quando?

Oswaldo Pereira
Outubro 2017