terça-feira, 27 de setembro de 2016

RUSSIA I



Talvez nenhum dos meus abnegados leitores tenha notado, mas durante vinte dias este blog ficou mudo. Vai ver foi falta de inspiração, alguns dirão. Outros creditarão o mutismo a uma profunda depressão instilada pelos percalços políticos brasileiros.

Felizmente, não foi nada disto. Eu estava na Rússia.

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A Rússia é grande. Óbvio ululante, filosofaria Nélson Rodrigues. Mas, talvez eu tenha escrito a frase errada.

O correto seria dizer Na Rússia tudo é grande. Avenidas, monumentos, palácios, rios, lagos, extensões infinitas de tundras e savanas, igrejas de domos curvos e dourados, florestas intermináveis de bétulas, pinheiros, carvalhos e choupos. Poetas, escritores, cidades e heróis.

E, é claro, seus 17,1 milhões de quilômetros quadrados, seus 146 milhões de habitantes e uma história que começa no alvorecer do século IV, quando tribos de eslavos começaram a se juntar, até formar um estado medieval chamado Rus. Dominavam, já então, um imenso território, rico em madeiras e metais preciosos. Não tardou muito, e os mongóis atacaram. Em 1235, a Horda Dourada veio como um tsunami, atravessando as planícies siberianas, as brechas dos Urais, espraiando-se até o Mar Negro e o Cáucaso e chegando às margens do Danúbio.

Seu próprio gigantismo e o cutelo da Peste Negra acabaram por desintegrá-la e, em meados do século XV, os russos estavam novamente prontos para assumir seu destino. Os primeiros a empreender a tarefa de reunir as tribos e dar uma identidade ao povo foram os Ruryk.  Mas sua dinastia durou pouco. Ivan, o Terrível morreu depois de seus herdeiros e abriu um vácuo no poder. Então, uma figura extraordinária iria surgir. Seu nome era Peter Alexeyevich Romanov.
PEDRO, O GRANDE

Como eu acima disse, na Rússia tudo é grande. Peter Romanov tinha 2,04m de altura. Superlativo em tudo, iria trazer a Rússia de um semi obscurantismo medieval para as luzes do humanismo setecentista e dar à sua corte o refinamento dos demais salões reais europeus. Aumentando seu império em sucessivas guerras vitoriosas, Pedro, o Grande, transformaria seu país numa potência militar e a cidade que fundou, São Petersburgo, num animado centro cultural.

Mas a verdadeira Era de Ouro da Rússia ainda estava por chegar. Ela viria pelas mãos ou, melhor dizendo, pela fulgurante personalidade de uma princesa prussiana chamada Sophie Friedericke Augusta von Anhalt. Casada com o tsar Pedro III, neto do grande Pedro, ela tornar-se-ia, com a morte do marido, a imperatriz Catarina II. Cujo epíteto viria a ser (vocês adivinharam...) a Grande.

CATARINA II

Catarina reinou 37 anos. Por conquistas ou por diplomacia, estendeu ainda mais suas fronteiras. Cercada de artistas, generais, políticos, conselheiros e amantes, não necessariamente nesta ordem de importância, administrou seu império, agora de dimensões quase incompreensíveis, com inigualável competência. Seu fervoroso empenho em adotar a língua, a religião e a identidade russas a colocou no coração de seu povo adotivo. Todos a adoravam.

Depois veio Napoleão. Todo mundo sabe da história. A invencível Grande Armée se despedaçando nas intermináveis planuras brancas de neve, o maior desastre militar de todos os tempos. O Marechal Kutusov e o General Inverno.

NAPOLEÃO EM RETIRADA
 Em meados no século XIX, o mundo mudava rapidamente e monarcas absolutistas iam saindo de moda em toda a Europa. Os tsares não perceberam a mudança. Só acordaram quando o massacre de 1905, o domingo sangrento às portas do que hoje é o Museu Hermitage, fez tremer os alicerces da nobreza russa. Logo a seguir, a Primeira Guerra Mundial derrubou os castelos de cartas das outras casas reais do continente. A Revolução de Outubro liquidou Nicolau II e sua família. E a Rússia mudou de nome.

LÊNIN
 Foram anos de profundas e brutais transformações. Uma nova ordem, um novo credo, um novo poder. Quatro gerações iriam aprender a cartilha do Comunismo, viver sob sua hegemonia, nascer, crescer, casar, ter filhos e morrer num regime em que o Estado era o supremo provedor. O carisma de Lênin e o punho de Stalin reorganizaram a vida da gente russa e a União Soviética emergiu como um gigante monolítico. E foi novamente em seu solo enregelado que outro conquistador teve seu encontro com a derrota. Mas, a Segunda Guerra Mundial foi uma hecatombe. Vinte e sete milhões de russos morreram, um preço cruel e devastador.


No pós-guerra, a Guerra Fria, agora contra seu oposto natural, uma América emergente, ambiciosa e capitalista. Espiões, mísseis, ameaças, subversões e a corrida espacial municiaram o noticiário, escritores e a indústria de thrillers cinematográficos durante os anos 1950 a 1970. Aos poucos, a brincadeira foi ficando cara e perdeu a graça. Na década de 80, o degelo era evidente e a própria URSS dava sinais de que o experimento socialista chegava ao fim. Bastou a Gorbachov desatar o nó, e o pacote soviético se desintegrou.

E esta foi a Rússia que fui encontrar. Lojas de grife, Audis e BMW’s, ubíquos smartphones, de um lado. De outro, uma orgulhosa preservação de seu passado, de suas vitórias e de suas transformações, de sua cultura, até de sua religião.
Vale a pena contar o que vi.
(continua)

Oswaldo Pereira
Setembro 2016


  

 


segunda-feira, 5 de setembro de 2016

RESET


A distância ameniza. Deste outro lado do Atlântico, as notícias começam a ficar rarefeitas, difusas, levadas pela bruma do oceano. Por mais global que esta aldeia planetária se tenha tornado, um voo de 10 horas afasta um pouco a realidade. Dilma, Lula, Temer, Cunha e outras sombras esfumam-se neste pôr do sol sobre o Tejo, as gravatas e os cabelos alourados de senadores e senadoras submergem neste marulhar tranquilo de uma praia lusitana. É como o rufar longínquo do trovão de uma tempestade que não vai cair por aqui.

As artes do escapismo, eu sei. Uma defesa ao melhor estilo do proverbial avestruz. Enfiar a cabeça neste areal português, fingir que Cabral ainda não partiu. Imaginar que Pindorama ficou à margem das descobertas, que índios e papagaios povoam imperturbados as frondosas florestas em sua idílica comunhão com uma natureza sensual e sempre em festa.  

O poente é lento, nesta tarde lusa. Hora de sonhar. Cabral não foi. Os varões assinalados não passaram pela Taprobana e tampouco cruzaram o mar. O Brasil lá ficou, deitado em seu berço esplêndido, ao som e à luz de seu próprio mundo, esperando um futuro que não chegou.

Já imaginaram? O país ainda no seu marco zero, virgem, indeflorado, seu HD ainda vazio. Começar de novo, com todos os créditos em aberto, apertar o reset. O que faríamos? Seríamos capazes, com as cicatrizes dos nossos erros, os remorsos de nossos pecados, a poeira dos nossos tombos, de reconstruí-lo sem superfaturamentos? De levá-lo por uma estrada sem recapeamentos? De colocá-lo numa escola sem roubar-lhe a merenda? De mostrar-lhe a manhã nascendo no horizonte sem destruir seus sonhos?

O poente acaba. O sol mergulhou. O sonho ainda flutua por instantes. Mas acaba por se esvanecer na escuridão. Não há replays. Infelizmente...

Oswaldo Pereira
Setembro 2016