Talvez nenhum dos meus abnegados
leitores tenha notado, mas durante vinte dias este blog ficou mudo. Vai ver foi
falta de inspiração, alguns dirão. Outros creditarão o mutismo a uma
profunda depressão instilada pelos percalços políticos brasileiros.
Felizmente, não foi nada disto. Eu
estava na Rússia.
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A Rússia é grande. Óbvio ululante, filosofaria Nélson Rodrigues. Mas, talvez eu tenha
escrito a frase errada.
O correto seria dizer Na Rússia tudo é grande. Avenidas,
monumentos, palácios, rios, lagos, extensões infinitas de tundras e savanas,
igrejas de domos curvos e dourados, florestas intermináveis de bétulas,
pinheiros, carvalhos e choupos. Poetas, escritores, cidades e heróis.
E, é claro, seus 17,1 milhões de
quilômetros quadrados, seus 146 milhões de habitantes e uma história que começa
no alvorecer do século IV, quando tribos de eslavos começaram a se juntar, até
formar um estado medieval chamado Rus. Dominavam, já então, um imenso
território, rico em madeiras e metais preciosos. Não tardou muito, e os mongóis
atacaram. Em 1235, a Horda Dourada veio
como um tsunami, atravessando as planícies siberianas, as brechas dos Urais,
espraiando-se até o Mar Negro e o Cáucaso e chegando às margens do Danúbio.
Seu próprio gigantismo e o cutelo da
Peste Negra acabaram por desintegrá-la e, em meados do século XV, os russos
estavam novamente prontos para assumir seu destino. Os primeiros a empreender a
tarefa de reunir as tribos e dar uma identidade ao povo foram os Ruryk. Mas sua dinastia durou pouco. Ivan, o
Terrível morreu depois de seus herdeiros e abriu um vácuo no poder. Então, uma
figura extraordinária iria surgir. Seu nome era Peter Alexeyevich Romanov.
PEDRO, O GRANDE |
Como eu acima disse, na Rússia tudo é
grande. Peter Romanov tinha 2,04m de altura. Superlativo em tudo, iria trazer a
Rússia de um semi obscurantismo medieval para as luzes do humanismo
setecentista e dar à sua corte o refinamento dos demais salões reais europeus. Aumentando
seu império em sucessivas guerras vitoriosas, Pedro, o Grande, transformaria
seu país numa potência militar e a cidade que fundou, São Petersburgo, num
animado centro cultural.
Mas a verdadeira Era de Ouro da Rússia ainda
estava por chegar. Ela viria pelas mãos ou, melhor dizendo, pela fulgurante
personalidade de uma princesa prussiana chamada Sophie Friedericke Augusta von Anhalt. Casada com o tsar Pedro III,
neto do grande Pedro, ela tornar-se-ia, com a morte do marido, a imperatriz
Catarina II. Cujo epíteto viria a ser (vocês adivinharam...) a Grande.
CATARINA II |
Catarina reinou 37 anos. Por conquistas
ou por diplomacia, estendeu ainda mais suas fronteiras. Cercada de artistas,
generais, políticos, conselheiros e amantes, não necessariamente nesta ordem de
importância, administrou seu império, agora de dimensões quase
incompreensíveis, com inigualável competência. Seu fervoroso empenho em adotar
a língua, a religião e a identidade russas a colocou no coração de seu povo
adotivo. Todos a adoravam.
Depois veio Napoleão. Todo mundo sabe da
história. A invencível Grande Armée se
despedaçando nas intermináveis planuras brancas de neve, o maior desastre
militar de todos os tempos. O Marechal Kutusov e o General Inverno.
NAPOLEÃO EM RETIRADA |
Em meados no século XIX, o mundo mudava
rapidamente e monarcas absolutistas iam saindo de moda em toda a Europa. Os
tsares não perceberam a mudança. Só acordaram quando o massacre de 1905, o domingo sangrento às portas do que hoje
é o Museu Hermitage, fez tremer os alicerces da nobreza russa. Logo a seguir, a
Primeira Guerra Mundial derrubou os castelos de cartas das outras casas reais
do continente. A Revolução de Outubro liquidou Nicolau II e sua família. E a
Rússia mudou de nome.
LÊNIN |
Foram anos de profundas e brutais
transformações. Uma nova ordem, um novo credo, um novo poder. Quatro gerações
iriam aprender a cartilha do Comunismo, viver sob sua hegemonia, nascer,
crescer, casar, ter filhos e morrer num regime em que o Estado era o supremo
provedor. O carisma de Lênin e o punho de Stalin reorganizaram a vida da gente
russa e a União Soviética emergiu como um gigante monolítico. E foi novamente
em seu solo enregelado que outro conquistador teve seu encontro com a derrota.
Mas, a Segunda Guerra Mundial foi uma hecatombe. Vinte e sete milhões de russos
morreram, um preço cruel e devastador.
No pós-guerra, a Guerra Fria, agora
contra seu oposto natural, uma América emergente, ambiciosa e capitalista.
Espiões, mísseis, ameaças, subversões e a corrida espacial municiaram o
noticiário, escritores e a indústria de thrillers
cinematográficos durante os anos 1950 a 1970. Aos poucos, a brincadeira foi
ficando cara e perdeu a graça. Na década de 80, o degelo era evidente e a
própria URSS dava sinais de que o experimento socialista chegava ao fim. Bastou
a Gorbachov desatar o nó, e o pacote soviético se desintegrou.
E esta foi a Rússia que fui encontrar. Lojas
de grife, Audis e BMW’s, ubíquos smartphones, de um lado. De outro, uma
orgulhosa preservação de seu passado, de suas vitórias e de suas
transformações, de sua cultura, até de sua religião.
Vale a pena contar o que vi.
(continua)
Oswaldo
Pereira
Setembro
2016