Em algum momento nos tempos da Grécia
Clássica, um jogo diferente começou a ser praticado. Dois grupos perseguiam uma bexiga de boi
inflada, usando os pés e o que mais fosse preciso para impulsioná-la e fazê-la
passar pelas linhas adversárias. O jogo, cujo nome era episkyros, “bola comum” numa tradução livre, foi herdado pelos
romanos, como tudo mais da civilização helênica. E, mesmo neste estágio
primitivo de sua história, já produzia notícia. O venerando Cícero relata o
caso de um pacato cidadão de Roma morto ao ser atingido por uma bola enquanto
se barbeava...
Com pequenas modificações em sua maneira
de jogar, o episkyros, nos vários
nomes que foi adquirindo ao longo do tempo, sobreviveu à queda do Império e
espalhou-se pela Europa medieval. Foi jogado por nobres e plebeus, padres e
leigos, soldados e paisanos. Sua atração era tão grande que alguns governantes,
como o Rei Eduardo III da Inglaterra, teve de proibi-lo, pois sua prática
desenfreada era uma perigosa distração dos outros deveres de seus súditos.
As primeiras consolidações de suas regras
começaram a aparecer no século XVII quando, em Florença, criou-se a modalidade
do calcio fiorentino. Ainda era, entretanto, um esporte bastante
violento, sendo inclusive empregado como uma forma de treinamento militar.
Foi só no início do século XIX que, na
Grã-Bretanha, seu regulamento incorporou e definiu os aspectos básicos e o nome
pelo qual o mundo inteiro o conhece atualmente – o Football Association, o nosso Futebol.
Em 1994, durante a realização da XV Copa
do Mundo nos Estados Unidos, a revista americana National Geographic dedicou um
número especial ao evento e ao esporte. E, logo no editorial de apresentação,
ressaltou que apenas duas coisas eram capazes de levar o fervor nacional de um
país e de seu povo ao extremo – a Guerra e o Futebol. Na Eurocopa que terminou
domingo passado, basta ter observado o fenômeno ocorrido com a Islândia, de
pouquíssima tradição futebolística, para se acreditar nisto. Dez por cento da
população islandesa foram para os estádios da França. O grito viking, a coreografia dos braços
erguidos e a vibrante e histórica recepção aos heróis em seu retorno a Reikjavic, pelo simples fato de terem
chegado às quartas de final, não deixam dúvidas. A National Geographic tinha
razão.
Outro exemplo?
Em 2004, cheguei a Lisboa na semana que
antecedeu ao início do Campeonato Europeu, sediado por Portugal. Havia, claro,
uma excitação no ar. Mas, embora entusiasmados amantes do esporte, os
portugueses eram contidos em suas demonstrações de nacionalidade nas atuações
de sua seleção de futebol. Pelas ruas, nada havia que revelasse o desejo de
torcer e o suporte popular à sua equipe.
Mas, na mesma noite da minha chegada, o
técnico do time, o brasileiro Luiz Felipe Scolari, deu uma entrevista na
televisão declarando que, em seu país, as janelas e as ruas enchiam-se de
bandeiras sempre que o Brasil entrava em campo. Foi o suficiente. Como uma
centelha que acende um rastilho de pólvora, os pavilhões nacionais começaram a
aparecer. E, na medida que Portugal avançava na competição, um verdadeiro
frenesi tomou conta do povo.
Ao chegar à parte final do certame, o
deslocamento do ônibus que levava os jogadores portugueses da concentração em
Alcochete até o estádio tornou-se uma apoteose deslumbrante, com séquitos de
carros seguindo o cortejo, milhares de pessoas postadas à beira do caminho,
agitando bandeiras, frotas de barcos seguindo ao longo da ponte Vasco da Gama,
um país inteiro coberto de verde e vermelho.
De lá para cá, a mística só fez
aumentar.
E é só olhar o fervor vibrante da
recepção oferecida aos campeões desta última Eurocopa para se lembrar. Era
assim que os generais romanos eram recebidos. Uma parada triunfal pelas ruas de
Roma ao voltarem vitoriosos... da Guerra.
Oswaldo
Pereira
Julho
2016