sexta-feira, 22 de março de 2019

DURA LEX




Dois ex-Presidentes do Brasil e cinco ex-Governadores do Estado do Rio de Janeiro presos por corrupção. O que isto quer dizer?

Grande parte da sociedade brasileira exalta o fato como uma vitória das autoridades policiais, uma conquista da independência dos poderes e uma prova insofismável de que, aqui em Pindorama, finalmente, a lei está acima de tudo e de todos. Um motivo para grandes comemorações.

É evidente que assistir à Justiça prender e julgar indivíduos cujos cargos políticos, até pouco tempo atrás, tornava-os inatingíveis pelas malhas do Judiciário, traz regozijo e entusiasmo. Mas, se bem pensarmos, isto devia ser o normal. Ser punido, receber penas, enfrentar aos tribunais, ser confrontado com os princípios legais, sofrer as sentenças de acordo com seus crimes devia ser o destino de todo aquele que cometesse crimes, principalmente os de corrupção, a mãe de todos os males.

O fato de agora termos atingido este patamar de eficiência e ausência de constrangimentos no Ministério Público, na Procuradoria Geral da União e nos diversos tribunais regionais, propiciando a criação deste marco histórico que é a Lava-Jato, pode e deve ser motivo de ufanismo. Mas, por que SÓ agora?

Na realidade, o que me preocupa é outra constatação. Todos os políticos presos foram eleitos por nós. Todos os políticos presos exerceram seus mandatos durante anos, usando-os para corromperem, escamotearem e roubarem o nosso rico dinheirinho. Sob as nossas vistas. Debaixo dos nossos olhos. Eleitos e, vergonha total, em certos casos até reeleitos. Segundo o que a Polícia informa, a quadrilha de Temer desenvolvia seu negócio há 40 anos. Quarenta! A gangue de Sérgio Cabral + Pezão surrupiou nossos suados tributos por menos tempo, mas com maior voracidade.  Rosinhas, Garotinhos e Francos não fizeram por menos, mas subiram ao seu trono com o aplauso dos nossos votos.

Fomos cegos, desatentos, inconsequentes, benevolentes. E por isso, coniventes. E por isso, cúmplices.

Feliz porque o castigo chegou a quem o merecia? Sim. Mas somente se isto nos servir de lição. Se não, a nossa sina não mudará.

Oswaldo Pereira
Março 2019


domingo, 17 de março de 2019

SEMENTES





Em março de 2013, escrevi este texto, possivelmente na esteira de algum ato semelhante ao que ocorreu em Suzano.

“Na minha infância, num mundo pré-televisão - tentem imaginá-lo!- a vida seguia entre escola, “horas” de alguma obrigação enfadonha (hora do banho, hora do almoço, hora da janta), brinquedos inventados, pois os verdadeiros eram escassos e caros, e o momento da aquietação, em que a criançada era recolhida na sala para amansar as energias que ainda queriam sobrar inesgotáveis e se preparar para outra “hora” chata – a de ir para a cama.

E era exatamente aí que certas lições de vida nos chegavam pelas histórias infantis, rótulo que podia abarcar desde sagas medievais até peraltices de alguma criatura mítica, passando por toda uma antologia popular, adaptadas e dramatizadas por quem, sempre com o firme intuito de nos fazer prender a respiração e permanecer imóveis pela primeira vez no dia,  as contava para nós ao seu jeito e com sua inspiração.

Quem isto fazia, a mais das vezes no interior de Minas onde eu morava, eram as empregadas da casa, elas próprias sabedoras de algumas estórias apanhadas no tempo, passadas de muitas gerações e nunca escritas, rolando de boca em boca ao sabor de crendices e imaginações. Era uma enorme colcha de retalhos folclóricos que costurava Irmãos Grimm com mulas-sem-cabeça, Hans Christian Andersen com Os Doze Pares de França, e por aí vai.

Quando aprendi a ler, abriu-se para mim o império das histórias em quadrinhos e seus heróis formidáveis e justiceiros. Vinha tudo dos Estados Unidos onde, para mim, o dia-a-dia devia ser um contínuo desfilar de tremendas batalhas entre os diversos Marvels, Batmans e Superhomens da vez e seus ardilosos desafiantes. Um pouco mais, o parco dinheirinho das mesadas já me permitia ir às matinés (arcaico para sessões de cinema à tarde, destinadas à garotada imberbe), torcer para os mais rápidos gatilhos do Velho Oeste e confirmar que a América já era a mesma terra impossível desde o tempo dos cowboys.

Mais um pouco, e então a adolescência nos apanhou e outras questões vitais nos afastaram definitivamente do reino dos contos infantis.

Bem, escrevi toda esta chorumela nostálgica acima porque, pelo bem-aventurado fato de ter netos, há tempos venho observando o que agora representa, para eles, a experiência cultural que recebi em faixa etária semelhante. Como muito da argamassa de meus princípios foi certamente influenciada pelo que vi e ouvi ainda criança, devo deduzir que o mesmo pode acontecer com eles e que, portanto, o que veem e ouvem hoje poderá definir uma parcela importante de seu caráter.

E fiquei impressionado. Mal impressionado.

Os atuais substitutos das empregadas faladeiras, das bandas desenhadas e das matinés, são os tablets, i-pads, i-pods e outras maravilhas eletrônicas que qualquer pai põe ao alcance de seus filhos para fazer exatamente o que as histórias contadas nas salas de antanho procuravam fazer – aquietá-los.
Tudo bem.
O problema é o conteúdo.
O riquíssimo menu de jogos posto à disposição dos usuários deixa pouco espaço para a imaginação. Começa pelo grafismo hiper-real da ação e continua pela oferta de recursos de computação que permitem encarnar o agente do jogo com avançado grau de realismo.
De novo, nada contra a técnica desses role-playing games, se bem que sua aplicação traz a realidade para muito perto e, talvez na cabeça de alguma criança, confunda as linhas divisórias entre fábula e fato.
A questão é a mensagem de violência que estes jogos trazem embutida em seus enredos, seus objetivos e seu propósito.

Já sei que vou escutar duas afirmativas. “Você está velho!...” Absoluta verdade. E “no seu tempo, a maioria das historinhas, os super-heróis e os filmes de faroeste também só mostravam violência...”
Bem, em termos.
João e Maria foram aprisionados pela avó, a madrasta mandou matar Branca de Neve e depois tentou envenená-la, havia gigantes maus e dragões furiosos. Mas, seu irrealismo e seu cenário distante colocava os personagens e seu drama num plano distinto do nosso quotidiano.
Os grandes campeões dos quadrinhos defendiam a sociedade do Mal, sob qualquer forma e, em vez de matar seus adversários, acabavam entregando-os à justiça, onde invariavelmente eram julgados com rigor (ó inveja!...)
E os nossos mocinhos do Oeste só puxavam pelo colt depois de terem apanhado como bois ladrões e em situação de insofismável legítima defesa. Mesmo assim, o tiro fatal era rápido e antisséptico. Sangue, nem pensar.

Espero que seja só um achaque nostálgico. Entretanto, me aflige observar um aumento gradativo de agressividade entre os jovens. Os fatores devem ser vários, mas algo me sussurra que jogos nos quais a ação violenta é um objetivo em si têm um pouco de culpa no cartório. 

Com a palavra, o futuro.”

Como estamos em 2019, já entramos seis anos nesse futuro. Talvez, já que muitos doutores em comportamento humano vieram a público reafirmar suas ideias de que os gráficos jogos nada têm a ver com a violência irracional que tem explodido com frequência cruel entre os jovens, eu possa estar errado.

É também claro para mim que a falta de uma família estruturada por trás de uma personalidade em formação é fator mais que determinante. Tenho netos na adolescência que passam mais tempo do que seria recomendável imersos no mundo digital dos games. Nem por isso estão dispostos a cometer qualquer desatino. Seus lares cheios de amor, atenção e carinho os defendem e os educam para não cogitar cometê-los.

O que eu quis, e quero, dizer, é que a semente da violência incubada no grafismo dos jogos, se caída no solo daninho de uma mente jovem desprovida do amor e dos cuidados permanentes de pais atentos, poderá germinar e parir um monstro.

Oswaldo Pereira
Março 2019

terça-feira, 5 de março de 2019

NEM COM UMA FLOR...




O número arrepia. Dá náuseas. E difícil é até acreditar nele. Mas, segundo as estatísticas, 500 mulheres sofrem algum tipo de abuso no Brasil. POR HORA!! Peguem suas calculadoras. São mais de 4 milhões por ano.

Alguns dizem que isto vem de longe, que antigamente acontecia a mesma coisa, mas sem a visibilidade que hoje as redes e os movimentos sociais permitem. Não interessa. Se assim é, isto demonstra que não aprendemos nada, que o lado negro da psiquê masculina continua andando à solta, mesmo com o esforço de conscientização dos direitos femininos que governos e sociedades procuram disseminar. O fato monstruoso é que boa parte dos homens ainda não apreendeu os princípios mínimos de civilidade e de comportamento. Continua nas cavernas.

Bater numa mulher é um ato de extrema covardia. Nem com uma flor..., diziam minhas avós. O “homem”, e vou usar aspas para descrever este animal, que agride uma mulher deve ter, nas voltas de seus neurônios defeituosos, um desvio patológico que o faz esquecer ou apagar, em seu raciocínio primitivo, a figura de sua mãe, pois uma certamente ele teve. Seu campo de visão se restringe apenas aos limites de sua crueldade, de sua mesquinhez e de sua baixeza.

Com mais desalento, ainda, verifica-se que o problema não é apanágio da nossa terra. Existe no mundo inteiro. E, apesar de todas as campanhas, de todas as denúncias, de todos os lamentos e de todas as lágrimas, parece longe de acabar.

Assim, resta a nós, homens a quem a figura feminina encerra a doçura do amor materno, sua entrega definitiva e sem contrapartidas, seu desvelo e sua vigília, a tarefa de suportá-las em sua luta contra a barbárie que as assola.

E, não aproveitar apenas o seu Dia para jogar aos seus pés as flores da nossa admiração, do nosso carinho e do nosso respeito. Para demonstrar nossa imensa repulsa pela horda abjeta dos covardes agressores que as ferem. Para protege-las, ampará-las, e permiti-las viver, em plenitude, sua intrincada magia, seu delicioso mistério, suas tempestades e bonanças, seus desejos e suas dádivas, que tanto nos fascinam.

Elas merecem a vida que decidirem viver, o caminho que lhes aprouver caminhar, a escolha que mais lhes agrade. Que todas as leis do mundo assim lhes permitam.

Oswaldo Pereira
Março 2019