sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

DE TÚMULOS E FLORES

 


O when will they ever learn?
Oh! Quando irão finalmente aprender?

Este verso é o refrão da música composta por Pete Seeger em 1955 “Where Have All The Flowers Gone?”.  Na década de 1960, a canção tornou-se um símbolo de protesto contra a Guerra do Vietnã. Aliás, contra todas as guerras. Só que elas nunca deixaram de existir. Há sempre soldados, túmulos e flores. Agora, é a vez da Ucrânia.

Na realidade, o país quase nunca teve paz. Estrategicamente localizada e um imenso celeiro de grãos, a Ucrânia sempre viu estas supostas benesses se transformarem em maldição. Desde invasões da Horda Dourada de Gengis Khan até o domínio nazista, passando pela tragédia da fome na época de Stalin, que ceifou cinco milhões de ucranianos, a Ucrânia já teve sua excessiva dose de conflitos.

Ligada à Rússia quase umbilicalmente desde o século XVII, sua dependência política oficializou-se em 1922; a República Soviética Ucraniana foi uma das primeiras a compor a URSS. Com o desmantelamento do mundo soviético em 1989, o país tornou-se independente. Mas, aos olhos de seu poderoso vizinho, nunca deixou de pertencer-lhe cultural e politicamente.

E é exatamente isto que Vladimir Putin quer demonstrar. A coisa vem de alguns anos, com a aumento da presença da OTAN no leste europeu. O desaparecimento do bloco soviético teve, com uma das consequências, o desmonte do Pacto de Varsóvia, a contraparte militar dos países comunistas ao poderio bélico do Ocidente. Rapidamente, os Estados Unidos e a Comunidade Europeia procuraram cooptar os Estados que haviam se soltado quando o pacote soviético se desembrulhou.

Para a OTAN, a Ucrânia é a cereja do bolo. Até recentemente, isto, entretanto, seria apenas uma miragem, haja vista a enorme influência russa nos rumos da nação ucraniana. Acontece que a eleição de Volodomir Zelenzky, um ator comediante, veio embaralhar o jogo e a eventualidade de a Ucrânia se juntar à OTAN começou a parecer não tão distante. E isto Putin não pode engolir. Em vários de seus recentes pronunciamentos, ele vem explicitamente sinalizando isto. Mísseis da OTAN a 600 quilômetros de Moscou seria o equivalente a bases russas em Guadalajara. Aceitariam isto pacificamente os Estados Unidos? É a pergunta que ele faz.

Sem esperar pela resposta, a Rússia invadiu. Logo no dia seguinte ao 22/02/2022, data celebrada pelos místicos em todo o mundo como um novo portal de paz...

Os dados estão lançados. Quem os jogou é um político experiente, frio, calculista e pouco afeito a brincadeiras. Do outro lado, temos um presidente senil, uma ONU sem poder de fogo e dirigentes europeus amedrontados e fracos. Todos eles sabem que as tais “sanções” prometidas pelo Ocidente são pífias e a Rússia poderá conviver com elas por anos. Em contrapartida, com 40% do gás natural e 20% dos grãos que a Europa consome para viver, além do segundo maior estoque de ouro do mundo, os russos podem causar um estrago infinitamente maior.

O que irá acontecer? Não faço a menor ideia. Tenho é uma imensa pena dos jovens soldados e dos civis que irão perder suas vidas e suas esperanças. As flores irão de novo adornar os túmulos. O when will they ever learn.

E o irônico da coisa é que Pete Seeger declarou que, para compor Where Have All The Flowers Gone? ele teria se inspirado numa canção folclórica chamada Koloda Duda, cantada por gerações pelos cossacos da Ucrânia...

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2022

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

BOND 60 (10): THUNDERBALL (PARTE II)


 

As filmagens de Thunderball tiveram início em fevereiro de 1965. Por essa época, uma surda batalha por direitos autorais opunha Ian Fleming a dois de seus ex-colaboradores, Jack Whittingham e Kevin McClory. Os dois últimos acusavam Fleming de se apropriar da autoria da história, criada por McClory. Só após um acordo extrajudicial, os donos da EON começaram as gravações. McClory passou a constar dos títulos iniciais como coprodutor e manteve seus direitos sobre o argumento. Em 1983, ele produziu uma nova versão do enredo, com o título de Never Say Never Again, com Sean Connery reapresentando-se como James Bond, anos depois de ter abandonado o papel. Para os aficionados da franquia, esta produção é considerada apócrifa e “ilegítima”.

Resolvidas as questões da propriedade intelectual, e com o roteiro adaptado por Richard Maibaum e John Hopkins, as cenas começaram a ser gravadas em Paris, nas Bahamas e nos estúdios Pinewood, na Inglaterra. Terence Young estava de volta na direção (Guy Hamilton desistira, declarando-se estafado após Goldfinger) e a procura do elenco teve início.

Para fazer Domino Derval, a heroína, as audições começaram com Julie Christie (recém saída do papel de Lara em Dr Zhivago), Raquel Welch e Faye Dunaway, mas acabaram com a escolha da Miss França do ano anterior, Claudine Auger. No papel de Emilio Largo, e procurando manter a pegada sinistra dos vilões anteriores, a produção convidou o ator italiano Adolfo Celi e pespegou-lhe um tapa-olho maquiavélico. Para nós brasileiros, essa indicação tinha um sabor especial. Celi morara anos no Brasil, fora casado com Tônia Carrero e, com ela e Paulo Autran, havia fundado o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Era um dos nossos no mundo de Bond...

ADOLFO CELI COMO EMILIO LARGO


Luciana Paluzzi (como a perigosa Fiona Volpe), Martine Beswick (Paula Caplan, agente da CIA em Nassau) e Molly Peters (a enfermeira da clínica onde Bond se recupera e cujas cenas com 007, se hoje fosse, levantariam acusações de assédio sexual explícito...) completam o time de Bond girls. O grupo de suporte, Bernard Lee (“M”), Lois Maxwell (“Moneypenny”) e Desmond Lewelly (“Q”), mantêm suas atuações dos filmes anteriores.

Thunderball custou aos estúdios da EON US$ 9 milhões e foi o primeiro produzido em Panavision. E, até hoje, com um retorno atualizado para a moeda atual de US$ 1 bilhão, é o segundo mais lucrativo filme da série, superado apenas por Skyfall. Além disso, levou o Oscar de 1966 de Efeitos Especiais.

Um dos efeitos, entretanto, que quase não deu certo foi a cena em que Bond está numa piscina com vários tubarões. O anteparo de plexiglass que deveria proteger o ator não foi suficiente e Sean Connery por pouco não foi atacado por um deles. Quem assistiu diz que nunca se viu ninguém sair tão rapidamente de uma piscina...

John Barry continuou na batuta da trilha sonora. A música inicialmente escolhida foi Kiss Kiss Bang Bang e chegou a ser gravada por Shirley Bassey e Dionne Warwick. Mas Harry Saltzman achou que a canção tema teria de ter o mesmo nome do título e Tom Jones foi convidado para gravar a nova música.

Se você ouvir bem o último acorde, verá que Jones, dono de uma potentíssima voz, semitona no final. O cantor mais tarde revelou que chegara a desmaiar para manter o agudo. Se quiser ouvir a música, é só clicar neste   LINK  .

Parece ser a maldição do acorde final. Shirley Bassey também relatara que fora obrigada a remover o seu sutiã para emitir a prolongada nota derradeira de Goldfinger...

(continua)

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2022

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

BOND 60 (9): THUNDERBALL (PARTE I)

 


Thunderball estreou em dezembro de 1965, aproveitando o tsunami gerado por Goldfinger. Os filmes de 007 estavam em pleno auge, trazendo polpudas receitas à EON e enchendo cinemas de Tóquio a Buenos Aires.

Hoje, entretanto, fica evidente que o novo filme não chega perto da qualidade instigante do antecessor e falta a mesma pegada nas interpretações e na edição. Mas, na época, quem ligava para isto? Thunderball tinha tramas internacionais, acessórios mirabolantes, mulheres bonitas, vilões implacáveis e sobretudo, Sean Connery em plena forma (apesar da indisfarçável peruquinha).

Logo na pré-sequência, Bond assiste o suposto funeral de Jacques Bouvar, um perigoso inimigo do MI6 e responsável pela morte de um agente 00. James Bond percebe a farsa, segue o verdadeiro Bouvar (travestido de viúva) e o elimina. Na fuga, utiliza alguns itens de seu arsenal de gadgets, como um foguete individual que o faz voar para longe de seus perseguidores. Os jatos de água lançados por seu Aston Martin DB5 para afastar de vez os bandidos fazem um magnífico blend com a apresentação dos títulos.

JAMES BOND E SEU JET-PACK


A trama principal de Thunderball trata de mais uma tentativa da SPECTRE (a famigerada organização criminosa) de chantagear o Ocidente e obter resgates milionários. Desta vez, eles transformam um de seus agentes num sósia perfeito de um piloto da OTAN e conseguem sequestrar um bombardeiro Vulcan da RAF portando a bordo duas bombas atômicas. Levados para um esconderijo nas águas das Bahamas, os dois artefatos são usados para exigir 100 milhões de libras esterlinas (só para ter ideia do câmbio de então, equivalentes a 280 milhões de dólares...) dos governos americano e britânico, ameaçando jogá-los em Londres e Nova Iorque.

Um pequeno detalhe vem, no entanto, complicar os planos da SPECTRE. O corpo do verdadeiro piloto é levado pelos seus assassinos para uma clínica na Inglaterra onde, coincidentemente, Bond está internado para recuperar-se após uma de suas missões. Depois de alguns entreveros com um tal Conde Lippi (na realidade, um operativo da SPECTRE que coordena a ação de sequestro do avião inglês), Bond descobre o corpo.

Quando retorna a Londres, a Inteligência britânica está em polvorosa com o ultimato da SPECTRE. Numa grande reunião (uma das poucas vezes em que os demais oito 00’s aparecem), Bond recebe um dossiê sobre a operação (codinome Thunderball), que é deflagrada para descobrir o paradeiro das armas atômicas antes que se esgotasse o prazo dado pelos terroristas.

Na pasta, Bond reconhece o piloto morto, em férias com sua irmã, numa das fotos que fazem parte da documentação. Reportando o achado ao seu chefe M, ele solicita que sua tarefa seja direcionada às Bahamas, onde se encontra Domino, a garota da fotografia.

Em Nassau, Bond descobre que Domino é amante de Emilio Largo, um milionário excêntrico, dono de um sofisticado iate e de uma enorme propriedade nas redondezas. Na realidade, Largo é o número 2 da SPECTRE (o número 1 sendo, é claro, o sinistro Ernst Stavro Blofeld) e o responsável por todo planejamento e execução do esquema de extorsão em curso.

Daí para a frente, o enredo segue como nos filmes anteriores: Bond conquista Domino, Domino o ajuda na procura das bombas, Bond escapa de várias armadilhas preparadas por Largo e consegue avisar a CIA da localização das cargas atômicas. Uma grande batalha debaixo d’água tem seguimento (com 9,42 minutos de duração, foi considerada na época a mais longa sequência submarina já filmada).

Os homens da lei vencem, naturalmente. Enquanto isto, Bond e Largo lutam até o final a bordo do iate desgovernado e, quando Largo se prepara para liquidar seu adversário, Domino o mata com um tiro, vingando a morte do irmão.

Fiel aos padrões dos resgates anteriores, Bond e Domino são recolhidos do mar das Bahamas por um avião que, em pleno voo, os iça de um barco de borracha. Por mais inverossímil que possa parecer, este procedimento, chamado Fullton System, era utilizado então para resgates difíceis. Se você quiser ver a cena, é só clicar neste    LINK     .

(continua)

Oswaldo Pereira
Fevereiro 2022

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O CASTELO DE PAPEL



Mary del Priore é escritora, historiadora e tem comprovado, em um sem número de vezes, seus dotes de comunicadora. Além disso, possui um currículo acadêmico extenso e de grande qualidade.

Por essas e por outras, resolvi ler o seu livro “O Castelo de Papel”, dedicado à metade final do reinado de D. Pedro II e baseado nas correspondências trocadas entre a Princesa Isabel e seu marido Gastão de Orleans, o Conde d’Eu, entre ela e o Imperador e entre o Conde e seu pai, o Duque de Nemours.

O retrato que daí sai é um quadro incisivamente crítico à Monarquia brasileira, e escancara sem muita piedade os erros, as omissões e a insensibilidade política de D. Pedro e de sua filha.

A segunda parte do século XIX foi especialmente desastroso para as casas coroadas em todo o mundo. O fenômeno social da industrialização veio criar, além de uma classe atuante de jovens empresários, um extenso proletariado. E nenhuma, ou quase nenhuma, casa reinante soube lidar com este novo ambiente de forma inteligente, preferindo arraigar-se às suas tradições, seu poder hereditário e apoiar-se numa aristocracia rural em franca decadência política.

No Brasil, esses novos ventos ganharam ainda mais alento, dada a circunstância de que a agricultura brasileira dependia fortemente do trabalho escravo.  Quando as novas ideias aqui chegaram, já agitações políticas e populares colocavam dois poderosos grupos em contínua oposição – os escravagistas e os abolicionistas. Dentro deste caldeirão, acabou por fermentar com rapidez o ideal republicano.

E é neste contexto temporal que Mary del Priore insere sua narrativa. Do que se depreende das cartas, tanto o Imperador, descrito por seu genro como um homem “cinzento”, como a princesa, não souberam, ou não quiseram, ler o futuro. Isabel é desenhada como uma mulher beata, domiciliar, mãe de família e totalmente desprovida de interesse pelos negócios de Estado. Seus períodos de Regência, quando das muitas viagens de seu pai à Europa, teriam sido para ela um grande desconforto. O marido, quando procurava participar da cena nacional, era rispidamente impedido pelo sogro, além de que hostilizado pelos opositores que nele vislumbravam intenções de tomar o trono.

Mesmo a assinatura da Lei Áurea pela princesa é creditada mais à insuportável pressão exercida pela intelectualidade e pela imprensa do que a uma sincera iniciativa de Isabel. Com o declínio físico do Imperador e o entendimento de várias camadas da sociedade brasileira de que sua filha seria incapaz de dirigir o país, a probabilidade de um Terceiro Império esvaneceu-se.

O meu problema é que o panorama pintado por del Priore colide com muita coisa que havia eu aprendido sobre o nosso segundo Imperador. Desde os bancos escolares que ouço dizer ter sido ele um monarca esclarecido, preocupado com o Brasil e com seu povo, homem de ciência e um governante capaz. É claro que não posso negar a veracidade dos testemunhos epistolares utilizados pela autora de “O Castelo de Papel” e nem desprezar seu magnífico trabalho de pesquisa.

Mas, será que isto não é só um lado da verdade?

 Oswaldo Pereira

Fevereiro 2022

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

TENSÃO NA UCRÂNIA



A tensão criada por uma possível invasão russa na Ucrânia traz reminiscências. Não é difícil fazer um paralelo com a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, nos idos de 1962 ou, ainda, com a pressão exercida por Hitler sobre a Tchecoslováquia, em 1938. Em ambas, o mundo se preparou para a guerra. No caso tcheco, ela acabou vindo com a invasão, um ano depois, da Polônia; no confronto cubano, houve um arreglo de última hora, com os americanos desmantelando, como parte do acordo, uma base de foguetes de longo alcance que tinham na Turquia.

Qual a diferença? É que, em 1962, já havia um negócio chamado balanço nuclear, o que queria dizer que um confronto armado entre yankees e russos não teria vencedores.

Este tem sido o freio que segura um conflito aberto entre os superpoderes. E, talvez por isto mesmo, os líderes desses poderes se sintam mais à vontade para falar grosso e manejar suas tropas como num tabuleiro de War. Sabem, ou confiam, que o temor a uma hecatombe nuclear vai segurar as pontas aos 45 minutos do segundo tempo e proporcionar um acordo em que todos saiam com a cara limpa e o prestígio assegurado.

É claro que isto não impediu guerras convencionais. Árabes e israelenses já se digladiaram mais de uma vez, o Vietnam passou quase duas décadas a ver franceses, americanos e vietcongues trocando tiros e napalm, Estados Unidos e China morderam-se na península coreana, o Iraque sofreu o seu bombardeio “cirúrgico”, a Síria permanece, enquanto eu escrevo, um campo de batalha. Isto para não falar nas lutas tribais, revoluções sangrentas e guerras civis que mancharam de sangue o solo dos cinco continentes, desde que a Segunda Guerra acabou. Eram, ou são, guerras permitidas, leia-se guerras em que não existe o risco de alguém apertar o botão vermelho.

Tenho a impressão que, no presente caso da Ucrânia, a grande preocupação de Putin e de Biden, no momento, é encontrar uma saída honrosa. Chego até a pensar se isto tudo não foi combinado entre os dois. Ambos estão com problemas em casa e já muito se falou que nada melhor para desanuviar o cenário interno do que uma distração externa. Fico sempre com a sensação de que há um script, um roteiro que é decorado antes. Afinal, como dizia o inigualável político mineiro Benedito Valadares toda vez que era instado a fazer reuniões decisivas, “reunião só depois de tudo combinado”...

O problema é seguir o roteiro com fidelidade. Há horas em que não se admitem improvisações. Vamos esperar que, também desta vez, não as haja...

 Oswaldo Pereira

Fevereiro 2022

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

BOND 60 (8): GOLDFINGER (PARTE II)

 


Com sua missão definida, Bond cria uma ocasião para encontrar-se com Goldfinger socialmente. E nada melhor do que uma partida de golfe, em que o agente britânico atiça o interesse de seu adversário apostando uma barra de ouro. Novamente, 007 consegue superar as espertezas do outro e ganha o jogo. Ao se despedirem, Goldfinger adverte Bond para que não mais cruze seu caminho e propicia uma demonstração das habilidades de seu capanga Oddjob, um mal encarado mestre em artes marciais coreano, no arremesso seu chapéu coco com uma afiadíssima aba de metal.

A partir daí, Bond passa a seguir o Rolls Royce Silver Phantom de Goldfinger, com o auxílio de um rastreador e de um monitor adaptado no painel de seu Aston Martin DB5, transformado pela Seção Q numa verdadeira maravilha tecnológica.

O GPS só apareceria 40 anos depois. Mas, esse brinquedinho e mais o carro colocariam combustível adicional no crescente fascínio dos aficionados pelo arsenal de “gadgets” utilizado pelo agente. Inclusive, uma miniatura do automóvel, com todos os seus mirabolantes apetrechos adicionais, fabricada pela Corgi Toys, foi o brinquedo mais vendido no Reino Unido em 1964.

A perseguição se estende até a Suiça, onde Goldfinger possui uma unidade industrial. Protegido pela noite, Bond consegue penetrar nas dependências da fábrica e descobre como o contrabando era realizado: o Rolls Royce que ele havia seguido desde a Inglaterra era feito de ouro. Ele também pesca uma conversa de Goldfinger de que um grande golpe estava sendo preparado.

Ao tentar sair da fábrica, Bond cruza outra vez com a loura que encontrara anteriormente nas estradas suíças e descobre que ela é irmã de Jill Masterson, a garota transformada em ouro, e que deseja matar Goldfinger por vingança. Os dois são apanhados pelos guardas, a loura morre e 007 é feito prisioneiro. A cena seguinte é antológica: Bond amarrado a uma mesa e um feixe de laser lentamente derretendo o tampo de metal dourado em direção ao seu corpo. Goldfinger está presente e os dois têm um dos melhores diálogos de toda a série. (Se quiser, veja neste   LINK    ).

O filme segue com Bond tendo sua sentença de morte comutada em prisão e todos indo para os Estados Unidos, onde está o grande objetivo de Goldfinger: roubar o maior depósito de ouro do planeta, ou seja, Fort Knox. Após reunir-se com os mais notórios gangsters americanos (para depois eliminá-los), Goldfinger revela o verdadeiro conceito da operação Grand Slam, que é detonar uma mini bomba atômica no interior do depósito e tornar o ouro lá estocado radioativo e inutilizado por décadas. Isto, evidentemente, elevaria astronomicamente o valor da fortuna em ouro em poder do vilão.

Este roteiro veio corrigir um dos grandes erros de Ian Fleming ao escrever “Goldfinger” e pelo qual foi duramente criticado. No livro, ele determina que o plano objetiva realmente retirar todo o ouro existente em Fort Knox, estimado por ele em mil toneladas do metal. Isto era impossível, dadas as condições de transporte da época.

Para conseguir colocar a bomba dentro do forte, Goldfinger contaria com a esquadrilha de mulheres pilotas comandada por uma beldade chamada Pussy Galore (Fleming era pródigo em criar nomes próprios de duplo sentido) e que, na hora H, despejaria do ar um gás destinado a eliminar todas as tropas que protegiam o depósito.

Mas aí, entra o charme de Bond, James Bond. Ele consegue conquistar Pussy, apesar do lesbianismo desta (mais explícito no livro do que no filme) e fazer com que ela passe para o lado dele. As autoridades são alertadas, o gás utilizado pela esquadrilha de garotas é inofensivo e a Operação Grand Slam falha. Bond enfrenta Oddjob numa luta eletrizante, os americanos derrotam os demais capangas de Goldfinger e a bomba é desativada quando faltavam apenas 007 segundos para explodir...

O final ainda reserva uma luta mortal entre Bond e Goldfinger dentro de um jatinho, com este sendo sugado para fora através de uma janela aberta com um tiro. O avião acaba caindo, mas Bond e Pussy saltam de paraquedas. Sãos e salvos, e perdidos numa providencial ilha, os dois se escondem de um helicóptero que aparece para recolhê-los. This is no time to be rescued (Isto não é hora para ser salvo), murmura Bond.

O filme foi dirigido por Guy Hamilton (que voltaria em outros Bonds); Terence Young havia entregue a batuta, alegando outros compromissos. Hamilton dedicou especial atenção à busca dos atores para o papel dos vilões. Até Orson Welles foi convidado para fazer Auric Goldfinger, mas a escolha acabou caindo em Gert Fröbe, um experimentado ator alemão. Acontece que Fröbe não falava uma palavra de inglês e teve de ser dublado. O inesquecível Oddjob foi representado por Harold Sakata, um medalhista olímpico de levantamento de peso nascido no Havaí. Sakata ficou famoso no set de filmagem por sua simpatia, cordialidade e profissionalismo. Acabou sofrendo queimaduras na cena de sua luta com Connery por não ter largado seu chapéu (realmente eletrificado) enquanto as câmeras estavam filmando.

Em Goldfinger, o compositor John Barry finalmente assumiu o controle total da feição musical da série, não só da trilha sonora como também da canção-título. E a música, com sua icônica introdução de duas notas metálicas e na possante voz de Shirley Bassey, iria reverberar no mundo inteiro.

Goldfinger marcaria o verdadeiro início da Bondmania. Foi também o primeiro a abiscoitar um Oscar para a franquia (Melhor Edição de Som). As imitações iriam aparecer. Só em 1966, foram lançados 22 filmes de espionagem procurando replicar a mesma fórmula.

Infelizmente, Ian Fleming não viveria para ver isto. Um mês antes do lançamento do filme, ele morreria de complicações cardíacas em Canterbury, aos 56 anos.

(continua)

 Oswaldo Pereira
Fevereiro 2022