Acabei de ler “Mythos”. Sei que maioria de
vocês vai desenhar uma interrogação no rosto. Acabou de ler o que?
Bem, vamos começar pelo autor. Stephen
Fry. Talvez o nome já acenda alguma centelha de reconhecimento. Se ainda não,
aqui vai um pequeno resumo de suas capacidades artísticas.
Mais conhecido universalmente pelo
programa humorístico A Bit of Fry and Laurie que co-escreveu
e co-atuou com Hugh Laurie (recentemente um sucesso na série televisiva Dr. House) e que se tornou o epítome do
mais fino humor inglês, Fry, além de
roteirista e comediante, é também ator, apresentador, cineasta e, desde algum
tempo, prestigiado escritor. Foi o protagonista do filme Wilde, sobre a vida do atribulado e genial dramaturgo britânico Oscar
Wilde e, como homossexual assumido, tem liderado vários movimentos de orgulho gay. A crítica inglesa o tem
reverenciado como um moderno Homem da Renascença.
O subtítulo do livro Mythos já adianta o
que se espera encontrar em suas quatrocentas páginas. As Melhores Histórias de Heróis, Deuses e Titãs. O assunto é
Mitologia Grega.
Como muitos meninos brasileiros da minha
geração, a crônica da Grécia Mitológica foi em nós poderosamente inseminada pelos
livros infantis de Monteiro Lobato. Como já contei algures neste blog, minha primeira (e inesquecível) experiência
literária foi a leitura devoradora de Os
Doze Trabalhos de Hércules. Minha paixão pelos livros nasceu aí e, à medida
que eu avançava pelos outros títulos da obra de Lobato, mais irrequieta ficava
minha imaginação de criança com os prodígios de deuses e heróis gregos.
Assim, a leitura do livro de Fry caiu em
solo fértil, já germinado pelos meus sonhos infantis. Até, e principalmente,
porque o escritor inglês reconta os mitos e as fábulas gregos usando a mesma
técnica empregada por Monteiro Lobato, ou seja, aproximando as figuras
mitológicas do nosso presente, tornando-as vizinhas e cotidianas.
Da mesma forma que Zeus, Palas-Atena,
Hércules e demais portentos conversavam com a turma do Picapau Amarelo numa
linguagem quase íntima, os personagens de Mythos,
todos legítimos imortais e olímpicos, tratam-se coloquialmente como num papo
de bar. E este é o grande charme do livro de Fry. Traduzir-nos e
simplificar-nos a intrincada e fascinante saga de um mundo criado pela incessante
imaginação de poetas, profetas e menestréis da Grécia que viveram há mais de
2800 anos.
Os primeiros registros escritos dos
mitos gregos são em parte do bardo jônico Homero (uma figura ainda envolta em
especulações sobre sua real existência), e suas epopeias Ilíada e Odisseia, e em
parte de Hesíodo, este sim um vivente com registro comprovado. Suas obras
contam de um período muito anterior ao seu tempo, voltando até o princípio do
universo, o big-bang do Caos
primordial. A partir deles, um sem número de cronistas foram desenhando um
conjunto de explicações divinas para toda e qualquer manifestação da natureza e
do comportamento humano.
Por isso mesmo, ou em decorrência dessa
filosofia, as divindades gregas não só se imiscuíam no dia-a-dia dos simples mortais,
amando-os ou odiando-os, premiando-os ou punindo-os, como eles próprios, deuses
e titãs, padeciam das mesmas características e idiossincrasias dos homens
comuns. Diferentemente dos intocáveis,
distantes e inumanamente perfeitos deuses de outras mitologias ou religiões,
Zeus e sua turma eram quase imperfeitamente humanos.
Neste entendimento, de um brutal fenômeno
sísmico até o nascimento de uma flor, passando por constelações no céu, a repetição
dos dias, das noites e das estações, pestes e doenças, contornos de rios e
matizes de flores, cantos de aves, formas de animais, abundâncias e penúrias e
até desvios de personalidades, tudo era obra dos imortais, que agora, além dos
doze Olímpicos, existiam sob a forma
de deuses menores, semideuses, ninfas e sátiros, centauros e náiades. Centenas de
seres prontos a transformar nossa vida com seus caprichos, vontades e desejos.
A força do apogeu da civilização grega
fez com que sua mitologia nos fascinasse até hoje. Os nomes de seus personagens
servem atualmente para batizar constelações e planetas, elementos químicos e cepas
de plantas, raças de animais e denominações de acidentes geográficos e, graças a Freud, de um sem número de distúrbios psíquicos*.
*Prá variar, palavra cuja raiz é Psiché, amante de Eros...
Parece que tudo, afinal, foi mesmo
criado por eles. Os Deuses.
Oswaldo
Pereira
Janeiro
2020