Há dias, um francês amigo meu, que mora
em Estrasburgo, mandou-me um e-mail pedindo que eu respondesse a duas
perguntas: Por que Bolsonaro? e O que será do Brasil agora?
Disse-lhe no e-mail de retorno que, para
atender a este pedido, não haveria espaço num simples correio eletrônico e que
o melhor seria conversarmos sobre o assunto pessoalmente, se possível com uma
taça de um bom vinho da Alsácia na mão. Lembrei-me, mas não lhe repassei, de
uma frase do Tom Jobim. O Brasil não é
para principiantes.
Lembrei-me também que mantenho este
modesto blog e que, venturosamente,
possuo raros mas abnegados leitores em vários países e que para eles teria a
oportunidade, senão a obrigação, de oferecer-lhes a minha visão sobre o
conturbado presente do meu país.
Antes disso, gostaria de mostrar minhas
qualificações para tal tarefa. Tenho, com alguns interregnos em que morei no
exterior, 78 anos de Brasil. Nasci na ditadura de Getúlio Vargas, assisti à sua
deposição no vento democrático que soprou no mundo inteiro ao término da
Segunda Guerra Mundial, à sua reeleição quatro anos depois, ao afundamento de
seu Governo no “mar de lama” denunciado por Carlos Lacerda, ao seu trágico
suicídio, ao surgimento da estrela de Kubitschek, aos “50 anos em 5”, à
construção de Brasília, custeada com o esvaziamento dos cofres das Caixas de
Previdência e com o início da grande
espiral inflacionária. Vi a chegada do paladino
Jânio Quadros e de sua vassoura, com
a qual prometia varrer a corrupção. Vi também sua inesperada renúncia,
creditada por ele próprio à ação de “forças ocultas”. Vi a posse de seu vice,
João Goulart, garantida pelo Exército, o mesmo que, em resposta ao clamor de milhões de brasileiros, o destituiria três anos
depois, no momento em que seu Governo apoiava os movimentos esquerdistas que
haviam se infiltrado nos campos e nas fábricas e até nas fileiras castrenses.
Vivi sob o Regime Militar, o sonho do Brasil Grande, o crescimento galopante do
PIB, a Economia em pleno emprego, enquanto ouvia à boca pequena histórias de
perseguição, repressão e tortura. Presenciei a saída voluntária dos generais,
abrindo o país para sua redemocratização, a esperança, logo decepada pela
doença, de Tancredo Neves, as trapalhadas de Sarney, o aparecimento meteórico
de outro Dom Sebastião, o “caçador de
marajás” Fernando Collor. Sofri mais uma decepção quando a República de Alagoas se revelou um clube fechado de roubalheiras
bilionárias, com o impeachment inevitável.
Um Dom Sebastião improvável acabou
sendo Fernando Henrique Cardoso, com seu socialismo moreno e seu Plano Real.
Até chegarmos a Lula. Como vocês podem avaliar, posso ser tudo, menos um principiante em matéria de Brasil.
O primeiro mandato de Luis Inácio Lula
da Silva foi empolgante. Definindo como sua única prioridade tirar 40 milhões
de brasileiros do abismo da fome, seu Governo iniciou a criação de vários
programas de auxílio aos pobres extremos como o Bolsa Família, o Minha Casa
Minha Vida, entre vários outros projetos assistenciais a fundo perdido. Eu,
que não havia votado em Lula e que pertencia ao grupo social que iria pagar a conta, isto é, a Classe Média,
não pude deixar de aplaudir. Um sacrifício fiscal a mais para salvar
compatriotas da miséria? Por que não?
Quatro anos depois, a coisa começava a
desandar. O propósito inicial de inclusão de milhões nas classes C e D e, a
partir daí, criar as condições básicas de educação,
saúde e emprego para que esses milhões pudessem elevar-se acima do
assistencialismo, não acontecera. Pior. Para garantir a reeleição, o Governo e
seu partido majoritário, o PT, passaram a usar a esmola distribuída pelos diversos programas como chantagem
eleitoral. Disseminando a ideia de que a escolha de outro candidato
significaria o fim da assistência e a volta da penúria, transformaram em reféns
dezenas de milhões de eleitores.
Por esta altura, e com a criação do Foro
de São Paulo, a esquerda latino-americana rejubilava-se com sua liderança
política em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Brasil. E projetava
perpetuar-se no poder. Se acharem que estou exagerando, basta ir ao YouTube e testemunhar os entusiasmados
e beligerantes discursos de José Dirceu, Evo Morales, Hugo Chavez. E de Lula.
Impedido constitucionalmente de
concorrer a mais uma reeleição, Lula tirou do bolso uma figura que cumpriria o
mandato tampão e garantiria sua volta
ao Poder quatro anos depois. Dilma Rousseff. E esta figura, dada sua inépcia,
incompetência, estúpida arrogância e despreparo acabou por se transformar na
mais desastrosa governante da história brasileira. Pelo menos, destes últimos
78 anos em que vivi e vi. E quando Lula se preparava para voltar, a criatura
virou-se contra o criador e, dando mais uma prova de sua infinita falta de
noção, resolver candidatar-se à reeleição.
Por essa altura, sinais de que o grande
projeto de inclusão social dos mais pobres não passara de um embuste, e de que
a classe média chegava ao limite de aguentar o peso esmagador de impostos sem
contrapartida começavam a aparecer. O quadro agora era de exclusão, com os degraus mais baixos das faixas C e D afundando-se
abaixo da linha da pobreza.
Para manter sua hegemonia e assegurar
que suas propostas políticas fossem aprovadas num Congresso já então à venda, o
PT abriu sua temporada de compra de apoio e de sustentação do seu projeto
de poder a qualquer preço. E o preço
foi alto. As folhas de pagamento do Petrolão
e do Mensalão começaram a atingir
valores estratosféricos. Desvio de verbas, sucateamento de infraestruturas,
saque aos cofres de empresas estatais, como a Petrobrás, foram as fontes usadas
para financiar o regabofe.
As consequências, como não podia deixar
de ser, foram cruéis. Com o dinheiro dos impostos indo para o propinoduto da corrupção desenfreada, o
panorama social passou a revelar uma educação em frangalhos, uma saúde pública
destruída, estradas deterioradas e a segurança das grandes cidades reduzida a
praticamente zero. Quando a Operação Lava-Jato começou a revelar a extensão
quase incompreensível do conluio criminoso do Governo com grandes empreiteiros
e políticos a soldo, as reações de repúdio dominaram o país.
E aí deu-se a polarização. Com o PT
empenhado cada vez mais em reter o comando político e mobilizando suas
lideranças para uma guerra de ameaças e radicalizações, em direção
diametralmente oposta grandes fatias da população brasileira foram adotando o
mesmo estilo de discurso inflamado contra o Governo. E procurando um líder que
incorporasse o profundo sentimento de revolta contra tudo o que o PT
significava.
Jair Bolsonaro era um político de pouco
poder de fogo partidário. Seu partido era um dos muitos nanicos, com representação marginal no Congresso e sem apoio popular.
Mas Bolsonaro tinha um discurso forte, deselegante e truculento às vezes,
extremado na maioria delas e isto o tinha permitido reeleger-se deputado
federal durante 30 anos por uma minoria identificada com sua filosofia. Graças
a isto, ele sempre ficou à margem das grandes negociatas e dos obscenos favores
transacionados numa Câmara e num Senado de vendilhões e desonestos de toda
sorte. Assim “purificado”, e à medida que o repúdio e a aversão contra o PT iam
tendendo para o limite, seu discurso passou a coincidir com a esperança dos que
se desesperavam com um Brasil ao saque e em descaminho.
E aqui é preciso entender que Bolsonaro
não é um projeto da Direita brasileira.
Estas cores partidárias e filosóficas há muito deixaram de existir no cenário
político. O que prevalece hoje é o confronto entre a desonestidade e o
patriotismo, entre aqueles para quem o Brasil é meramente um pântano de
propinas e os que têm esperança num país com futuro. As referências de
Bolsonaro a Deus e à Pátria (Brasil acima
de tudo, Deus acima de todos), ridicularizadas pela mídia internacional
como piegas e retrógradas, acabaram por ecoar fundo num povo massacrado por
anos de assédio criminoso às reservas da Nação.
Bem, tudo isso deve chegar para explicar
o Por que Bolsonaro?
Agora, que futuro nos espera, isto eu só
posso especular. Bolsonaro vai-se deparar com um país dividido social e
politicamente, um Congresso à mercê de grandes interesses, um Brasil que
necessita urgentemente de reformas para sair do atoleiro institucional em que
se encontra, com suas infraestruturas básicas na Saúde, na Educação e na
Segurança esfaceladas. Lidar com tudo isto e com a ferrenha oposição que o PT e
uma mídia hostil vão desencadear e proporcionar a recuperação de valores de que
tanto precisamos representam uma gigantesca
missão. Se cumpri-la, Jair Bolsonaro poderá tornar-se na grande figura da
história pátria deste século.
Oswaldo
Pereira
Novembro
2018