terça-feira, 11 de maio de 2021

ERA UMA VEZ


Era uma vez, na Baixa Esfregônia medieval, um povoado chamado Redwood. Era uma comunidade rural e pacífica, de gente alegre e propensa a imaginar que os deuses a haviam abençoado com um clima ameno e terras dadivosas. Já afastado do centro da vila, e quase em plena zona de plantio, havia um pequeno bairro, chamado Little Alligator, cujos habitantes, de uns tempos para cá, viviam em permanente sobressalto. O problema era um dragão.

O tremendo bicho havia estabelecido seu habitat perto da pobre comunidade e, diariamente, investia contra as singelas plantações e alguns casebres da periferia. Suas afiadíssimas garras e o mortífero fogo que expelia pelas narinas levavam o terror e a morte, queimando os campos cultivados, matando animais domésticos, estorricando os açudes. Alguns habitantes do bairro já haviam sido consumidos pelas chamas do monstro.

A população de Redwood estava amedrontada. E exigia das autoridades uma ação imediata, severa e decisiva contra aquela terrível ameaça. Alguns, inclusive, criticavam uma determinação do Supremo Magistrado do burgo, um indivíduo de antepassados italianos, chamado Fachini, que, tempos atrás, proibira a aproximação da guarda municipal dos domínios onde o dragão se instalara. Deu-se tempo para que o bicho crescesse e ficasse mais sanguinário, comentavam.

Um belo dia, o Comandante da guarda resolveu agir. Consultando seus melhores assessores em assuntos reptílios, ordenou um ataque contra o tenebroso cospe-fogo. Embora um dos guardas fosse atingido mortalmente pelas baforadas ígneas do gigantesco e feroz monstrengo, logo no início da ação, os valorosos policiais conseguiram estocar mais de vinte lanças em seu corpanzil, fazendo-o retroceder e afastar-se do povoado.

Ao retornar para Redwood, os combatentes regozijavam-se na antecipação de uma calorosa acolhida por toda a população e preparavam-se para obter nova permissão para continuar atacando o bicho, até exterminá-lo.

Não foi bem o que aconteceu. Embora parte dos habitantes de Redwood tenham festejado o êxito da bem planejada ação, a comitiva não foi bem recebida pelos mandatários do burgo. O Supremo Magistrado estava furibundo, exigindo explicações do Comandante da guarda sobre o que, classificava ele, fora uma atrocidade contra o dragão. Clamava Fachini: 24 estocadas de lança? Que absurdo... Alguns membros do Conselho Municipal também vociferavam contra o exagero no emprego da força.

No dia seguinte, o Redwood Globe, único jornal da vila (manualmente escrito, pois Gutemberg ainda não nascera) estampou a seguinte manchete: O Assassínio de Um Dragão. Em seguida, vários grupos apareceram nas estreitas vielas do povoado. Eram os membros de várias organizações, que incluíam os “Defensores da Vida dos Grandes Répteis”, “Unidos Em Defesa das Escamas Verdes”, “Dragões Unidos Jamais Serão Vencidos”, entre muitos outros.

Os guardas ficaram em silêncio. Choraram o companheiro calcinado e foram para casa. Enquanto isto, numa caverna escondida na floresta, o dragão lambia suas feridas e recuperava suas forças. Ia voltar, claro. Era só esperar...

Obs.: Para os meus leitores que estão distantes da realidade brasileira, explico que, há dias, uma operação policial na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, confrontou e eliminou 24 bandidos armados, aliados ao narcotráfico. Um policial foi morto. Por incrível que pareça, parte da população, da justiça e da imprensa reagiu adversamente.

Oswaldo Pereira

Maio 2021


8 comentários:

  1. Pois então, os dragões, presentes em algumas mitologias orientais e ocidentais representam a terra ou melhor, a força da Terra.

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  2. E Aecio continua por aí implicando com os russos.

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  3. Como dizem os filmes. Qualquer semelhança é mera coincidência? bjs Zezé

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  4. ´`E nova propaganda em tempos de pandemia da LaCoste.

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  5. Por isso que inventaram o santo guerreiro. Ele nao recebe criticas da sociedade protetora dos dragoncinhos.
    Emilio gonzalo

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