domingo, 4 de março de 2018

DECEPÇÃO


Sou, confessadamente, um frequente leitor de jornais. Em papel, às antigas. Não podia deixar de ser, haja vista minha avançada contagem de anos vividos. Faz parte dos atributos da dita terceira idade (ô lugarzinho comum desgastado...), imersa nas tradições do passado milênio, das visões de pequenos jornaleiros apregoando as “últimas” das edições vespertinas, dos diários sendo colocados na soleira das portas junto às garrafinhas de leite.

Para mim, criança nesse passado distante, o jornal era a porta aberta para o mundo fantástico das histórias em quadrinhos, um reino onde Mandrakes, Fantasmas e Brucutus enfrentavam os perigos e salvavam as mocinhas. Depois, passou a ser o arauto dos filmes em cartaz, o analista dos jogos de futebol que só ouvíamos pelo rádio, o revelador das radiofotos de algum cantor de sucesso. Até que, no desabrochar da maioridade, transformou-se no livro de História contemporânea no qual os acontecimentos que moviam o mundo vinham instantâneos para dentro das nossas casas.

Era inevitável que este amor permanecesse até hoje. Estando aqui ou em Portugal, sinto um requintado prazer enquanto abro as páginas dos meus jornais de eleição. Assim, foi com compreensível alegria que soube do renascimento do “Jornal do Brasil”.

O JB teve minha imediata preferência quando retornei ao Brasil em 1971. Seu jornalismo era ágil, inteligente. Seu desenho gráfico era agradável e inovador, gênios da palavra dedilhavam as máquinas de escrever da redação e magos da criatividade davam um fulgor especial ao já lendário Caderno B, um permanente festival de homenagem à cultura. Em rio de piranhas, jacaré nada de costas e, empastelado várias vezes desde sua criação, na Primeira República, até o Estado Novo, o jornal, para manter sua sobrevivência durante os governos militares, submetia-se à censura. Mas, sabia driblá-la com fino humor e requintado bom gosto. Foi com um confiante sorriso nos lábios, então, que saí da banca sobraçando a primeira edição deste seu renascimento.

Para sofrer uma decepção!

O novo JB é um espectro. Seu desenho ficou datado, não há mais gênios nos laptops da redação, sente-se um incômodo diletantismo permeando suas colunas e artigos. Mais deplorável ainda é o ranço de sua linha editorial. Na edição que comprei, questionava-se a reserva comedida do interventor do Rio (“O Interventor Esconde o Jogo” era a manchete rala da primeira página), quando, desde Sun Tzu e Maquiavel, se sabe que o segredo das informações é primordial na arte da guerra. Em outra parte, investia contra o então Ministro da Defesa, Raul Jungman, por ter declarado que alguns daqueles que reclamavam contra o domínio do tráfico de drogas eram os mesmos que o financiavam ao comprá-las. Um frontal ataque ao Rio, vociferavam, não percebendo a obviedade da declaração de Jungman.

É claramente perceptível, também, o forte alinhamento do JB com a esquerda histórica. Não tenho nada contra. Sempre defendi que cada jornal tem o direito de adotar a cor política que seus acionistas preferirem. Mas também acho que a polarização direita-esquerda perdeu seu sentido no Brasil de hoje. O país está dividido em duas camadas. Os que roubam e os que pagam. As legendas partidárias não querem dizer mais nada. No Congresso, o que há são bancadas. A da Bala. Da Bíblia. Do Boi. Et caterva. Centrar o foco do jornal num discurso superado e inócuo é uma perda de tempo.

Espero sinceramente que o Jornal do Brasil conserte o rumo. Será uma pena, se não fizer.

Oswaldo Pereira
Março 2018



10 comentários:

  1. Todo lo que afirmas, es verdad.
    UnUabrazo.
    G. Prisco

    ResponderExcluir
  2. Comentei ontem, mas acho q não ficou registrado.

    ResponderExcluir
  3. tambem fui fa do JB, usava muito os editoriais para traduzi-los para frances ou ingles quando entava o Itamaraty. Uma pena que nao esteja mais a altiura...

    ResponderExcluir
  4. OI Oswaldo. Não li mas depois de seus comentários nem vou correr atrás. Uma pena. Era também meu jornal de preferência. Como diria o velho Cicero: o tempora o mores.
    Grande abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Se Cícero já dizia isso há dois mil anos, imaginem o que não diria hoje...

      Excluir
  5. Recomeçar com o pé esquerdo ...... lamentável.

    ResponderExcluir