Não deu nem tempo para respirar. Como
uma lua de mel que termina mais cedo, estávamos ainda embalados pelos sons
finais de uma linda cerimônia de encerramento, deitados no berço esplêndido do
maravilhoso sucesso dos Jogos quando fomos rudemente acordados.
Um despertador sem cerimônia nos trouxe
de volta ao aqui e agora real da nossa situação política e, em vez de saltos,
corridas, medalhas e superações, a tela da TV invadiu as nossas salas com o
espetáculo do capítulo final do processo de impeachment
de Dilma Rousseff.
Há meses, havíamos assistido ao circo do
Congresso e constatado nossa incúria cívica, nosso desinteresse como eleitores,
nosso distanciamento cômodo do dever de voto. Naquele momento, entre
assustados, constrangidos e repugnados, vimos que tipo de gente tínhamos
colocado no centro do poder, a que histriônico grupo de pândegos havíamos
entregado a tarefa de fazer e aprovar leis, as mesmas leis que regem nosso
dia-a-dia, nosso futuro e o de nossos filhos, nosso destino como nação e como
sociedade.
Hoje, depois de cumprir seu longo rito
processual, o julgamento chega ao fim. No momento em que escrevo, ainda não se
chegou ao veredito, previsto para as primeiras horas de amanhã. Apesar das
previsões indicarem o afastamento definitivo de Dilma, tudo é possível em
Pindorama.
Mas, dá pelo menos para reconhecer que o
Senado, e os senadores da República, apresentaram uma atitude mais próxima da
liturgia do cargo. Às cenas de destempero, tristemente presentes no início das
sessões, sucedeu-se um comportamento mais condizente, e todos os participantes
do julgamento estão tendo amplo, irrestrito e respeitado espaço para dizer de
sua justiça. Inclusive a própria Presidente.
Era para ser o seu grande momento. O
púlpito, melhor dizendo, o palco, seria sua derradeira trincheira, de onde ela
poderia contrapor os argumentos legais para refutar o indiciamento e as
acusações de crimes de responsabilidade fiscal. Afinal, é disto, formalmente,
que trata o processo de afastamento. Era a hora de mostrar habilidade
argumentativa, refutar com um contraditório lógico e juridicamente embasado as
imputações, reverter os prognósticos adversos com um firme, e coerente, libelo
de defesa.
Mas Dilma foi, mais uma vez, Dilma.
No seu discurso de abertura, insistiu na
insustentável tese do “golpe”. Como acreditar neste surrado mote, quando ela
própria ali estava, fazendo parte do rito processual? Quando o presidente da sessão era o mais alto
magistrado do país? Quando todos os passos regimentais previstos na Constituição
haviam sido rigorosamente cumpridos, todas as vozes e testemunhos
disciplinarmente apresentados? A esta altura, ela mesma já deveria ter
descoberto a inutilidade desse mantra repetido ad nauseam.
Adicionalmente, continuou a creditar
todo o processo a uma vingança pessoal de Eduardo Cunha e a tratar Michel Temer
como um usurpador. Temer é o vice-presidente, constitucionalmente designado a
substituir o titular do cargo. Foi escolhido por Dilma para fazer parte de sua
chapa não uma, mas duas vezes, e teve os mesmos milhões de votos que ela tanto
se compraz em dizer que recebeu. E é no mínimo infantil querer imputar a Cunha
o poder de afastá-la da Presidência.
Assim, repetindo a ladainha que tem sido
seu script desde que saiu do Governo,
sua esperada oração ficou com gosto de mais do mesmo.
Durante a sabatina, a coisa não
melhorou. Sua bancada usou o tempo das perguntas para fazer elogios à sua
biografia. Às perguntas dos favoráveis ao impeachment,
ela esquivou-se das respostas. Em nenhum momento, Dilma contrapôs
objetivamente as acusações.
Fico pensando. Se ela viesse ontem ao
Senado disposta a reconhecer seus erros, tentar justificá-los com um certo
arrependimento, propor um novo pacto de governabilidade, talvez tivesse uma
chance de virar o jogo. Mas, para isto, seria preciso que Dilma fosse uma
pessoa razoável.
Mas ela não é...
Oswaldo
Pereira
Agosto
2016